Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

INSASTIFAÇÃO COM A GENERALIZAÇÃO DE QUE TODOS OS POLITICOS SÃO CORRUPTOS. CRITICAS A MOROSIDADE E A BUROCRACIA BRASILEIRA PARA DISTRIBUIÇÃO DE AGUA E CESTA BASICA NA REGIÃO NORDESTINA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • INSASTIFAÇÃO COM A GENERALIZAÇÃO DE QUE TODOS OS POLITICOS SÃO CORRUPTOS. CRITICAS A MOROSIDADE E A BUROCRACIA BRASILEIRA PARA DISTRIBUIÇÃO DE AGUA E CESTA BASICA NA REGIÃO NORDESTINA.
Aparteantes
Romeu Tuma, Wellington Roberto.
Publicação
Publicação no DSF de 02/08/2001 - Página 15181
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, CONCEPÇÃO, CORRUPÇÃO, ABRANGENCIA, TOTAL, POLITICO, PAIS.
  • APREENSÃO, ORADOR, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SECA, MISERIA, POBREZA, FOME, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DA PARAIBA (PB).
  • QUESTIONAMENTO, DEMORA, BUROCRACIA, GOVERNO FEDERAL, ASSISTENCIA, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, INSUFICIENCIA, NUMERO, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS, CAMINHÃO, AGUA, ATENDIMENTO, VITIMA, SECA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, depois de um mês de recesso, retornamos à Casa, onde muitos assuntos estão em debate nas Comissões e no plenário. Com certeza, essa é uma pauta bem diferente da que interessa à imprensa, que não tem tido outra postura senão a de buscar escândalos e dar à população a idéia de que a política é um mundo de corrupção, de descalabro e tudo o mais.

Muitas vezes, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, nós, que fazemos vida pública não profissionalmente, mas como pessoas que entendem que têm obrigação para com a sua comunidade, para com a sociedade, começamos a nos perguntar se esse é o caminho para servir à comunidade, porque somos mostrados como uma espécie de bandido. Hoje talvez seja melhor dizermos que somos de tal profissão, mesmo que ela seja menos importante, do que dizer que temos o mandato de Senador ou de Deputado. Quando dizemos em público que somos Senador, as pessoas já nos olham atravessado, como se fôssemos um cafajeste, um ladrão.

A situação é muito diferente. Nesta Casa, encontramos pessoas como o Senador Osmar Dias, que acabou de fazer ponderações sobre assuntos sérios, como o Senador Romeu Tuma, como nossos companheiros Pedro Simon, Eduardo Suplicy e tantos outros Senadores que vieram para cá para debater os problemas do País e apresentar soluções. Existe alguém cuja conduta é condenável? Então vamos puni-lo, vamos tomar as providências cabíveis. Mas essa não é a regra nesta Casa; aqui a regra é a seriedade. E são muitos as pessoas que vêm para cá porque têm amor às suas comunidades, à sociedade brasileira.

Eu não sou político; sou empresário, professor - é assim que gosto de ser chamado. Fui professor de várias matérias de 1º e 2º graus, depois fiz concurso para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde, desde 1967, sou professor da área B - Economia e Administração. Fiz os cursos de Economia, de Administração e de Pedagogia, ou seja, três cursos superiores. Depois fiz alguns cursos de pós-graduação. Sinto-me realizado quando estou dando aula, mas, seja pelos encargos familiares de uma família política, seja por acreditar que o meu Estado precisava de um representante que lutasse por ele com afinco, eu me candidatei e aqui estou, para minha surpresa, no segundo mandato. Penso que será o último, porque, a cada dia, olho com mais tristeza o quadro político, principalmente quando mostram os políticos como se fossem todos da mesma laia, todos corruptos, todos ladrões.

Eu me pergunto: que pessoa de bem vai se arriscar a exercer um cargo público se, a cada dia, de forma mais patente, somos mostrados como monstros? Eu não tenho tido muito estímulo como político. Nos últimos seis meses, durante a semana, fiquei em Brasília, batendo de porta em porta nos Ministérios, pedindo recursos para a minha Paraíba, aonde vou apenas nos fins de semana. Quando vou lá, vejo um quadro que nos faz sentir vergonha de sermos brasileiros. No Nordeste, a seca continua, e é grande o sofrimento do povo. Há três dias, as cidades de Cajazeiras e de Sousa estão bloqueadas, as BRs estão fechadas por trabalhadores famintos.

