Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEFESA DO FORTALECIMENTO DO PODER LEGISLATIVO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • DEFESA DO FORTALECIMENTO DO PODER LEGISLATIVO.
Aparteantes
Ademir Andrade.
Publicação
Publicação no DSF de 03/08/2001 - Página 15322
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • ANALISE, REPUTAÇÃO, SENADO, LEGISLATIVO, BRASIL, DESEQUILIBRIO, DEPENDENCIA, EXECUTIVO, ESPECIFICAÇÃO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CRITICA, IMPRENSA, EXTENSÃO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, SENADOR, EXPECTATIVA, RENOVAÇÃO, ELEIÇÕES.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há muitos anos, por volta de 1968, era eu um jovem Deputado Federal e, ainda sob os auspícios do Ato Institucional nº 5, pronunciei um discurso o qual intitulei Fortalecimento do Poder Legislativo.

Muitos anos decorridos, já aqui, no Senado, venho demonstrando, em companhia de outros Senadores, que o Parlamento é uma instituição que não goza da simpatia do povo brasileiro. Eu diria que não goza, que não desfruta de simpatia porque a cada dia ele se foi diminuindo, foi perdendo a sua grandeza, a ponto de, em determinada quadra, estar de joelhos perante o Poder Executivo.

Ainda há anos, após uma longa análise e debate demorado no seio da Comissão de Constituição e Justiça, ali se aprovava a regulamentação das medidas provisórias. Tomando-se como destino a Câmara, na forma regimental, ali ficou algum tempo, até que, hoje, os jornais registram que a Câmara dos Deputados está aprovando medidas que têm consonância com a ética. Entre elas se anuncia a aprovação da chamada regulação das medidas provisórias. Isso dá a impressão, Sr. Presidente, de que o Senado não vem desempenhando, como o faz, em verdade, o seu papel de Câmara Alta do País. E se pretende, portanto, deslocar o eixo político, que é desta Casa, para a Câmara, como se aqui, em virtude das lufadas que não são muito convenientes para a instituição, quando varre o seu nome sério, ficasse o Senado em posição subalterna; ora, quando esta Casa é conhecida exatamente como Câmara Revisora.

O que se vê, Sr. Presidente? Vê-se que, nesse recesso, os Parlamentares que estiveram nos seus respectivos Estados comprovaram que o Senado padece hoje de reprovação em todos os níveis.

Comenta-se, como se isso fosse um fato muito simples, que a cada instante um Senador é a bola da vez, como se fosse possível varrê-los, todos os oitenta e um Senadores, colocá-los no mesmo balaio de pessoas não sérias e, aí, enlamear, por via oblíqua, a instituição.

A primeira coisa que dizem os jornais, as rádios e os canais de televisão - quando querem fazer uma restrição o nível é total - é que todos os políticos brasileiros - nem sequer se registram as honrosas exceções - são pessoas que cultivam a improbidade. É de se lamentar.

Quem, ao longo da vida, sentiu o que venho sentindo, Sr. Presidente - fui Deputado Federal na casa dos 30, depois apunhalado pelas costas pelo Ato Institucional nº 5, que cassou o meu mandato e suspendeu os meus direitos políticos por dez anos, além de ter lugar como professor na Faculdade de Direito do Distrito Federal -, pode dizer que esses sacrifícios não são olhados em vão.

Como podemos querer contribuir para o fortalecimento do Poder se, a todo instante, ele se amesquinha e desce da sua condição de independência para ficar de joelhos, quando de pé se pode receber melhor o abraço do povo brasileiro? Como é possível, Sr. Presidente, em determinada quadra da vida, pensar-se que há outro Poder mais legítimo do que este? Como alguém vislumbra que Executivo e Judiciário não podem ter suas portas abertas, como estão as nossas? Aqui ressoam todas as angústias populares; os clamores vêm para cá e todas as portas estão abertas para o julgamento e a análise do povo brasileiro. No entanto, quando deveria ser o primeiro a gozar dessa intimidade de julgamento, quando nada afetivo pelo menos correto, o Parlamento decai.

Agora, Sr. Presidente, nota-se esse avanço das medidas provisórias, que deveriam ter sido extirpadas da Constituição, porque quando ali as colocamos, o fizemos com a aprovação do sistema parlamentarista de Governo, uma vez que elas não podem conviver com o sistema presidencialista.

