Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS A MOROSIDADE DO GOVERNO FEDERAL NO ATENDIMENTO DA POPULAÇÃO ATINGIDA PELA SECA NA REGIÃO NORDESTINA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • CRITICAS A MOROSIDADE DO GOVERNO FEDERAL NO ATENDIMENTO DA POPULAÇÃO ATINGIDA PELA SECA NA REGIÃO NORDESTINA.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/2001 - Página 14412
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, INERCIA, GOVERNO FEDERAL, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO, VITIMA, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DECADENCIA, SERVIÇO PUBLICO, FALTA, AUMENTO, SALARIO, RESULTADO, IMPRODUTIVIDADE.
  • NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, REAJUSTAMENTO, SERVIÇO PUBLICO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, SERVIDOR, INCENTIVO, PRODUTIVIDADE, AUMENTO, SALARIO, BENEFICIO, DESBUROCRATIZAÇÃO, MELHORIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, muitas pessoas não entendem as posições que os políticos tomam. Eu, por exemplo, tenho sido rotulado, muitas vezes, de governista. Sou da base governista, meu Partido apóia o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Tenho, genericamente, lutado pela governabilidade deste País. No entanto, ninguém que tenha consciência, que tenha discernimento, poderá fechar a mente e dizer: essa é minha posição e acabou; sou intransigente. Por mais interesse que tenhamos em que o Governo dê certo, por mais compromissos que tenhamos para com a governabilidade do País, por mais que desejemos o sucesso do Governo na execução de políticas publicas, não podemos nos diante de fatos que provocam nossa indignação.

Ainda esta semana, um jornal dizia que saí de determinada posição porque sou independente. Orgulho-me de ser independente. Uma coisa são as posições genéricas, outra é a independência que cada um deve ter, principalmente com relação à sua consciência. Lido há muitos anos com o Poder Público. Estou há seis anos exercendo um cargo público, o de Senador da República. Sei da morosidade de alguns serviços, tenho até muita paciência para lidar com documentos, filas, protocolos, audiências, prazos, etc.

Entretanto, há algumas situações para as quais não podem existir impedimentos ao cumprimento de determinadas tarefas: aquelas que são de urgência, aquelas em que está em jogo a sobrevivência, a representação, a dignidade de setores do nosso País.

Alguns Estados até já começaram a receber, mas, após 38 dias, hoje ainda não chegou à Paraíba nem cesta básica, nem carro-pipa. E o Ministro deu ordem, mandou, determinou. Existe a verba, tem tudo. Por que não fizeram?

E aí, Sr. Presidente, temos que procurar entender as razões. Não é possível que responsabilizemos o funcionário que está na ponta da prestação de serviços, porque sabemos que, neste País, há um verdadeiro desmonte da Administração Pública, o que leva, muitas vezes, esse serviço público a situações vexatórias, até calamitosas, como é esse caso da distribuição da água, das cestas básicas e das frentes de trabalho.

A verdade, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, é que, desvalorizado como está, o Serviço Público Federal é mais que ineficiente, perde até mesmo a razão de existir, pois quase não está mais servindo ao público, a razão da sua existência. Um serviço que deveria ser ao público cada vez mais se desfigura, pois não há compromisso com os cidadãos. E não são apenas os nordestinos vítimas da seca que são assim maltratados pela burocracia. Servidores públicos, mesmo quando em missões importantíssimas fora do País, passam vexame, pois lhes faltam os apoios mínimos e básicos.

Se formos buscar na história, Sr. Presidente, em todos os períodos de que se tem notícia, em Estados organizados, os servidores públicos sempre tiveram muita relevância. Se formos ao Egito, veremos o escriba. E quantas estátuas de escribas importantes existem naquela civilização! Era servidor público. Se lermos obras de autores importantes da Grécia Antiga, encontraremos, em A República, de Platão, um papel primordial para o servidor público. Sempre foi honroso ser funcionário público.