A maioria da população do País não sabe o que significa seca verde. Quando chove irregularmente, há algum pasto, mas não se juntou água nos açudes e não há água para beber. Há cidades que estão assim há três anos. Não teve safra, não há o que comer.

Essas pessoas não têm maior qualificação, porque nunca demos a elas a redenção de ter um ensino profissionalizante. No Brasil, dizemos que alguém é alfabetizado porque sabe ler e escrever. No mundo globalizado, o que isso significa? Nada, absolutamente nada, a pessoa continua analfabeta, essas pessoas estão aptas apenas a pegar uma enxada e a roçar. Se não há chuva, o que roçarão? Se não têm água para beber, o que vão fazer? Não têm dinheiro para levar o filho à escola, não têm dinheiro para comprar comida, não têm horizonte, não têm esperança.

A esperança que tínhamos, Senador Romeu Tuma, era a transposição do rio São Francisco, que nos permitiria um fluxo de água constante. O meu Estado é o único do País que não tem rios perenes. Quando chove, eles têm água; acabou a chuva, secam. Se não fizermos a barragem, não haverá água na seca. Às vezes, a seca vem três anos seguidos. Em 1999, fazia três anos que não chovia. Agora, de novo, começou outro período de seca.

À medida que o mundo esquenta - El Niño e La Niña são fenômenos que nos afligem, porque, num lugar, chove muito e, num outro, não chove nada - nós, no Nordeste, estamos pagando um preço alto por essa estiagem.

Setenta e dois dias de seca! Comecei dizendo “são 10 dias hoje” e já estamos no 72º. Não tivemos regularidade nem de carros-pipas nem da distribuição de cestas básicas. São 15 quilos de alimento para uma família - às vezes de até dez pessoas - comer durante um mês. É a solidariedade mínima que se esperava de uma República.

Senador Eduardo Suplicy, o Ministro Raul Jungmann disse que iria resolver e assinou com toda convicção. E queria que isso fosse resolvido, só que a burocracia não está reagindo na mesma velocidade. Tem que se fazer concorrência para comprar as cestas básicas; e essa concorrência não anda. E, quando foi feita, foi feita de forma irregular. Caiu até o Presidente da Conab. E voltamos à estaca zero. Enquanto isso, o cidadão está esperando para comer alguma coisa. Quanto aos carros-pipas, que deviam estar chegando com freqüência, o Exército tratou de fazer a distribuição somente na área rural. Na periferia das cidades não tem carro-pipa.

Sr. Presidente, veja que coisa incrível: não há distribuição de água na periferia da cidade. O cidadão tem que ficar na área rural. Lá, não há o que comer, o que beber, os seus animais já morreram, mas ele tem que ficar lá esperando que o carro-pipa chegue para encher sua lata d’água. Então, vamos convivendo com mais profundidade com o mecanismo da miséria, e ficamos impactados, sem acreditar.

Vejam que coisa kafkiana: quando falta água na cidade, o prefeito decreta estado de calamidade pública por 120 dias e serve apenas para levar o assunto ao conhecimento do Governador do Estado, que enviará a matéria à Assembléia Legislativa, que deverá ser votada em trinta dias. Dos 120 dias a que tinha direito, o prazo reduziu-se para apenas noventa dias. Depois disso, o assunto é encaminhado ao Governo Federal, que deve reconhecer o estado de calamidade tanto do Município quanto do Estado, o que demora outros trinta dias. Restam apenas sessenta dias para que comecem a tomar alguma providência. Quando o prefeito tem muita sorte e acontece de receber um sim, porque realmente concordam que o seu povo está passando por um estado crítico, faltam apenas vinte dias para o fim da vigência do estado de calamidade. Receberá, então, apoio por esse período, depois recomeça o sacrifício. Esse mecanismo enlouquece qualquer cidadão que tenha responsabilidade. Mas não pára aí: a água só poderá ser distribuída na região rural.

            O critério de distribuição das cestas básicas é bem diferente daquele usado na última seca, ocorrida em 1999. Numa cidade como Desterro, por exemplo, setecentas pessoas alistaram-se para recebê-las; no entanto, chegaram apenas 148 cestas.

