Pronunciamento de Ney Suassuna em 02/08/2001
Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
PREOCUPAÇÃO COM OS PREJUIZOS RESULTANTES DA GREVE DAS POLICIA CIVIL E MILITAR NO PAIS.
- Autor
- Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Ney Robinson Suassuna
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SEGURANÇA PUBLICA.:
- PREOCUPAÇÃO COM OS PREJUIZOS RESULTANTES DA GREVE DAS POLICIA CIVIL E MILITAR NO PAIS.
- Aparteantes
- Luiz Otavio.
- Publicação
- Publicação no DSF de 03/08/2001 - Página 15369
- Assunto
- Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
- Indexação
-
- APREENSÃO, ORADOR, SITUAÇÃO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, GREVE, POLICIA CIVIL, POLICIA MILITAR, PAIS, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SETOR, OBRIGATORIEDADE, MANUTENÇÃO, ORDEM PUBLICA.
- CRITICA, FALENCIA, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, NATUREZA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, REDUÇÃO, DESEMPREGO, DEMORA, ATUAÇÃO, JUSTIÇA, PUNIÇÃO, INFRATOR, PROVOCAÇÃO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, BRASIL.
- CRITICA, FALTA, AUTORIDADE, COMANDO, GOVERNADOR, ESTADOS, CONTENÇÃO, MOTIM, GREVE, POLICIAL.
- DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, CONGRESSO NACIONAL, DEBATE, SITUAÇÃO, POLICIA CIVIL, POLICIA MILITAR, OBRIGATORIEDADE, MANUTENÇÃO, ORDEM PUBLICA, PROTEÇÃO, POPULAÇÃO.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por várias vezes ocupei esta tribuna para dizer do meu apreço pelos policiais deste País. Exercer essa função não é fácil. O policial sai de casa, com seu instrumento de trabalho: uma arma de fogo, seja ela uma AR-15, uma 12 ou um 38, para enfrentar inimigos da sociedade que, com certeza, estão em melhores condições que eles, pois estão mais bem armados; e ainda há o elemento surpresa. Assim é a vida desses profissionais: saem sem saber se voltam para a casa.
Quando o policial sai para o trabalho, sua mulher, provavelmente, fica rezando, pedindo ao seu santo de devoção para que o marido volte.
Não é à-toa que há tantos desvios psicológicos nas forças policiais, que o índice de desequilibrados é grande, tudo isso devido à pressão, ao temor, à tensão permanente em que vivem, principalmente num país complicado como está o nosso - no mundo todo é complicado, mas no nosso tem sido um pouco mais.
E, de repente, surgiu a proposta de mudança: acabar com os tribunais militares, sendo o policial julgado na Justiça comum e, se fosse o caso, detido junto daqueles que ele mesmo prendeu.
Vim muitas vezes a esta tribuna protestar, hipotecar a minha solidariedade e falar do meu apoio às Polícias de todo o Brasil. Recebi muitas condecorações das várias corporações militares, de São Paulo à Paraíba, e a minha admiração continua a existir.
Os policiais, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são funcionários públicos que oferecem muito à sociedade, oferecem o maior patrimônio que um ser humano ou um ser vivo pode ter: a sua vida.
Mas, lamentavelmente, têm ocorrido fatos muito sérios. Estarrecida, a população assistiu às ameaçadoras greves dos policiais em todo o País e pergunta-se: onde está o quinto dedo da campanha do Presidente, que representava a segurança? Será que foi amputado? O que aconteceu com a segurança neste País? Havia cinco metas a serem seguidas e a extinção da violência era uma delas. Mas temos assistido ao crescimento da violência, desordem, greves, desrespeito à lei, ocorrendo inclusive nas áreas que tinham obrigação de preservá-la.
A greve das Polícias Militar e Civil constitui uma ruptura do contrato social entre o Governo e população. O movimento se alastrou por todo o País, num efeito dominó. Da Bahia passou para mais uma dezena de Estados. Com um pouco de sorte e contando com a incompetência governamental, esses policiais, se continuarem dessa forma, conseguirão paralisar praticamente todo o esquema de segurança montado nos Estados brasileiros.
