Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

APLAUSOS A DECISÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMERICA DE RETIRAR A QUEIXA JUNTO A OMC, CONTRA O DECRETO DO GOVERNO BRASILEIRO QUE PERMITE QUEBRAR O SIGILO DAS PATENTES DE MEDICAMENTOS ESTRANGEIROS DESTINADOS AO TRATAMENTO DO VIRUS HIV.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. SAUDE.:
  • APLAUSOS A DECISÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMERICA DE RETIRAR A QUEIXA JUNTO A OMC, CONTRA O DECRETO DO GOVERNO BRASILEIRO QUE PERMITE QUEBRAR O SIGILO DAS PATENTES DE MEDICAMENTOS ESTRANGEIROS DESTINADOS AO TRATAMENTO DO VIRUS HIV.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/2001 - Página 14447
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. SAUDE.
Indexação
  • ELOGIO, DECISÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), RETIRADA, QUEIXA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), RELAÇÃO, DECRETO LEGISLATIVO, GOVERNO FEDERAL, BRASIL, REFERENCIA, QUEBRA, SIGILO, PATENTE DE REGISTRO, MEDICAMENTOS, EXTERIOR.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MANUTENÇÃO, LEGISLAÇÃO, PATENTE DE REGISTRO, MEDICAMENTOS, PAIS ESTRANGEIRO, BENEFICIO, TRATAMENTO MEDICO, DOENTE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em meio a notícias desagradáveis no plano interno, como a crise energética e a alta do dólar, esta exigindo constantes intervenções do Banco Central, uma importante conquista merece comemoração e aplausos. Refiro-me, como já destaquei ontem, à nossa vitória no plano internacional, com a desistência do Governo americano em litigar com o Brasil no que diz respeito à Lei de Patentes brasileira.

A decisão dos EUA de retirar a queixa feita junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o Decreto do Governo brasileiro que permite quebrar o sigilo das patentes de medicamentos estrangeiros para atender uma emergência nacional ou o interesse público, demonstra que quando há organização e respaldo político, com propostas e diretrizes concretas, certamente haverá condições de determinados setores enfrentarem os desafios e contenciosos que possam surgir interna ou externamente.

A nossa Lei de Patentes, uma das mais recentes do mundo, entre outros dispositivos, garante ao Governo brasileiro, sem afrontar as regras internacionais, a quebra de licenças compulsórias de medicamentos, quando há necessidade de enfrentarmos situações endêmicas ou epidêmicas, como é o caso da Aids, e para coibir abusos de preços e monopólios.

No caso da Aids, epidemia que temos enfrentado com um programa de impacto e campanhas de significativo alcance social, os quais têm merecido atenção da comunidade científica internacional, a derrubada dessa barreira favorece basicamente o Governo brasileiro, ampliando sua participação na fabricação de medicamentos a custos bem menores e conseqüentemente podendo praticar preços também mais em conta do que aqueles efetivamente praticados pelos laboratórios detentores da patente.

A Lei de Patentes incorpora um benefício instituído a partir de um projeto do Senador José Sarney, que assegura tratamento público e gratuito aos portadores do vírus HIV.

É bom ressaltarmos os êxitos do Brasil em alguns setores da saúde, como a erradicação da poliomielite, cujo esforço nacional foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde, que em 1994, nos concedeu o certificado de erradicação internacional da doença.

No caso particular do tratamento de aidéticos, avançamos consideravelmente, seja na formulação de programas federais, estaduais ou municipais, com vistas ao tratamento, seja em campanhas de esclarecimentos e prevenção. Com isso, o País vem consolidando seu apoio à fabricação dos genéricos, barateando o custo de sua produção e favorecendo a população, que passou a adquiri-los a preços reduzidos, contra os tradicionais remédios de marcas fabricados por laboratórios privados nacionais e transnacionais, muitas vezes criando seus cartéis e atuando de maneira oligopolizada.

Esse esforço do Governo brasileiro, apesar da oposição e resistência da indústria farmacêutica privada, sobretudo dos grandes laboratórios europeus e americanos, está alcançando seu objetivo. Representa um novo salto para o setor e vem nortear uma nova política de saúde no País, sobretudo com repercussão positiva no combate a doenças, como Aids, que demandam custo elevado para produção de remédios específicos.