            Sr. Presidente, saia do pêlo de V. Exª e ponha-se no pêlo do prefeito. Setecentos alistados, 148 cestas: que critério utilizar para decidir quem as receberá? Olhar a barriga para ver quem está com mais fome? Ver se o estômago encostou na espinha? Qual deveria ser o critério? O que fazer?

O Sr. Wellington Roberto (PMDB - PB) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Ouço V. Exª com muita satisfação.

O Sr. Wellington Roberto (PMDB - PB) - Senador Ney Suassuna, V. Exª tem demonstrado preocupação quanto aos problemas da seca no nosso querido Estado da Paraíba. Informo V. Exª de que recebi hoje a informação de que as estradas continuam sendo bloqueadas, como é o caso da estrada que leva à cidade de Sousa. V. Exª também tem falado nas cestas básicas. Realmente, alguns itens que compõem as cestas que chegam à Paraíba têm sido de péssima qualidade, como é o caso do feijão, que não cozinha. O Presidente da Conab caiu sem resolver o problema da cesta básica. Isso é preocupante. É preciso que a Bancada nordestina esteja unida para resolver os problemas não só da seca no Nordeste, como também da falta de água, pois os caminhões-pipas não têm chegado regularmente. A atitude do Governo Federal é de extrema morosidade. Obrigado.

            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Nobre Senador Wellington Roberto, sou eu que agradeço o seu aparte. V. Exª, como paraibano e sertanejo, tem assistido ao massacre que estão sofrendo os pais de família, açoitados pelo flagelo dessa estiagem que nos põe numa vulnerabilidade nunca vista.

Fico sem entender o que está ocorrendo. O que o Senador falou sobre a cesta básica é verdadeiro. Na fatura, o feijão é de primeira qualidade, mas na compra é de quinta. Cozinham-no o dia inteiro para que possa amolecer, mas nem caldo dá. O mesmo ocorre com os demais gêneros alimentícios.

Várias pessoas ainda ganham com a miséria alheia.

Senador Wellington Roberto, V. Exª apoiou-nos com sua intervenção quando eu falava das dificuldades que vive hoje o homem que tem tudo esturricado em sua pequena propriedade. Segundo o Governo, ele deve esperar a lata d’água, porque não pode ir para a periferia da cidade, onde é possível, pelo menos, pedir uma esmola ou receber a sopa que a maioria das prefeituras está oferecendo. A sopa é rala, mas é a comida de que se dispõe.

Esse contingente de flagelados anda pelas estradas e aglomera-se em busca de solução. De repente, alguém lidera o grupo e avisa que determinada escola está distribuindo merenda. Então, Sr. Presidente, eles vão lá, quebram as portas e levam a merenda escolar, tirando-a da criança. Mas eles também precisam comer. Quem dirá que eles não têm o direito de comer? Isso tem sido uma constante.

Também pode ocorrer a reunião de 300, 400, 500, mil ou duas mil pessoas em volta de uma cidade pequena, ameaçando invadir o comércio. O prefeito, então, fica louco, sem saber o que fazer e compra algo para distribuir. Pode ser uma rapadura, quilos de farinha, arroz, enfim, o que puder. Esse tem sido o clima que temos visto em nosso Estado - meu, do Senador Wellington Roberto e do Senador Ronaldo Cunha Lima.

