Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

RELATO DO COMPARECIMENTO DE S.EXA. A POSSE DO NOVO PRESIDENTE DO PERU, ALEJANDRO TOLEDO, COMO REPRESENTANTE DO SENADO FEDERAL E DO PARTIDO DOS TRABALHADORES.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • RELATO DO COMPARECIMENTO DE S.EXA. A POSSE DO NOVO PRESIDENTE DO PERU, ALEJANDRO TOLEDO, COMO REPRESENTANTE DO SENADO FEDERAL E DO PARTIDO DOS TRABALHADORES.
Publicação
Publicação no DSF de 02/08/2001 - Página 15186
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • RELATORIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, REPRESENTANTE, SENADO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), SOLENIDADE, POSSE, ALEJANDRO TOLEDO, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, PERU.
  • INFORMAÇÃO, SUGESTÃO, ORADOR, ALOIZIO MERCADANTE, DEPUTADO FEDERAL, ACEITAÇÃO, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, PERU, REALIZAÇÃO, SIMPOSIO, AMBITO INTERNACIONAL, EXAME, PROPOSIÇÃO, COMBATE, POBREZA, ESPECIFICAÇÃO, GARANTIA, RENDA MINIMA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Lindberg Cury, neste último fim de semana, dias 28 e 29 de julho, estive em Lima, no Peru, acompanhando a posse do novo Presidente daquele país, Alejandro Toledo, eleito com mais de 5 milhões de votos, tendo alcançado mais de 53% dos votos no segundo turno contra o seu principal adversário, Alan Garcia, numa eleição que se constituiu em verdadeiro marco para a história da democracia da América do Sul, da América Latina.

Existe no país um verdadeiro trauma decorrente dos dez anos do Governo de Alberto Fujimori, caracterizado por autoritarismo, abusos e corrupção. Ele ainda tentou ser eleito pela terceira vez; foi, entretanto, desmoralizado de tal forma que seu principal assessor, Vladimiro Montesinos, hoje, se encontra detido por crime de corrupção e o ex-Presidente Alberto Fujimori encontra-se refugiado no Japão.

Considerei muito importante atender ao convite pessoal que me foi feito pelo Presidente Alejandro Toledo para a transmissão de mando. Fui representando o Senado Federal. Os Deputados Aloizio Mercadante e Feu Rosa foram como representantes da Câmara dos Deputados. Tanto o Deputado Aloizio Mercadante quanto eu estivemos representando a Direção Nacional do Partido dos Trabalhadores.

A transmissão de mando do Presidente Alejandro Toledo revestiu-se de enorme significado para o Peru. Aliás, isso ocorreu também por uma característica especial: Alejandro Toledo é o primeiro descendente de índios que assume a Presidência da República. Por essa razão, sobretudo, ele fez questão de que a cerimônia de transmissão de mando tivesse um capítulo na cidade de Lima, no Congresso Nacional, e no domingo, o dia seguinte, continuasse na cidade de Machu Picchu, que possui uma característica mágica, sagrada, onde há montanhas maravilhosas nas quais os incas viveram e formaram o seu império que, em 1532, acabou sendo dizimado pelos conquistadores espanhóis, pela expedição de Francisco Pizarro.

Foi extremamente interessante e bonito perceber como os valores indígenas estão presentes na sociedade peruana e como o Presidente Alejandro Toledo, nesse revigoramento do anseio democrático no país, resolveu resgatá-los, ou seja, os valores indígenas da solidariedade, da reciprocidade, que caracterizavam a sociedade inca. A sua própria esposa, num pronunciamento muito bonito, no idioma quíchua, além de também fazê-lo em espanhol, relembrou alguns aspectos de estarem todos permitindo que não se apague a memória do grande povo, sobretudo indígena, que se mantenha a língua, que se sinta a mãe-terra, que, segundo os índios, era uma divindade, e que possam ser resguardadas as tradições de vestimenta, música, dança e tudo que era tão importante para os povos indígenas, os incas e os demais.

Em seus pronunciamentos, Alejandro Toledo ressaltou a importância de atacar a pobreza como eixo central de seu novo governo. Ele realizará enorme esforço, tendo dado instruções a todo o seu gabinete ministerial para que cada uma das ações se realize nos mais diversos setores, mas sempre orientada para o objetivo de realizar-se uma luta frontal contra a pobreza.

Sr. Presidente, dos 26 milhões de peruanos, que hoje caracterizam a população do Peru, 54% ainda estão em condição de pobreza e 4,5 milhões, em condições de pobreza extrema. Uma em cada criança menor de cinco anos está com fome crônica. A mortalidade infantil no Peru ainda é cinco vezes maior que nos países vizinhos. Mais de 40% não têm o devido sistema de tratamento de águas e esgoto; 25% não têm eletricidade; só ¼ da população do Peru é abrangida pelo sistema de seguridade; a qualidade da educação tem diminuído nos últimos anos.

Em que pese a Machu Picchu e tantos lugares lindíssimos e de extraordinária importância do ponto de vista antropológico e arqueológico, apenas 600 mil turistas visitam anualmente o Peru, comparados, por exemplo, a 60 milhões que visitam anualmente a Espanha. E o Presidente Alejandro Toledo tem por objetivo que, durante o seu Governo, nestes cinco anos, haja um crescimento de pelo menos três milhões de turistas. Essa foi sua meta, inclusive para colaborar no sentido da criação de pelo menos 400 mil empregos.