Pressionado pela força política da decisão favorável ao Brasil, o laboratório suíço que fabrica medicamento que integra o coquetel anti-Aids anuncia hoje pelos jornais que quer fazer um acordo com o Brasil para reduzir o preço.

Com o êxito dos nossos programas internos, mais o óbice internacional que acabamos de vencer, o Brasil terá condições de enfrentar o elevado custo social da prevenção, controle e cura de doenças, sem o perigo de ser questionado por outros países.

Com o know-how já adquirido, o Brasil poderá agir estrategicamente no combate emergencial a epidemias e endemias, inclusive oferecendo ajuda técnica e cooperação científica a outros países.

A nossa Lei de Patentes, que em seu art. 68 autoriza o licenciamento compulsório de medicamentos estrangeiros, de nenhuma forma quis causar empecilho à propriedade intelectual, nem violou normas internacionais. Quer garantir, apenas, a produção de medicamentos mais baratos para atender àquelas situações onde o interesse coletivo estiver sendo ameaçado por interesses individuais e vinculado à lógica do mercado, o que se constitui interesse público e emergencial, no que foi apoiado por mais de 50 países e cem Organizações Não-Governamentais.

Essas entidades e outras autoridades nacionais e estrangeiras têm elogiado a preocupação das autoridades brasileiras em deflagrar campanhas publicitárias permanentes e outras de impacto, como a distribuição de camisinhas em festas populares, como o carnaval.

Aliás, este fato mereceu do escritor britânico John Le Carrè um artigo na imprensa londrina em que ele elogiava o Brasil “por ter posto a sobrevivência de seu povo acima de interesses das multinacionais do setor farmacêutico”.

O autor inglês manifestou-se a propósito de artigo da jornalista americana Tina Rosemberg, publicado no The New York Times Magazine, em 28 de janeiro último, que considerou o Brasil como o país que adotou uma política correta em relação ao combate à Aids, não obstante a impotência da nossa lei diante da pressão das multinacionais dos remédios.

Mesmo diante de toda a pressão da indústria farmacêutica, o reconhecimento internacional ao nosso trabalho preventivo e aos nossos programas de tratamento contribuíram para formar um novo consenso. Com tais argumentos e exemplos internos vencemos não só a oposição das autoridades americanas, como também a intransigência da poderosa indústria farmacêutica, que, em outros países, vêm enfrentando dissidências semelhantes, como recentemente, na África do Sul, por não compreender que a necessidade de produção de genéricos antivirais pelos Governos, como no caso da Aids, faz parte de uma estratégia global para se vencer a doença, apesar de uma luta desigual contra o vírus que exige vigilância constante das autoridades e muita conscientização das sociedades.

Trata-se de uma questão humanitária, de saúde pública e calamidade internacional, razão pela qual não poderemos compartilhar com a visão mercenária e exclusivista dos que defendem o absolutismo de certas patentes sob pretexto de deter o controle do mercado de medicamento, em detrimento da garantia de preços reduzidos praticados pelos Governos para atender às vítimas da doença. Não pode haver reserva de mercado sobre certos medicamentos, quando seu uso é indispensável para atender à urgência do combate de certas doenças que se proliferam descontroladamente e necessitam da pronta intervenção estatal.

Ressaltamos que essa vitória vem coroar um longo esforço em prol da produção de genéricos em nosso País, que teve origem no início da década de 90.

Destaco novamente o projeto do Senador José Sarney, que veio incorporar à lei a gratuidade do tratamento aos portadores do vírus da Aids. Esse benefício só poderá ser agora efetivamente implantado, porque o Brasil já não terá que debater nas instâncias internacionais se pode ou não produzir remédios mais baratos, porque cai, em boa hora, a barreira à quebra de patentes específicas.

Ainda que pese a nossa atual dependência tecnológica externa, o Brasil é um dos países com maior potencial natural para desenvolver uma indústria farmacêutica nacional própria, principalmente em razão de nossa biodiversidade, com todo um potencial fitogenético que nos oferece condições de pesquisar novos medicamentos.

O Governo, com a Lei de Patentes, e agora com a possibilidade de se utilizar estrategicamente de licenças internacionais, poderá estabelecer mecanismos que favoreçam a população, sem, contudo, prejudicar a indústria farmacêutica que atua no nosso País.

O recuo do Governo americano no caso das patentes é uma vitória do bom senso, como afirmou o Ministro da Saúde, José Serra. Mais do que isso: é a vitória da saúde e uma conquista da humanidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/2001 - Página 14447