Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESEMPENHO ECONOMICO BRASILEIRO, POR OCASIÃO DO SETIMO ANIVERSARIO DO PLANO REAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESEMPENHO ECONOMICO BRASILEIRO, POR OCASIÃO DO SETIMO ANIVERSARIO DO PLANO REAL.
Publicação
Publicação no DSF de 03/08/2001 - Página 15328
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • RETIFICAÇÃO, PUBLICAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INEXATIDÃO, AVALIAÇÃO, PLANO, REAL, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, AUSENCIA, MELHORIA, CRESCIMENTO ECONOMICO, EMPREGO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, REGISTRO, DADOS, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, POLITICA CAMBIAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Valadares; Srªs e Srs. Senadores, quero destacar hoje alguns pontos não considerados na publicação oficial da Presidência da República a respeito do sétimo aniversário do Plano Real. Refiro-me à publicação que foi divulgada pelos diversos órgãos de imprensa, denominada Sete Anos do Real: Estabilidade, Crescimento e Desenvolvimento Social.

Nessa obra, não foi mencionada, por exemplo, a pesada herança financeira do programa de estabilização e a sua incapacidade de gerar resultados palpáveis em termos de crescimento econômico sustentado, emprego e distribuição da renda.

Em verdade, podemos constatar na referida publicação que diversos aspectos deixaram de ser suficientemente considerados. Por isso, hoje quero destacá-los.

No que diz respeito às finanças públicas, o ajustamento fiscal prometido desde 1993/1994 só começa a se efetivar em fins de 1998, já no contexto do programa com o Fundo Monetário Internacional. Houve grande expansão do endividamento do setor público desde 1994. A dívida mobiliária federal (exclusive títulos mantidos em carteira pelo Banco Central) subiu de R$62 bilhões, em dezembro de 1994, para nada menos do que R$562 bilhões, em maio de 2001. Ressalto, Sr. Presidente, que, dessa forma, tal dívida cresceu quase 10 vezes. E continuou crescendo em maio e em junho por força da recém-anunciada operação de saneamento dos bancos federais, da alta taxa básica de juros e da desvalorização cambial.

A dívida líquida do setor público como um todo, incluindo a União, os Estados, os Municípios e as empresas estatais, que era inferior a 30% do Produto Interno Bruto em fins de 1994, alcançou 52% do PIB em abril último. A maior parte da dívida pública é interna, de custo elevado e prazo relativamente curto. Os papéis pós-fixados, com remuneração referenciada à taxa de juros de curto prazo, e os papéis cambiais, indexados à variação da taxa de câmbio, respondem por cerca de 75% do total da dívida mobiliária federal em mercado. Cerca de 40% da dívida mobiliária federal existente em fins de maio tinha vencimento nos 12 meses subseqüentes. A dívida indexada ao câmbio mais a dívida externa pública correspondem a aproximadamente 45% da dívida líquida do setor público consolidado. Em suma, a situação financeira do setor público tornou-se mais frágil nos anos recentes.

No que diz respeito às contas externas, há aqui o legado mais problemático do Plano Real, em termos macrofinanceiros. Os desequilíbrios registrados desde 1994 resultaram basicamente da prolongada sobrevalorização cambial, de meados de 1994 até janeiro de 1999, e de uma abertura pouco criteriosa do mercado interno às importações. O passivo externo líquido cresceu e continua crescendo em ritmo elevado. Não há dados oficiais sobre o estoque do passivo externo líquido do País, mas é possível estimar o seu crescimento a partir dos déficits acumulados no balanço de pagamentos em conta corrente, uma vez que o financiamento desses déficits implicam seja o aumento do passivo externo bruto do País (dívida externa, estoque de investimentos diretos e outros), seja a diminuição dos ativos externos do País (reservas internacionais e outros). Medido pelos déficits acumulados no balanço de pagamentos em conta corrente, o aumento do passivo externo líquido do Brasil foi de US$155 bilhões entre 1995 e 2000. A desvalorização cambial de 1999 conseguiu apenas reduzir a taxa de crescimento do passivo externo líquido do País, isto é, o tamanho do déficit em conta corrente.

Em conseqüência desse grande aumento do endividamento, cresceu o volume de pagamentos ao capital estrangeiro. As despesas líquidas de juros da dívida externa, por exemplo, subiram de US$6,3 bilhões, em 1994, para US$15,1 bilhões, em 2000; as amortizações, de US$11 bilhões de dólares, em 1994, para US$28,2 bilhões, em 2000.

