Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

BALANÇO DA PRIMEIRA ETAPA DOS TRABALHOS DA CPI QUE INVESTIGA A ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS - ONG.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).:
  • BALANÇO DA PRIMEIRA ETAPA DOS TRABALHOS DA CPI QUE INVESTIGA A ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS - ONG.
Aparteantes
Nova da Costa.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/2001 - Página 14426
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
Indexação
  • BALANÇO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), REGIÃO AMAZONICA.
  • CRITICA, EXCESSO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), AMBITO INTERNACIONAL, ATUAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, ILEGALIDADE, VENDA, TERRAS.
  • CRITICA, FALTA, FISCALIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ESTUDO, REFERENCIA, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), REGIÃO AMAZONICA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 27 de abril deste ano foi instalada CPI para investigar a atuação de organizações não-governamentais, notadamente na Amazônia.

Essa CPI contou, no seu requerimento de constituição, com o apoiamento de 43 Srs. Senadores. Portanto, é uma CPI que teve o apoio de mais do que a maioria absoluta do Senado Federal para ser constituída.

Começando, portanto, os seus trabalhos no dia 27 de abril, cumpriu uma primeira etapa de coleta de informações. E eu gostaria, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de ler aqui um estudo da lavra da Consultora Legislativa Maria Rita Senne Capone, feito em atendimento a uma solicitação minha, sobre uma comissão da Assembléia Legislativa do Estado de Roraima que investigou a atuação de uma entidade não-governamental chamada Associação Amazônia em meu Estado, Roraima.

Lerei apenas alguns tópicos, Srª Presidente.

A Associação Amazônia foi fundada em 7 de fevereiro de 1992 e registrada sob o número de ordem 5.898, no Livro A, nº 41, no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, no Cartório de Registro Especial da Comarca de Manaus, no Estado do Amazonas.

Após assim se constituir, a Associação Amazônia passou a adquirir posses e benfeitorias dos ribeirinhos, demarcou as áreas e formalizou um documento denominando-o de “declaração de posse” no Cartório David, do 2º Ofício de Notas de Manaus.

Adquiriu terras em Roraima e foi registrá-las em Cartório no Estado do Amazonas.

As terras pretendidas pela Associação Amazônia foram estrategicamente divididas em nove lotes demarcados e com memorial descritivo, totalizando uma área de 172.207,41 hectares, perímetro de 184.131,26 metros, sendo que a testada de frente mede 27.462,31 metros e está localizada no Município de São Luiz do Anauá, no Estado de Roraima.

Os ribeirinhos não sabem a quantidade de área que ocupavam e tampouco possuíam qualquer documento referente às terras transferidas com cláusula de constituto possessório. Logo após a transferência da área, os ribeirinhos foram contratados para zelarem pelo local e evitar a presença de estranhos, ao tempo em que passaram a ser sócios da dita Associação Amazônia.

Os últimos endereços dessa Associação coincidem com o endereço do sócio argentino Hector Daniel Garibotti, que reside juntamente com os sócios Christopher Julian Clark e Roberto Paolo Imperialli. [A Associação Amazônia, portanto, é dirigida por três estrangeiros e sua sede é em Manaus.]

A Associação Amazônia tem muitos sócios estrangeiros, endereço na Dinamarca e na Itália e pretende desenvolver projetos com financiamento estrangeiro, inclusive de diversas universidades.

Foram apreendidos folders promovendo comercialmente a área para a venda de pacotes turísticos.

            Ainda existe uma série de constatações retiradas da análise do relatório final da Comissão da Assembléia Legislativa do Estado de Roraima que foi o fato concreto para que requerêssemos a CPI. No item seguinte do próprio requerimento, nós, em face de inúmeras outras denúncias da atuação no mínimo estranha de muitas instituições que se escondem por detrás do rótulo “Organização Não Governamental”.

A nossa CPI pretende, no segundo semestre, debruçar-se mais intensamente sobre a parte investigativa, começando pela Associação Amazônia, passando para uma outra ONG chamada Cooperíndio, cujo vice-presidente foi preso pela Polícia Federal no Estado do Amazonas transportando 300 quilos de tantalita e várias toneladas de ametista. São fatos, Srª Presidente, que precisam ser realmente investigados, apurados e denunciados à Nação.

Faço este pronunciamento na condição de Presidente da CPI, pedindo à Nação, que nos vê pela TV Senado e nos ouve pela Rádio Senado, que nos dê informações sobre instituições que ajam de forma semelhante a essa do Estado de Roraima. Temos notícias pela televisão de que instituições nos Estados Unidos, via Internet, estão vendendo terras na Amazônia de maneira irregular.

Vou ler aqui tópicos de um outro estudo feito pela Consultoria Legislativa, da lavra do consultor José Roberto Bassu Campos.