No Brasil, particularmente, mesmo antes de se constituírem partidos políticos ou de se afirmarem classes empresariais, já havia o serviço público organizado e competente. Quem não se recorda do Dasp, o Departamento de Administração do Serviço Público? Criado por Vargas para administrar o serviço público, tornou-se um verdadeiro superministério, encarregado de políticas de planejamento e de investimentos. Contratava servidores, responsabilizava-se pela folha de pagamentos, enfim, era o cérebro e o pulmão do serviço público da República.

No período chamado desenvolvimentista, principalmente no Governo de Juscelino Kubitschek, a administração pública concentrou-se na execução de políticas de desenvolvimento fundamentais, entre elas a interiorização do País. Com a construção de Brasília, encarregou-se também da construção de rodovias federais, de infra-estrutura, de hidrelétricas, etc.

Posteriormente, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, nos governos militares, por meio de administração indireta, foram criadas as estatais, as superintendências, as fundações, e o serviço público foi responsável pelas principais políticas de desenvolvimento, transformando-se, principalmente, num celeiro de mão-de-obra qualificada, inclusive para a iniciativa privada, que ia ali buscar seus quadros.

No período das “bras” - Braspetro, Petrobras, todas as “bras” - muitas outras foram criadas e encarregadas de uma infinidade de assuntos: eletricidade, energia nuclear, agricultura, química fina, aviação etc. Nesse período, não obstante a excessiva concentração de poderes nas mãos de alguns superdirigentes e da falta de participação da classe política, pelo menos havia eficiência. Foi um período em que muitos regulamentos foram firmados e estabilizados. Respeitava-se a burocracia por ser eficiente.

Já no período da redemocratização, assistimos, por um lado, à abertura da administração pública para as influências da sociedade; mas, por outro, assistimos à deterioração da qualidade dos serviços.

Não obstante a vontade política de superar problemas de saúde, nutrição, abastecimento de água e de infra-estrutura, a falta de recursos já impedia uma maior eficiência da máquina federal. Uma eficiência que, daí em diante, só tem degringolado. Não bastasse a sanha devastadora da era Collor, as decisões tomadas nos últimos anos empurram o serviço público para seu pior desempenho.

Collor demitiu servidores, pôs outros em disponibilidade, desmantelou estatais estratégicas, fundiu, dividiu empresas, tudo em nome de uma eficiência que nunca foi provada, que nunca veio.

Já no governo do nosso Presidente Fernando Henrique Cardoso, em nome da política de estabilização monetária, congelou-se não apenas a remuneração, como também a atuação da máquina estatal.

Quem não se lembra do tempo em que os funcionários públicos eram invejados? Não havia uma família neste País que não desejasse ter um filho trabalhando no Banco do Brasil, no Banco Central, no Ministério da Fazenda, um funcionário público. Todos queriam. E havia respeito, inveja, porque sabíamos que tinha a vida definida quem ingressava no serviço público. Uma colocação no Estado era o grande anseio de quem quisesse construir uma carreira digna. Coletores de impostos, amanuenses, funcionários dos Correios, professores do Estado eram carreiras dignas e almejadas. Mas, nos últimos anos, tem acontecido um verdadeiro apagão no serviço público. Depois da era Collor, vieram os choques provocados pelas reformas administrativa e da Previdência.

Com as novas regras, Sr. Presidente, houve uma verdadeira corrida às aposentadorias. Perdemos cérebros importantes e passamos a ter uma folha de inativos gigantesca, pois professores universitários e outros funcionários apressaram-se em se aposentar, para não perderem os direitos.

Após seis anos sem revisão dos salários, a atividade de servidor público tornou-se, a cada dia, uma atividade quase indigna. Desestimulados, malvistos pela população, os servidores encontram-se numa situação vexatória. Pior que a categoria de servidor público somente a carreira de político. Quando um Parlamentar diz que é Senador ou Deputado, a maioria da população já o olha com raiva, quase como se fôssemos leprosos. Mas o serviço público também se encontra nesta situação.

São tantos os descalabros que é difícil selecionar exemplos para ilustrar a nossa tese. Há uma avalanche de exemplos. Recebi um e-mail dos trabalhadores do Porto e do Aeroporto do Rio de Janeiro reintegrados, por decisão judicial, aos quadros da Receita Federal. Eles trabalham na Alfândega, na repressão ao contrabando, e percebem - pasmem V. Exªs - R$180 por mês.