É seu objetivo fazer a economia peruana crescer aceleradamente, mantendo-se o controle da inflação, mas procurando construir uma economia de mercado com um “rosto humano”, nas suas próprias palavras. Portanto, S. Exª pretende realizar ações para reativar a economia, gerar emprego em muito maior velocidade do que tem ocorrido, realizar novos investimentos para ampliar a capacidade produtiva, tanto com empreendimentos com a colaboração de capitais nacionais quanto internacionais; realizar um grande apoio à pequena e à média empresa, incluindo uma linha de microcrédito de US$50 milhões, há pouco anunciada; um programa de emergência social produtiva e, enfim, realizar um governo que possa estar à altura da grande expectativa e da esperança do povo peruano para uma nova era de democracia, de busca de justiça e de paz.

Foi importante o diálogo testemunhado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, em que o Presidente do Peru procurou ter um diálogo mais concreto com as nações andinas. Procurou, inclusive, realizar um entendimento, uma declaração especial, que eu gostaria de aqui registrar, dos países andinos. Tendo como cenário a cidadela de Machu Picchu, fez-se pública esta declaração, este foi o principal pronunciamento em nome dos países andinos que Alejandro Toledo apresentou, expressando seu convencimento de que a democracia, o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais sejam interdependentes e possam reforçar-se mutuamente. Os presidentes dos países andinos reiteraram a sua convicção de fortalecer a democracia como sistema de governo, comprometendo-se a defender a institucionalidade democrática e o Estado de Direito, insistindo que o exercício efetivo da democracia requer fortalecer o seu caráter participativo.

Assim, eles pretendem adotar uma carta democrática interamericana, durante a próxima Assembléia Extraordinária da Organizações das Nações Unidas, da qual o Brasil participará e que se realizará em Lima em setembro próximo. Esta deverá constituir-se em um instrumento destinado a contribuir para a promoção, estabilidade, preservação e defesa da institucionalidade democrática.

Os países andinos, os seus chefes de Estado propõem elaborar um texto para formar a carta andina de direitos humanos. Esse documento considera uma fonte de riqueza e de união entre as sociedades andinas a diversidade cultural e ética daquelas nações. Assim, expressam os presidentes dos países andinos - e isso é muito importante para nós, brasileiros - a sua decisão de continuar desenvolvendo estratégias e políticas dirigidas a revalorizar a pluralidade étnica e a multiculturalidade das nações, com o fim de promover a plena participação dos povos indígenas e das minorias étnicas, apoiando, assim, os esforços de promoção e proteção dos direitos e liberdades fundamentais dos povos indígenas, assim como o direito a sua identidade e tradições e a nunca serem removidos, como povos, de suas terras, para que se assegure a propriedade intelectual coletiva, manter e desenvolver o seu patrimônio cultural e histórico.

Em seu pronunciamento, a Srª Eleane Karp, em Machu Picchu, observou, em sua expectativa, que poderá Alejandro Toledo tornar-se o décimo Pachacútec da modernidade, colaborando para que o Peru se transforme em uma terra de igualdade para todos os povos, seguindo, assim, uma tradição dos incas. Há expectativa de que poderia Toledo ser um inca, o décimo Pachacútec, que voltaria para realizar um governo tão positivo em suas ações quanto aconteceu durante o tempo dos incas, que constituíram uma das mais importantes civilizações da história da humanidade.

Quero transmitir, Presidente Lindberg Cury, a maravilhosa sensação de testemunhar, seja no Congresso Nacional, em Lima, seja em Machu Picchu, o que foi essa cerimônia tão significativa.

Lembro-me de, estudante no Colégio São Luís, aos 14 ou 15 anos, ter ficado muito entusiasmado quando o Professor de História Geral e do Brasil, Sílvio Barbieri, falou-nos, com extraordinária vibração, do que havia sido conhecer Machu Picchu. Em classe, relatou-nos que havia viajado de trem de Bauru à Bolívia e, de lá, subido as montanhas do Peru pelas terras mágicas e maravilhosas dos incas.

Sr. Presidente, Senador Lindberg Cury, se V. Exª já esteve na região, certamente concorda comigo: trata-se de um dos lugares mais belos do planeta Terra e que tem um significado muito especial.

Seguindo a tradição, povos indígenas presentearam o Presidente do Peru e pessoas dos diversos suios, dos quatro cantos do Peru, fizeram oferendas ao Presidente Alejandro Toledo, ao mesmo tempo em que um dos principais sacerdotes conduzia uma cerimônia. O grande antropólogo Aurelio Carmona Cruz explicou-nos que a cerimônia da queima do palo santo - a incineração de uma madeira cuja fumaça é levada pelo vento - tinha o propósito de limpar os espíritos de todos ali presentes. Tenho certeza de que, com esse estado de espírito, o Presidente Alejandro Toledo e os ministros da sua equipe terão condições de realizar um trabalho à altura da enorme esperança que o povo peruano nele hoje deposita.

É claro que precisamos estar atentos, tomar cuidado. Espero que o Presidente Alejandro Toledo não acabe sendo levado a ter um procedimento como o que hoje limita tanto as ações do Presidente Fernando de La Rúa, na Argentina, que acabou chamando um dos seus principais adversários na competição para se tornar o seu Ministro da Economia. Espero que ele tenha força suficiente para levar adiante os seus propósitos.

Quero informar que eu e o Deputado Aloysio Mercadante sugerimos ao Presidente Alejandro Toledo, nos nossos diálogos informais, e ele aceitou, que seja realizado, pela iniciativa de seu governo, no Peru, um simpósio internacional para o exame das diversas proposições visando ao combate à pobreza, que constitui um dos eixos básicos do seu governo, para que possam ser examinadas as diversas proposições, inclusive a garantia de uma renda básica como um direito à cidadania, como também outros programas. O Presidente Alejandro Toledo considerou bem-vinda essa sugestão.

Agradeço também ao embaixador do Brasil no Peru, José Viegas Filho, que nos deu toda a atenção durante o período em que lá estivemos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/08/2001 - Página 15186