Fiz a solicitação desses estudos com indagações sobre o regime jurídico das ONGs; quantas elas são; como atuam; como são financiadas. Queria informações palpáveis.

Vou destacar alguns pontos do estudo que recebeu o número 226, de 1999, da Consultoria Legislativa:

Não há consenso intelectual nem base de dados cadastrais que permitam satisfazer por completo a demanda trazida a esta Consultoria. [Refere-se às indagações que fiz.]

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O que é uma ONG.

O conceito de ONG não é pacífico. Entre os autores, quase sempre acadêmicos e militantes desses movimentos sociais, alguns poucos entendem essas organizações como decorrência lógica da própria negação que sua denominação encerra: não-governamentais. Sob esse ponto de vista, todas as instituições privadas, não criadas pelo Poder Público e constituídas sem objetivo de lucro, mereceriam a qualificação de organizações não-governamentais, o que abarcaria, por exemplo, igrejas, sindicatos, partidos políticos, clubes, grupos de bairros. Excessivamente elástico, esse conceito pouco ajuda na caracterização das ONGs, tal como reconhecemos socialmente. Ajuda ainda menos quando se sabe que grande parte das ONGs africanas, por exemplo, foram criadas pelo próprio Governo e nem por isso deixam de ser consideradas ONGs no âmbito dos movimentos sociais.

Segundo Andréa Koury Menescal, “provindo da denominação em inglês Non-Governmental Organization, o termo ONG tem sua origem nas Nações Unidas, onde foi pela primeira vez utilizado” como referência a organizações supranacionais e internacionais. Na Resolução nº 288, de 1950, do Conselho Econômico e Social, ONG foi definida no âmbito das Nações Unidas, como sendo uma organização internacional a qual não foi estabelecida por acordos governamentais”.

Essa definição que buscava diferençar as ONGs das instituições decorrentes de acordos entre governos nacionais, como a própria ONU, e suas agências especializadas, tornou-se insuficiente para caracterizar as organizações que passaram a atuar exclusivamente nos contextos nacionais, tanto nos chamados “países em desenvolvimento” quanto naqueles ditos “industrializados”.

Ainda segundo Koury, na literatura brasileira, a expressão “ONG” teria surgido em meados de 80, nos termos do que Rubem César Fernandes chamara na época de “microorganizações não-governamentais sem fins lucrativos”, para definir as organizações que realizavam projetos junto aos movimentos populares com objetivo de promoção social. Já na Alemanha, por exemplo, o termo teria nascido “mais dentro do Governo do que fora dele”, quando, na década de 60, o Ministério da Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ) daquele país começou a repassar subsídios da chamada “ajuda para o desenvolvimento” para organizações não estatais, em geral ligadas às Igrejas Católicas e Evangélicas.

Nascidas em muitos lugares, de um âmbito assistencialista, quase caritativo, as ONGs passaram a atentar para a circunstância de que problemas que afligem o mundo não encontrarão solução sem que sejam influenciadas as decisões políticas governamentais. Ao constatar essa evidência, as ONGs passaram a exercer atividade de influência política e a funcionar como “grupos de pressão” ante os respectivos governos, atitude que passou a configurar outra característica dessas organizações.

Assim, em resumo, em mais uma tentativa de definição, ONG seria um grupo social organizado, sem fins lucrativos, constituído formal e autonomamente, caracterizado por ações de solidariedade no campo das políticas públicas e pelo legítimo exercício de pressões políticas em proveito de populações excluídas das condições de cidadania.

            Srª Presidente, por esse outro estudo, estamos vendo que existem inúmeras instituições que estão acobertadas sob esse rótulo, que já teve muito mais charme e que continua ter um apelo muito forte entre pessoas que as vêem como entidades capazes de suprir a omissão do Poder Público em determinados setores. Não é o caso, por exemplo, de uma instituição constituída por estrangeiros e que comprou 172 mil hectares de terras só no meu Estado. Existe a denúncia de outra aquisição ilegal de terras no Pará de uma reserva indígena.

Nas entrevistas que tenho concedido à imprensa sobre as ONGs, digo que não queremos fazer dessa CPI uma caça às bruxas nem temos em relação a elas uma atitude preconceituosa. Pretendemos empreender um trabalho sério, um diagnóstico verdadeiro, um raio-X dessas instituições. Primeiro queremos saber exatamente quantas são, como são, como agem, como são financiadas e o que elas levam do Brasil.

O Sr. Nova da Costa (PMDB - AP) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Pois não, Excelência.