Paradoxalmente, a primeira apreensão de supermaconha - segundo consta do e-mail que recebi - realizada no País foi feita justamente por um desses trabalhadores que sobrevivem com um salário mínimo, o qual foi homenageado pela Receita Federal. Mas a homenagem não enche a barriga e não sustenta a família.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que homenagem pode substituir a auto-estima gerada por um salário digno?

Há a outra face da moeda, a dos altos funcionários. Alguns envolveram-se em escândalos de natureza financeira, outros são acusados de prevaricação, de intermediação de verbas públicas etc.

O desgaste é tão grande que uma ordem dada por um Ministro - como acabei de falar no início do meu discurso - não é cumprida há 38 dias. E temos de ficar parados, olhando e dizendo: “meu Deus, até quando isso será levado adiante dessa forma”?

O irônico é que a administração pública dos países que nos servem de espelho continua muito bem montada, bem remunerada e azeitada para defender os interesses dos Estados nacionais a que pertence.

Na França, a administração pública continua funcionando muito bem. Temos ali um modelo excepcional, uma escola de administração pública que serve de exemplo a todos os países, e o respeito é grande. Nos Estados Unidos, apesar da predominância da iniciativa privada, os serviços públicos também funcionam muito bem, há uma máquina de guerra - não nos vamos esquecer de que os soldados são funcionários públicos que funcionam em condição de agir em qualquer parte do globo e todos com auto-estima.

Falei outro dia até mesmo do passaporte americano. O chefe do Secretário de Estado daquele país dá apoio permanente na primeira página do passaporte, dizendo que aquela pessoa é cidadão dos Estados Unidos e que merece e tem de receber o respeito, a facilidade etc. Quanto aos nossos cidadãos, sempre temos de pedir “por favor”, “por obséquio”. A postura é diferente e manifesta-se nessa depreciação da auto-estima. Quero ver, por exemplo, algum estrangeiro atravessar a fronteira americana sem ser detectado. É muito difícil.

Sr. Presidente, aqui os funcionários públicos não têm estímulo, às vezes não têm veículo, nem armamento, nem condições mínimas. É realmente difícil ser funcionário público neste País nesse momento. Os salários não sobem, não acompanham a inflação nem das taxas que o Governo aumenta. O trabalho de desmoralização da categoria vem sendo feito desde a Era Collor. Esse é o descrédito que, no País ou no exterior, corrói a auto-estima.

Na semana passa, falei, nesta Casa, sobre o Timor Leste. Os soldados mandados para aquele país apenas conseguiam telefonar por obséquio de uma força estrangeira, o Canadá, que também está lá; eles somente se alimentavam porque uma outra força estava pagando a comida, no caso a força portuguesa, que também está lá. Nós mandamos 80 homens. Há milhares de portugueses, o Canadá tem quase um milhar, e os australianos são muitos milhares. Mandar pessoas para o exterior nessas condições de quase mendicância é uma vergonha. E as Forças Armadas não reclamavam, sofriam caladas - como está sofrendo calada a nossa Aeronáutica, que está pagando todas as contas do Sivam. Ela não recebeu o dinheiro que estava determinado no empréstimo, porque não querem internalizar, para que as estatísticas econômicas não mudem. E os soldados estavam lá, sofrendo.

Graças a Deus, um familiar e, posteriormente, um ex-aluno meu deram-me essas informações. Fiz um protesto, e ontem foram liberados os quatro milhões. Foi a única verba aprovada, o que demonstra que temos de estar atentos, cobrando, porque quando se cobra, o dinheiro sai. Hoje, quando recebi essas informações, ouvi também a preocupação das Forças Armadas, dizendo “Olha, não fomos nós que divulgamos”. Não foram porque são disciplinados. Mas era uma grande vergonha o que estávamos passando. Graças a Deus, o dinheiro saiu.