Assim, o desequilíbrio externo assumiu, em certa medida, um caráter estrutural. O longo período de sobrevalorização cambial desarticulou parcialmente os setores que produzem bens e serviços exportáveis ou que concorrem com importações no mercado doméstico. A mudança cambial de 1999 alterou o cenário, provocando a reação desses setores a partir de 2000, mas os resultados ainda são insuficientes, o que deixa a economia vulnerável a choques externos, como se vê no caso da grave crise argentina neste ano de 2001.

A própria composição da conta corrente do balanço de pagamentos torna difícil a diminuição do seu desequilíbrio, isso porque mais de três quartos do déficit em conta corrente correspondem a despesas com o capital estrangeiro aplicado no País (juros, lucros, dividendos e outros serviços fatores). Em 2000, essas despesas chegaram a nada menos do que US$20,5 bilhões em termos líquidos. Naturalmente, esses compromissos aumentarão ao longo dos próximos anos, uma vez que a persistência de déficits altos em conta corrente produz aumentos adicionais no passivo externo líquido do País.

No que diz respeito ao crescimento, geração de empregos e distribuição da renda, observamos como muito insatisfatórios os avanços nos últimos sete anos. Em grande medida por causa da herança financeira acumulada, o Plano Real não conseguiu gerar condições para a retomada sustentada do crescimento. Além disso, em 2001, a crise energética revelou a tremenda regressão ocorrida em termos de planejamento econômico e suprimento de um insumo básico para a atividade econômica. Não houve, desde 1994, crescimento sustentado da economia, apenas surtos breves de expansão, notadamente no início do Plano, de meados de 1994 até março de 1995. As taxas de desemprego bateram recordes históricos no final da década de 90, caíram depois da crise de 1997/1999, mas permaneceram elevadas. Voltaram a aumentar com a desaceleração da economia em 2001. A promessa de que a estabilização da moeda melhoraria a distribuição de renda de modo significativo não se confirmou.

Recordemos, Sr. Presidente, que a tese oficial chegou a ser, em alguns momentos, a de que o combate à inflação constituía-se a melhor política social. A inflação despencou - isso nós reconhecemos -, mas os indicadores do Brasil em termos de distribuição de renda continuam a ser os piores do mundo. Basta ressaltar que, no último Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001, o Brasil, entre mais de 100 países para os quais foram publicados dados disponíveis, encontra-se em posição que nada nos honra, pois estamos com um Índice de Gini da ordem de 60, ficando atrás apenas de Serra Leoa, cujo Índice de Gini é de 62,9, e da República Centro-Africana, cujo Índice de Gini é de 61,3.

Nesse relatório do Banco Mundial, os dados do coeficiente Gini referem-se, para o Brasil, a 1996; para Serra Leoa, a 1989; e, para a República Centro-Africana, a 1993. Esse coeficiente, que obviamente diz respeito a dados encaminhados pelo IBGE ao Banco Mundial, é indicador de que aqueles que estão no decil inferior da distribuição da renda recebiam 0,9%; no quintil inferior, 2,5%; no segundo quintil, 5,5%; no terceiro quintil, 10%; no quarto quintil, 18,3%; no quintil superior, 63,8%. Observando o decil superior, verificaremos que os 10% mais ricos no País estavam obtendo 47,6% da renda nacional, caracterizando-se o Brasil, portanto, por ter uma das concentrações de renda mais acentuadas em todo o mundo.

Se levarmos em conta o último relatório sobre o desenvolvimento humano publicado pela ONU, vamos observar que o Brasil, com o coeficiente Gini de 59,1%, referente ao ano de 1997, encontra-se também entre os quatro países com pior concentração de renda e de riqueza. Se considerarmos aqueles que têm coeficiente pior, verificaremos que há apenas três outros países com coeficiente Gini pior que o brasileiro. E, se compararmos os anos de 1996 e 1997 com os anos de 2000 e 2001, observaremos que as medidas adotadas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso ainda são muito insuficientes para reverter um quadro de distribuição de renda que em nada nos honra.

Sr. Presidente, tenho a convicção de que, para as eleições de 2002, a questão da realização da justiça, que o Governo atual tanto deixou de atacar, constituir-se-á a principal meta, ou seja, é preciso que o Governo brasileiro, que o Poder Executivo e o Congresso Nacional se voltem para o objetivo de construir uma sociedade justa no Brasil, com instrumentos de política econômica que deixem longe esse quadro de tamanha desigualdade, que obviamente resulta em não serem resolvidos adequadamente os problemas da pobreza, da fome e do emprego em nosso País.

Sr. Presidente, avaliamos que se faz necessário não destacar apenas os aspectos róseos registrados no relatório da Presidência da República sobre os sete anos de vigência do Plano Real, mas trazer à tona dados que mostram a realidade mais de perto, enfim, os pontos que o relatório oficial não destacou.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/08/2001 - Página 15328