            O Sr. Nova da Costa (PMDB - AP) - Senador Mozarildo Cavalcanti, agradeço-lhe a oportunidade do aparte. O pronunciamento de V. Exª se reveste da maior importância não só para a segurança da Amazônia mas também para lembrar o Governo que, uma vez que extinguiu a Sudam, órgão do desenvolvimento regional, rapidamente tome providências para manter estudos e avaliações sobre a Amazônia. Fazendo justiça à atuação de V. Exª - também vivi muitos anos na região, como bem o sabe -, informo-lhe de que tenho dito aos companheiros do Senado que V. Exª têm marcado presença aqui, com pronunciamentos constantemente direcionados à manutenção de nossa unidade na Amazônia e visando a proporcionar caminhos para seu desenvolvimento. Também não poderia deixar de registrar que, nesses cinqüenta e poucos anos em que tenho tido ligação com a região, constatei que temos unidades de fronteira que fazem um trabalho bem seguro. Porém, a Amazônia é grande. Em relação ao nosso Estado, vivi muitos anos no Amapá, o Estado de V. Exª tem quase o dobro da área. E lá ocorrem ocupações dessa natureza, o que é preocupante. Não me estenderei mais, pois o tempo está-se esgotando e V. Exª ainda tem comentários a fazer. Parabenizo-o pelo importante pronunciamento e afirmo que o apóio. Espero que as considerações feitas sirvam para despertar um pouco mais a consciência das autoridades a fim de que estudem bem os resultados dessa CPI. No Congresso Nacional, já houve muitas CPIs. Se retrocedermos a 1961, veremos que houve um relatório, se não me engano, de uma autoridade ou de um estudioso, Lorenzo Carrasco, definindo que os planejamentos do Brasil são feitos lá fora - isso está demonstrado no depoimento -, envolvendo até incentivos à nação indígena. É um absurdo essa situação, que abalará e atingirá a nossa soberania nacional. Essa é a verdade. O seu pronunciamento é um alerta, para que se mantenha a integridade da soberania nacional na Amazônia. Muito obrigado.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Senador Nova da Costa, agradeço imensamente o aparte de V. Exª, que é um conhecedor profundo da Região Amazônica, do Nordeste e também dessa realidade. Preocupa-nos muito a atuação de instituições como essa que mencionei.

Gostaria de dizer também que a situação não ocorre apenas na Amazônia. Recebemos da Assembléia Legislativa do Paraná várias denúncias seriíssimas sobre ONGs que estariam atuando naquela região e, da mesma forma, adquirindo terras e fazendo determinadas ações que não são, segundo a visão dos denunciantes, compatíveis com o interesse do próprio Estado.

Ao encerrar o meu pronunciamento, apelo à Srª Presidente que esses dois estudos sejam transcritos, na íntegra, como parte integrante do meu pronunciamento. Que fiquem registradas nos Anais do Senado o nosso ponto de vista e a nossa preocupação com a atuação de instituições, notadamente aquelas financiadas por corporações financeiras internacionais, estrangeiras, e não têm nenhum controle do Poder Público nacional.

Entram e saem do País à vontade e desenvolvem atividades como essas que estão comprovadas. Realmente, o Poder Público não tem tido alcance sequer para controlar. O referido estudo também afirma que não há legislação específica que possa dar ao Governo brasileiro qualquer tipo de controle efetivo sobre as atividades dessas instituições.

            Tenho não apenas a convicção, mas a certeza absoluta de que existem muitas ONGs sérias, para cujos dirigentes até apelo a fim de que nos ajudem nessa CPI, pois o seu resultado separará justamente o joio do trigo: definirá o que significa uma ONG de verdade, que trabalha com solidariedade e defende realmente as minorias e o que representa aquelas que estão a serviço de interesses estrangeiros e contrários aos nossos

            Já foram feitas solicitações aos Ministérios e aos Poderes Executivo e Legislativo, inclusive às Assembléias Legislativas. Já dispomos de uma relação que nos informa que há milhares dessas instituições atuando no Brasil. Li recentemente no jornal que há cerca de uma ONG para cada mil habitantes no País. Atuando na área indígena, segundo dados da própria Funai, há mais de 350 ONGs no País, com conhecimento da referida Fundação, o que significa mais de uma Organização Não-Governamental para cada mil índios.

            Faço esse apelo final às próprias ONGs e a todos os cidadãos brasileiros a fim de que zelemos mais pelo que é nosso, dando maior valor ao nosso País, sem xenofobia. Não recusamos o apoio e a atenção de instituições estrangeiras que venham efetivamente para o Brasil colaborar conosco em nosso desenvolvimento, em nosso avanço e na resolução dos graves problemas sociais que atingem o País. Mas não queremos instituições que venham fazer, como já existe comprovação, aquisição irregular de terras, vendendo no exterior o nosso patrimônio.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDOS NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/2001 - Página 14426