Na Paraíba, não existe água perene. Temos que fazer o barreamento. Com relação a essa regularidade, mesmo na chuva, chove numa área do Estado e na outra não. Então, tem que haver conexão, e já fizemos 1.500 km de adutoras para tentar fazer essa distribuição de água, pelo menos para beber, isto é, para consumo humano e animal. Estamos, como eu disse, com esse processo kafkiano dos 120 dias. Estamos recebendo cesta básica em quantidade insuficiente, e não sei como o prefeito poderia agir, a não ser dizendo: “Prefiro não apanhar as cestas”. Mas vem um Ministro de Estado e diz: “Vou denunciar o prefeito ao Ministério Público”. E eu pergunto: caberia alguma outra ação ao prefeito? Mil pessoas e 100 cestas; vai-se fazer como? Isso é “A Escolha de Sofia” - refiro-me àquele famoso filme, àquele famoso romance, em que a mãe tem que escolher entre um filho e outro, qual dos dois vai morrer. Não sei, apenas tenho esse sentimento que bate no peito, de revolta, vergonha, tristeza - é assim que todos nós ficamos. Mas aí vimos para Brasília. E chegando aqui o burocrata disse: “Mas essa tem que ser a norma, porque não temos recursos”. Não tem recursos para gastar R$30 milhões por mês com cestas básicas para 12 milhões de nordestinos, que são esses que estão na situação pior? Mas tem recursos para fazer com que o dólar não suba um cent e se gaste R$1 bilhão; ou para que se ajude um banqueiro que, desonestamente, desviou recursos e que não tenha o problema da vulnerabilidade do sistema.

Não sei que País é este! Eu não sei como fazer... É desagradável, Senador Romeu Tuma, falar toda hora do mesmo assunto, mas falamos para ouvidos de surdo; e o que é pior, não é aquele surdo que não ouve, mas aquele que não quer ouvir, porque não são surdos, mas ouvem e até ficam trombudos, zangados.

Passamos para a Oposição? Não; não passamos para a Oposição. Continuamos apoiando o Governo. Eu sou um dos que apóia o Governo sempre; mas precisamos ter algum by-pass, algum corte, que evite esse gasto de tempo. É demais fazer isso com boa parte da nossa população.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Tem o aparte V. Exª.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Desculpe-me interrompê-lo, Senador, mas é tão dramático o cenário que V. Exª traz a esta Casa, que realmente nos sensibiliza e nos entristece bastante. Não vou entrar no mérito, porque V. Exª pisa no chão duro da seca e fala com os flagelados que sofrem e sentem, na fome, a própria morte dos seus filhos. Temos visto cenários, principalmente nos jornais televisionados, de morte por inanição, por falta de alimentos e por falta de água. Às vezes nos questionamos se isso está acontecendo no Brasil. É no Brasil? É a descrição de algum lugar do Brasil? Então, eu me pergunto: Será que não dá para haver uma distribuição melhor de riqueza e o atendimento a essa população que não tem outra solução a não ser migrar? Essa população não tem qualquer esperança, porque a saturação das cidades está tão grande que os administradores não conseguem acompanhar o inchaço das cidades, da zona urbana. Então, temos que atender o campo. Então, pergunto a V. Exª, que está no campo, se assim me permitir: quando eu estava na Polícia Federal, nós identificávamos a deterioração de alimentos armazenados com o adiantamento de dinheiro do Governo Federal - a ordem era que se indiciassem e processassem as cooperativas que tinham o armazenamento e colocavam à disposição dos órgãos governamentais os grãos que não eram retirados e acabavam apodrecendo. Aí surgia a nova safra e não se sabia o que fazer, porque tinham que retirar a antiga para colocar a nova; aquela outra ficava ao relento. Isso continua acontecendo? Não tenho muita certeza, mas é algo que sempre me preocupou, só que agora não tenho as informações necessárias para saber se ainda ocorre. Há uma fiscalização correta? Porque quando se financia os pequenos produtores é preciso dar-lhes apoio, pelo menos para retirarem a safra e colocá-la à venda, ou distribuí-la para aqueles que não têm com o que se alimentar. Por isso cumprimento V. Exª, espero que esse grito da tribuna que V. Exª dá seja ouvido não só por um ouvido, mas por todos aqueles que têm a responsabilidade de decidir.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador Romeu Tuma, pelo seu aparte. V. Exª é uma pessoa que, com esses anos de convivência, aprendi a admirar cada vez mais por sua transparência, correção, por seu discernimento e pelo grande companheiro que é no apoiamento das causas justas, além de dizer da bravura com que enfrenta os problemas sem nenhum medo, sem assombro de coisa alguma. Sou um admirador de V. Exª, mas lhe digo que tenho andado assombrado com a velocidade do descompasso que vemos entre o discurso e a ação. Às vezes me pergunto: por quê? E encontro algumas respostas que não são boas. A burocracia está desestimulada, não há aumento, passou a ser vilã e tudo o que não prestava era culpa dela e dos nossos funcionários públicos.