Hoje, o Senado está na ordem do dia e os jornais apenas dizem que se vai reunir o Conselho de Ética, sem que ninguém dê conta de que isso não tem como condão resolver o problema da fome que assola o País; do enriquecimento, a cada dia maior, do sistema bancário, sobretudo dos banqueiros, que têm lucros fabulosos; que não é essa perseguição ao Senado, transformando-o na bola da vez, que vai resolver o problema do desemprego.

Aí está o país vizinho, Sr. Presidente, a ameaçar o nosso, e, no entanto, não se tem pelo Legislativo o amor que se precisava ter, porque é dele que se tem a certeza de que a democracia está funcionando. Poder Legislativo fechado é sinal de que a ditadura está agindo em forma, não branda, mas co-arquitando, agrilhoando os direitos políticos do povo brasileiro.

O Sr. Ademir Andrade (PSB - PA) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Ademir Andrade, que foi meu colega na Assembléia Nacional Constituinte, onde tanto lutamos para que houvesse uma independência maior do Legislativo, sem que se perdesse a sua harmonia.

O Sr. Ademir Andrade (PSB - PA) - Senador Bernardo Cabral, V. Exª, como sempre brilhante, aborda um tema da maior importância, que é o sentimento do povo a respeito do nosso Parlamento.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Obrigado.

O Sr. Ademir Andrade (PSB - PA) - Eu não chegaria a tanto. Em qualquer país civilizado, o Parlamento é, de fato, o mais importante de todos os Poderes, e o deveria ser também no Brasil, porque, afinal, somos os responsáveis pelas leis que ditam as normas pelas quais o Executivo deve administrar o dinheiro público, arrecadando-o e aplicando-o em benefício do povo. Somos nós que fazemos as leis pelas quais os juízes - ou seja, o Poder Judiciário - interpretam e julgam as pessoas e os erros da sociedade. No Parlamentarismo, é o próprio Executivo que escolhe o primeiro ministro. Então, na verdade, o Poder mais importante entre todos os Poderes, o mais representativo e aberto, o que vive mais próximo do povo é, de fato, o Legislativo. No entanto, no Brasil, vivemos um atraso da compreensão política da sociedade. O Parlamentar, hoje, é associado a alguém que deve construir ponte, estrada, posto médico, enfim, que precisa fazer obras. Nos países onde a compreensão política da população é maior do que a da sociedade brasileira, que associa o Parlamentar ao Executivo, ele é visto como tendo outro tipo de obrigação. Esse talvez seja o nosso grande erro, Senador Bernardo Cabral. Muitos Parlamentares brasileiros, pensando na sua eleição ou reeleição, atrelam-se, submetem-se e deixam-se dominar e comandar pelo Governo. Passam a ser seus empregados, votando de acordo com as decisões do Executivo, pois, do contrário, não receberão órgãos para administrar nas suas bases e, consequentemente, encontrarão dificuldades para ganhar as eleições. Esse é um atraso político que precisa ser corrigido. O Parlamento brasileiro é absolutamente submisso e a maioria dos seus integrantes não se lembram dos compromissos que têm e dos votos que receberam, acreditando que podem continuar ganhando-os se tiverem uma Sudam, Sudene, Suframa, um Incra, DNER nas ou cargo do INSS para comandar, fazendo a sua política pessoal em cada Estado. Esse compromisso, esse fisiologismo entre os Poderes, torna o Legislativo brasileiro absolutamente sem independência e submisso ao Poder Executivo, não encontrando solução para nada. O Executivo que temos é incompetente e está levando o País ao caos, a uma dívida astronômica e impagável, está sacrificando o povo brasileiro, o nosso desenvolvimento e crescimento econômico, em função dos compromissos externos e internos. Como lembra V. Exª, na Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada recentemente, prevêem-se R$31,5 bilhões de superávit para o próximo ano, o que não é suficiente nem para o pagamento de 30% dos juros da dívida pública interna. Mais R$70 milhões vão-se acumular nessa dívida astronômica, que já está chegando à casa de 60% do PIB. O Parlamento, que poderia mudar isso, não o fez, porque o Sr. Malan bateu na mesa e Senadores como os Srs. Carlos Bezerra e Inocêncio Oliveira, antes contrários, voltaram atrás, permitindo que o Orçamento fosse aprovado como o Governo queria. O Brasil está num caminho pior do que o da Argentina, Senador Bernardo Cabral. Que ninguém se iluda, pois o Brasil já fez tudo o que a Argentina fez e vendeu tudo o que possuía. Todo o sistema estatal foi dado de graça. No Brasil, só falta venderem-se as geradoras de energia. Tudo que se vendeu não serviu para nada, porque a dívida pública interna subiu de R$54 para cerca de R$600. Lamentavelmente, talvez este Parlamento não esteja sendo respeitado e bem visto pelo povo brasileiro porque não se impõe. Os Prefeitos de todo o Brasil se reuniram com uma pauta belíssima para resolver os problemas dos Municípios, mas onde estavam os Parlamentares para atender os pedidos que fizeram? Quem manda aqui são os Srs. Malan e Armínio Fraga. Talvez seja por isso que não mereçamos a consideração do povo brasileiro nesse aspecto. Esse é, de fato, o poder representativo. Infelizmente, por essa distorção política, por essa incompreensão da própria sociedade e pela dificuldade que o parlamentar governista encontra para se reeleger, ele se valha de cargos no Governo para fazer a sua própria política e, com isso, submete-se às determinações do Executivo. Mas tenho fé de que um dia as coisas irão melhorar. A cada dia, o povo brasileiro está mais consciente da importância do partido político e do parlamentar. Espero que consigamos corrigir os nossos erros para nos tornarmos, em breve, a grande Nação que merecemos ser. Temos tudo para isso, já que somos uma das Nações mais privilegiadas do mundo. Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Ademir Andrade, ainda bem que V. Exª espera. Não arquive as suas esperanças. Acho que V. Exª faz bem, a esperança não pode ser uma frágil aspiração em trânsito para o desencanto. É por essa razão que aqui estou. Após a análise feita por V. Exª, apenas restou um pouco para mim - e nisso V. Exª foi gentil, não quis esgotar o assunto. Refiro-me ao ponto principal do Legislativo: a fiscalização. Este é o preceito constitucional que o Legislativo abdica, quando deveria fazê-lo em primeiro lugar já que é um postulado da Lei Maior: exercer a sua principal função, que é a de fiscalizar o Executivo.