Com toda certeza, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos de rever essa nossa posição. Não podemos manter a nossa burocracia tão desestimulada, senão ela não serve ao público. Essa situação não pode ter a dicotomia. A massa é tratada a pontapé, enquanto há príncipes no poder - os superburocratas - que mandam mais que Ministros em outros países. Não há país que tenha burocrata com tanta força. Eles manipulam verba, contingenciam orçamento, passam por cima do Congresso Nacional, definem prioridades segundo a ótica deles e não a do povo brasileiro, e, quando abrimos os olhos, nos descobrimos diante até de apagão energético.

Já contei a história de quando fui a Nova Iorque conversar com um grupo que se chama Russell Twenty-Twenty, detentor de US$7 trilhões, que pedia informações internas e minúcias do País. Eu dizia: “O Congresso Nacional não vai paralisar”. Acertei em cheio, não se paralisou o Congresso Nacional, não houve CPI. Entretanto, dois dias depois, houve o anúncio do apagão. Que cara teremos nós Parlamentares, que representamos o povo, para chegar diante de um grupo desses e dizer: “Eu sabia sobre as áreas do Congresso Nacional, mas eu não sabia que iria haver apagão”? É um risco muito profundo na nossa competência e na nossa imagem.

Não podemos continuar com essa situação em que o funcionário público, que é quem gere a máquina que deve servir o povo, está tão desprestigiado. Em contrapartida, outros superfuncionários, verdadeiros príncipes do poder, deixam de fazer obras que deveriam ser feitas, ignoram decisões estratégicas que deveriam ser tomadas, para prevalecer apenas a sua visão e não a visão do País e da sociedade.

Esse estado de coisas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que gera absurdos inconcebíveis. Quem não se lembra de campanhas em anos recentes com o slogan que tínhamos até um dia desses: “Poupe sua energia; use a nossa”? E, hoje, não podemos usar nem os instrumentos que o avanço nos deu. Quem tem, por exemplo, um microondas, comprado com suor, por um preço supervalorizado, fica preocupado, sentido-se culpado ao usá-lo, porque está tirando do País a condição de produzir. Não pode tomar banho sem pensar: “tenho que economizar energia”; não pode usar nenhum aparelho eletrodoméstico etc.

Só há uma explicação para esse desconcerto administrativo: o descompromisso dos governantes para com os governados.

Há coisas que toleramos, seja em nome da governabilidade, seja da harmonia entre os poderes. Porém, tudo tem um limite.

Para mim, deixar de levar abastecimento de água a populações sedentas, mais do que ineficiência, é descaso, é menoscabo, é frieza, e isso não podemos tolerar.

Por isso, registro esta minha posição: sou governista, apoio o Governo, mas não posso deixar de fazer protestos quando necessários.

Mais do que um desabafo, porém, faço um alerta: ou o Poder Executivo põe o serviço público para servir ao público, e para tal é preciso estímulo, retribuir os servidores com salários dignos, reciclá-los, requalificá-los, para que possam exercer essa função dignamente.

Antes de encerrar, também gostaria de citar outro e-mail que recebi, cujo conteúdo me deixou pasmo. Um cidadão que me enviou faz o seguinte relato: O Governo gastou comigo, com a minha pós-graduação, meu mestrado e meu doutorado, cerca de R$450 mil. Voltei apto, depois de ter trabalhado em várias agências no exterior, até como estagiário na pós-graduação, mas não consigo sequer prestar serviços ao meu País.

Sr. Presidente, centenas de pessoas fazem mestrado e doutorado no exterior, e quando voltam sequer são aproveitados. Espero que esses fundos de pesquisa que aprovamos - para apenas um deles, o Verde e Amarelo, há R$1,5 bilhão parados, sem poder ser aplicados nas universidades - tenham um destrave, sirvam para as pesquisas. País que não faz pesquisa e que não avança na tecnologia está desgraçado. Precisamos de gente de qualidade à frente do serviço público, à frente dos trabalhos de pesquisa.

Por isso, Sr. Presidente, apesar de governista, não posso deixar de dizer certas coisas. Uma delas é que o serviço público precisa ser estimulado. Ninguém consegue produzir levando coices e pontapés. Só se produz com estímulo, quando se é valorizado.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/2001 - Página 14412