Fico pensando: “Meu Deus! Um país que tem tudo...” Temos tudo, somos um país rico, por que, então, haver essa miséria? Até aprendi aqui, Senador Romeu Tuma, porque, por mais que vivamos, estamos sempre aprendendo. Até na hora da morte, aprendemos como se morre, não é verdade? Revoltei-me, numa dessas secas que enfrentamos, e fiz, aqui na frente do Senado Federal, um monumento de latas secas, sendo que cada uma delas tinha o nome de uma cidade que estava passando sede. Houve piadas, gozações, mas não me envergonhei disso. Pelo contrário, nem eu, nem meu povo. Por que eu teria vergonha de fazer isso, se meu povo está pegando lata d’água poluída para beber? Foi uma forma de chamar a atenção da imprensa.

Desta vez, Senador Romeu Tuma, fiz mais: fui direto a cada órgão de imprensa. Pedi ao jornal Folha de S. Paulo, ao O Estado de S. Paulo, ao Jornal do Brasil, ao O Globo, à TV Globo, a todo o mundo, que fizessem alguma reportagem sobre aquilo. Inclusive a TV Senado fez uma série, que deve passar por esses dias, muito importante, mostrando o que é a seca, o que é a miséria. Fiquei impressionado quando vi os nossos repórteres daqui da TV Senado pasmados, estupefatos, sem acreditar no que estavam vendo. É duro o quadro! Para quem nunca viveu aquilo, quando vê, sente revolta. A meu ver é o momento em que temos vergonha de ser brasileiros. A vontade é de buscar auxílio no exterior, na OEA, pois aqui não está funcionando como devia. A ordem foi dada, mas não chega na velocidade adequada. E as coisas se sucedem desde o tempo de D. Pedro II.

Se não é assim que funciona, o que devíamos estar discutindo? São coisas que não consigo entender. Milhões de pessoas no País não possuem casa, moram embaixo de pontes. Pergunto: há barro para fazer telhas e tijolos? Terra para alicerce? Desempregados para construir? O que falta? Uma vibração, um comando. E não saem do papel as casas próprias populares. Não consigo entender o porquê.

Vejo o meu Estado, a Paraíba, naquele cantinho do Brasil, aquela corcova, a dias de vantagem em direção à Europa, se para lá fôssemos nos deslocar. É uma posição que nos dá uma vantagem relativa enorme. As indústrias de pesca do Uruguai, por exemplo, passaram a atuar na Paraíba. Ao invés de três pescadas por ano, fazem quatro, com 25% de aumento na produtividade. Onde não havia pesca, houve uma produção de vinte milhões, e para este ano a previsão é de 52 milhões. Já somos o maior porto pesqueiro, porque aproveitamos a proximidade com o Golfo da Guiné, no Oceano Atlântico, onde está o atum e o espadarte. Também o turismo deveria ser aproveitado. Por dever de ofício, conheço bem o mundo e pude observar que no Japão uma pessoa com US$4 mil ganha pouco. Mas são US$4 mil. Enquanto os aposentados enfrentam um inverno duro naquele país, poderíamos realizar colônias de férias para os japoneses, aproveitando nossos japoneses desempregados em São Paulo para ajudarem. Poderíamos estar trazendo levas de japoneses idosos, que levariam uma vida de rei e não gastariam nem um quarto do que recebem, porque o que lá no Japão é caro demais aqui é barato. Eles teriam vida de rei. Nós podíamos estar fazendo essas colônias de férias. Nós podíamos estar fazendo tantas coisas, mas não estamos, porque não arregaçamos as mangas e não fazemos o que devíamos; os programas não chegam ao fim da linha. Um dos poucos programas que teve a sua conclusão é o da agricultura familiar. E vemos o milagre. Emprestam R$500,00 para uma pessoa; ela compra duas cabras e um bode; ou só duas cabras e as leva para inseminação. De repente, muda-se a vida com R$500,00. Esse programa tem chegado ao final.

O Governo tem programas bons, mas horas há em que o Governo parece apático. Não consigo entender. Voltei do recesso com a sensação de que esqueceram um pedaço do Brasil. É incrível. Como disse o Senador Wellington, há três dias está fechada a BR que liga João Pessoa ao Amazonas. E ela não faz falta, ninguém nem toma conhecimento.