O crescimento da violência deve-se, com toda certeza, à falência governamental também. Como não se atinge o social como deveria, como não há empregos como deveria, como o sistema na área judicial não está funcionando, a Justiça é lenta, como não se vêem exemplos de punição, vê-se um crescimento da violência no nosso País.
A Bahia sofreu saques, assaltos, arrastões, assassinatos, por causa da greve das Polícias Militar e Civil. Nesse momento, o nosso Ministro da Justiça, que por infelicidade estava em Nova Iorque, disse que o assunto não era federal, e sim estadual. É incrível, mas a Federação só é ressuscitada - porque tudo o Governo Federal puxa para ele - quando o assunto não serve.
Os prejuízos materiais e morais na Bahia foram incalculáveis. Cerca de 600 pacotes turísticos foram cancelados; o comércio perdeu R$10 milhões com os saques; o Governo deixou de arrecadar R$2 milhões de impostos; 45 pessoas foram mortas; mais de 100 foram baleadas; carros foram roubados e a população que ficou nas mãos de assaltantes e saqueadores, até hoje, não se refez do pânico que viveu.
Talvez a nossa política econômica deva ser repensada. Será que está certo cumprirmos tão à risca os itens do FMI? Sei que a estabilidade econômica é importante, mas será que a estabilidade social também não é? Será que os Governadores podem ficar à mercê da Lei de Responsabilidade Fiscal, que, de uma forma ditatorial, obriga-os a ficarem manietados sem poder sequer cumprir alguns itens que trariam tranqüilidade social?
Mal paga, com policiais em permanente tensão, sem sequer saberem se voltam para casa, a Polícia é mais que necessária, mas, por mais que haja tensão, não se justifica ver policiais encapuzados. Quem coloca capuz para usar arma de fogo é bandido, não é polícia. Choquei-me quando vi, nos telhados dos quartéis, policiais armados com AR-15, com 12, com revólveres, todos encapuzados. O que passa pela cabeça da população? Meu Deus, o que vou fazer? A quem recorrer? A polícia, a quem cabe cuidar da minha segurança, está ali encapuzada como se bandido fosse.
Sempre tivemos em nossa mente a diferença entre o bem e o mal, entre a escuridão e a luz e, de repente, nesse enredo, não sabemos quem é bandido e quem é mocinho. Tenho estado muito preocupado com essa situação.
Dois assuntos têm-me preocupado bastante. Um deles é a seca no meu Nordeste, a situação calamitosa em que estamos vivendo. Em relação a esse assunto, levamos ontem uma pancada fortíssima: a Presidência da República declarou que a transposição das águas do rio São Francisco não ocorrerá a curto prazo. Para quem está lá morrendo de fome, tiraram a esperança, pelo menos a médio e curto prazos.
O outro assunto é a segurança, em relação ao qual observo que a Constituição Federal não tem sido seguida. O art. 9º garante o direito de greve a algumas categorias. As Forças Armadas não têm direito à greve e as Polícias, por serem forças complementares, também não o têm. A greve ocorrida na Bahia, em decorrência da qual morreram 45 pessoas, milhões de reais deixaram de ser arrecadados e R$10 milhões foram pagos pelos comerciantes em função dos saques, sem ter a quem recorrer, faz com que a população grite, clame para que as Forças Armadas voltem a criar as inspetorias. Será esse o caminho certo?
O Congresso Nacional precisa urgentemente debater este assunto; não podemos esperar mais. O que fazer para que as Polícias voltem a cumprir o seu papel? Continuo afirmando que sou um admirador dos policiais, mas não podemos deixar, de maneira nenhuma, que as coisas degringolem. Há um compromisso do Governo com a população. O Governo existe para fazer cumprir os seus deveres. E estamos vendo que, lamentavelmente, os Governadores estão tornando-se impotentes para cumprir com essas obrigações.
Todos esses fatos que estou citando aqui, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, demonstram a falta de autoridade dos comandos e até mesmo dos Governadores. Policiais baianos foram filmados em telhados de quartéis militares fortemente armados e encapuzados, mirando a população, em uma dolorosa repetição de cenas de rebelião nos presídios. Policiais usam armas para proteger a população, não para agredi-la.