Veja V. Exª: quando digo que o Poder Legislativo decai em quaisquer que sejam as pesquisas que se verifiquem país afora é exatamente porque ele, que deveria ser o líder dos partidos, exercita uma omissão - e nenhuma liderança se afirma pela omissão -, quando, em verdade, aqui desta tribuna poder-se-iam apontar caminhos e indicar soluções.

Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Ademir Andrade, que, sendo um dos Líderes da Oposição, faz, como sempre, sua análise candente em torno do Governo, mas coadunada no sentido de colaborar para que possamos ter, aqui, dias melhores, na esperança a que V. Exª acaba de se referir.

Sr. Presidente, ao final deste modesto pronunciamento, quero mostrar que o caminho para se ter um Parlamento sério, ético e decente não será apenas pensando que a melhoria dele se revela por meio de cursos superiores. Há pessoas que têm o diploma da universidade da vida e são competentes para exercer tanto um mandato quanto uma chefia do Poder Executivo. O que deve prevalecer, isto sim, é a dignidade pessoal, a ética de cada um e a responsabilidade no trato da coisa pública. Posso asseverar a este Senado que as próximas eleições indicarão um caminho. Ai daquele que esteja padecendo de vícios de origem, cuja honestidade não esteja à flor da pele, porque o povo vai bani-lo do mapa político do País!

Sr. Presidente, quero, como integrante do Poder Legislativo, render a ele minhas homenagens. Penso que esta Instituição deveria merecer um pouco mais de respeito, que a generalidade não deveria recair sobre ela na análise que alguns fazem, no julgamento que outros realizam, tentando obstruir a sua função. Parlamento é sinônimo de liberdade política. Parlamento é sinônimo de que a democracia funciona. Parlamento fechado - repito - é sinal de que a ditadura está florescendo no País. Praza aos céus que daqui a mais algum tempo, passada essa caça às bruxas, poderemos separar o joio do trigo, para que não se generalizem todos no mesmo julgamento! Praza aos céus, Sr. Presidente!

Agora sou eu que espero não arquivar as minhas esperanças.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/08/2001 - Página 15322