Será que terão que crucificar alguém todo dia? Será que terão que decapitar pessoas? Será que terão que incendiar repartições públicas para chamar atenção e anunciar que estão urgentemente necessitando de ações? Eu não consigo entender o que se está passando no País. Vejo toda a imprensa discutindo o caso de um Senador. Parece que tudo no Congresso diz respeito a um único Senador. E vejo essa mesma imprensa fazer de conta que não está vendo a seca matando milhões de pessoas.

Não consigo entender os critérios. Não consigo entender o que está se passando no País. Mas quero dizer que esta Casa, onde há tantos patriotas - e tenho tido o apoiamento dos companheiros - ela tem tido pouca força. Creio que a Bancada nordestina ainda não sentiu a força que tem. E continuamos numa situação patética, uma situação que nos deixa a todos perplexos.

Hoje venho fazer este desabafo. Hoje eu, o Governador José Maranhão e o Deputado Efraim Morais fomos aos gabinetes dos Ministros que comandam o processo para pedir que, pelo amor de Deus, acelerem as ações. Eles disseram: - “Já mandamos”. Mas as ações ainda não chegaram na intensidade necessária.

Precisamos, realmente, encontrar soluções. Há muitas coisas a se fazer no País. Tenho cumprido, como Senador, o meu dever. Por onde passei, procurei cumprir o meu dever. Fui para a Comissão do Orçamento, Sr. Presidente, e entreguei o relatório quinze dias antes do prazo, porque o grupo todo de Parlamentares trabalhamos dia e noite; ninguém arredava o pé de lá. Há vinte anos que não acontecia isso. E, depois que fizemos, nunca mais ninguém fez. Fomos para a Comissão de Assuntos Econômicos e empreendemos a um número recorde de reuniões, de processos e de debates. Estamos na Comissão de Fiscalização e Controle, que não funcionava, e batemos o recorde - empatando com outras - em projetos relatados.

Como eu, centenas de pessoas fazem o mesmo. Mas ficamos impotentes, quando se trata de fazer andar essa máquina gigantesca de modo mais veloz.

Tenho muito orgulho de ser nordestino, mas dói muito ser nordestino, porque vemos os nossos conterrâneos sofrendo de uma forma que arrasa o nosso coração, arrasa a nossa confiança no futuro para aquelas crianças. Não nos preocupa só a fome do momento, mas também os neurônios bloqueados, os neurônios atrofiados pela fome. Pior: a desagregação familiar. Sai o pai de família para procurar um emprego nas periferias das grandes cidades e fica a mulher sem ter o que dar de comer aos filhos.

Quando passamos, durante o período de seca, nas estradas do Nordeste, Sr. Presidente, dá vergonha. Vemos crianças, meninas de 12, 13 anos, prostituindo-se para conseguir um trocado para levar aos irmãos menores. Isso não é correto; isso não está certo. Há muito o que fazer neste País, mas falta vibração; falta darmos as mãos e tentarmos resolver seriamente, sem que um fique puxando o tapete do outro, sem que um grupo, por ideologia, fique bloqueando a ação do outro. Somos todos irmãos. Este País tem espaço para todos e tem meios e condições de nos fazer vibrar para resolver os problemas.

Encerro meu pronunciamento com uma frase mais dura: talvez faltem coragem e vergonha. Se tivéssemos vergonha, com certeza já teríamos resolvido a maioria dos problemas que são críticos e que são prioritários neste País: habitação e educação. Isso melhoraria a segurança e com certeza refletiria na saúde.

São palavras, eu sei, um tanto amargas, mas entendam-nas como o desabafo de uma pessoa que quer fazer algo e não vê como. Este deve ser o 33º discurso sobre o tema; entretanto, já se passaram 72 dias sem que o assunto tenha sido resolvido. As BRs permanecem bloqueadas, impedindo a passagem para Cajazeiras e Sousa.

Até quando vamos ficar nesta chorumela? Eu queria estar aqui falando sobre exportação, progresso, tecnologia, sobre um País que está crescendo, porque tem tudo para crescer, mas, lamentavelmente, estou falando de tristezas, de mágoas, de decepção e de sofrimento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/08/2001 - Página 15181