Tenho um projeto tramitando nesta Casa em que se diz que um policial que assalta - e isso vem ocorrendo em todos os Estados - tem que ter pena dupla, porque a sociedade o paga para protegê-la. Como, então, um policial pode passar a assaltar a sociedade? Todos estamos vendo, Srªs e Srs. Senadores, que a audácia dos policiais de São Paulo, do Paraná chegou a um ponto em que estão sendo ministrados treinamentos especiais para suas esposas, de forma que aprendam a invadir ou bloquear a entrada das companhias e batalhões de polícia. É uma coisa surrealista: mulheres estranhas à profissão, que não são policiais, participando ativamente da rebelião.
Essas lamentáveis cenas demonstram a fraqueza do sistema político brasileiro e acenam com sinais de uma possível rebelião civil. O Governo Federal cogita em editar uma medida provisória dando prerrogativas às Forças Armadas em caso de motim armado ou criando uma guarda nacional ou, ainda, unificando as Polícias. Vem, no entanto, encontrando algumas resistências, mas temos que debater este assunto a curto prazo, Srªs e Srs. Senadores, e encontrar as soluções. A sociedade não pode ficar manietada olhando o que está acontecendo.
O Sr. Luiz Otávio (Sem Partido - PA) - Permite-me um aparte, Senador Ney Suassuna?
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Ouço V. Exª com prazer.
O Sr. Luiz Otávio (Sem Partido - PA) - Senador Ney Suassuna, V. Exª traz um assunto da maior importância não só para o Brasil, mas também para o Senado Federal. Tenho certeza de que este momento que vivemos hoje, no Brasil, poderia ser bastante reduzido se começássemos a utilizar, em primeiro lugar, os recursos do Fundo Nacional da Segurança. Na verdade, o Presidente Fernando Henrique fez a sua parte quando criou o Fundo. Ocorre que os recursos estão seguros, presos, trancados no Ministério de Orçamento e Gestão. E da parte do Ministro Martus Tavares não há uma vontade de utilizá-los. Sabemos que, recentemente, o Ministro José Gregori disse que as Polícias militar e civil são uma questão estadual. Mas sabemos também que existem recursos no Fundo, pois houve superávit primário no mês de julho passado muito acima da expectativa, da projeção, do compromisso do Governo brasileiro com o Fundo Monetário Internacional, acima de R$9 bilhões, e por que não liberá-los custear essas Polícias militares com equipamentos, uniformes, combustível, viaturas? Todos sabemos que os recursos são liberados apenas para a aquisição de equipamentos, não para a sua manutenção. Todos sabemos também que não se pode liberar os recursos para os salários, que é a grande reivindicação dos policiais. Mas por que não liberá-los para o custeio das despesas das Polícias militares, permitindo, assim, que os Estados entrem com a sua parte no que se refere aos salários? No caso de Brasília, por exemplo, a União, o Governo Federal paga os salários dos policiais. Ou seja, a União repassa esses recursos ao Governo do Distrito Federal, que fica apenas com a manutenção, com o custeio da operação. Os outros Estados não têm essa condição, até por uma questão constitucional, mas podemos realmente resolver o problema agora, de imediato, e aí sim procurar criar a força nacional, utilizando as próprias Polícias militares, o efetivo que se destaca na área de operações, como é a proposta de todos os comandantes das Polícias militares que estiveram reunidos ontem aqui em Brasília. Eles são contra a medida provisória que daria condições para que as Forças Armadas tivessem poder de polícia. Acredito que isso possa ser negociado, desde que também se encerre esse movimento articulado das greves das Polícias militar e civil, que se direciona hoje totalmente para a questão política. É esse o aparte que gostaria de fazer ao pronunciamento de V. Exª.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Senador Luiz Otávio, agradeço a participação de V. Exª. Realmente, esse seria um caminho, mas diria que a parte financeira não é tudo. Trata-se de uma parte substancial e importante, mas algo está errado no sistema. Não tínhamos isso antigamente, e os salários não eram tão diferenciados com relação aos de hoje.
Precisamos ter a parte financeira sim, Senador Luiz Otávio, mas acredito que esteja faltando, principalmente, a exemplificação daqueles que quebram a disciplina. Um policial em Nova Iorque, hoje, está ganhando em torno de US$4,5 mil - não temos condição de pagar isso - mas o custo de vida lá é cinco vezes mais caro. Talvez pudéssemos pagar a quinta parte disso, não sei. Mas a verdade é que os policiais são mal pagos e o seu papel é primordial, reconheço isso, inclusive tenho pela Polícia uma profunda admiração. Temos a necessidade de policiais treinados e educados para defender a sociedade, inclusive devemos fornecer-lhes os meios, concordo com isso. No entanto, não posso concordar que nós, a sociedade, os brasileiros, vejamos um policial com uma máscara, com uma arma, que deveria estar sendo usada para a nossa defesa, sendo usada contra nós. É preciso que se discuta e se encontrem as soluções; é preciso que haja parâmetros para que as coisas possam caminhar dentro deles.
A onda de violência e a desmoralização completa do sistema disciplinar não podem continuar. Não sei como agir. Creio que nem os comandantes, nem os Governadores, nem o Presidente da República. Temos, portanto, que criar um fórum urgente para debater e encontrar as melhores soluções. O que não pode é continuarmos enviando para o mundo globalizado as imagens de policiais que parecem bandidos.
Como é que podemos incentivar o turismo dessa forma? Não podemos vender para o mundo a imagem de uma sociedade impotente, incapaz de manter disciplina entre seus policiais, uma sociedade que não sabe quando a luz vai faltar, uma sociedade onde a população paga duplamente: paga a Polícia e paga a força privada. Hoje estamos assim.
No Rio de Janeiro, por exemplo, podemos ver ruas com portões e seus seguranças privados. Quer dizer, o cidadão está pagando duas vezes: por uma segurança que não recebe e por uma outra segurança privada para ter segurança. Isso está errado! Isso não pode continuar acontecendo! Temos que ter coragem de tomarmos as decisões, temos que exemplificar.
Ainda ontem um jornalista do meu Estado me perguntou o que poderia ser feito, já que os moradores de algumas ruas de João Pessoa também começaram a contratar segurança privada. Daqui a pouco teremos mais guardas privados do que a própria Polícia. Aliás, já temos. Mas o que é pior é que o policial que deveria estar cumprindo com o seu dever, está fazendo bico, trabalhando para a companhia privada, garantindo a segurança para os cidadãos que não a estão tendo.
Algo está errado. E essa é a razão que me trouxe à tribuna. Precisamos, rápida e urgentemente, discutir esses assuntos e encontrar soluções.
Meu respeito a todos os policiais deste País, mas a minha tristeza com aqueles que não cumpriram e que vilipendiaram as forças militares quando se comportaram como bandidos. O protesto é válido, mas até o limite em que deixa de ser protesto e passa a ser um desafio, e um desafio pernicioso que pode terminar em um outro golpe, em uma outra época de escuridão, em uma outra época sem democracia. Não conheço nenhum regime melhor que a democracia, mas ela, em excesso, pode gerar anticorpos, ou seja, o seu cerceamento. Acho que nós estamos passando dos limites.
Era essa a razão da minha fala de hoje. Desejo também pedir a todos os companheiros que promovam o debate. Não podemos mais ver quadros como os que vimos na greve da polícia da Bahia. Mas isso não ocorreu só na Bahia. Ocorreu em inúmeros Estados. Nós precisamos encontrar soluções. Somos mais de 170 milhões de pessoas e a 8ª economia do mundo; não podemos, de maneira nenhuma, passar recibo ao mundo globalizado de que somos incompetentes, de que somos incapazes, de que não somos dignos de ter uma sociedade que se diga civilizada.
Vi, estarrecido, todos aqueles quadros. Por isso ocupei a tribuna, exatamente para dizer que precisamos debater o assunto urgentemente. Na próxima semana devo apresentar um dos projetos, ou em uma comissão ou no próprio plenário, para que possamos encontrar uma forma de aprofundar esse debate e apresentar soluções à sociedade. Isso é, no mínimo, o que a população espera de nós, os seus representes Parlamentares.
Muito obrigado.