Discurso durante a 85ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

INEFICACIA DAS POLITICAS GOVERNAMENTAIS VOLTADA A MINORAR OS EFEITOS DA SECA NO NORDESTE.

Autor
Carlos Wilson (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Carlos Wilson Rocha de Queiroz Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • INEFICACIA DAS POLITICAS GOVERNAMENTAIS VOLTADA A MINORAR OS EFEITOS DA SECA NO NORDESTE.
Publicação
Publicação no DSF de 04/08/2001 - Página 15451
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, OMISSÃO, SITUAÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • ANALISE, GRAVIDADE, SECA, REGIÃO NORDESTE, DESTRUIÇÃO, AGRICULTURA, PREJUIZO, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, PERDA, RECURSOS, INEFICACIA, PROJETO, ABANDONO, AÇUDE, AUSENCIA, PROPOSTA, ALTERNATIVA, SOLUÇÃO, SITUAÇÃO, SECA.

O SR. CARLOS WILSON (Bloco/PPS - PE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho de novo a esta tribuna para mais uma vez tratar da seca do Nordeste. E mais uma vez sem que o governo tenha se mobilizado para a tarefa de superar o sofrimento daqueles brasileiros.

Não se trata de alarmismo, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores. Mas, a impressão que tive ao percorrer o sertão do meu Estado em julho foi a de que o relógio parou no tempo.

Ainda são vivas as imagens de mulas transportando água potável por quilômetros, de lavouras destruídas, de mais uma geração de nordestinos condenados à miséria e à sobrevivência.

A elas se somam novas imagens, que mais parecem fruto de um pesadelo interminável. De uma visão de terror. Refiro-me ao desperdício de recursos que marca o ir e vir de inúmeras políticas governamentais de pretenso ataque aos males da seca. São muitos os açudes abandonados com a extinção do DNOCS. A maioria abaixo do nível de utilização, outros irremediavelmente comprometidos pela falta de manutenção.

Um dos maiores açudes do Nordeste, o de Boa Vista, localizado no município de Salgueiro, por exemplo, foi inaugurado pelo presidente Juscelino Kubistchek em 1958 para abrigar mais de 17 milhões de litros de água. O perímetro irrigado possui mais de 60 quilômetros de canaletas para transportar água a diversas lavouras. Um investimento de vulto completamente perdido. Para se ter uma idéia, no local onde deveria funcionar o sangradouro do açude, a população improvisou um campo de futebol.

Será possível que a engenharia nacional, que a tecnologia brasileira não possua uma alternativa para situação tão dramática. É claro que falta vontade política. O açude de Boa Viagem acumula hoje pouco mais de 500 mil litros, insuficientes para alcançar os limites de vazão que permitiria a distribuição da água.

São inúmeros os açudes completamente secos ou sem qualquer possibilidade de utilização, com as águas salinizadas pela incúria dos antigos administradores do DNOCS que simplesmente abandonaram seus postos e largaram máquinas e veículos.

A tudo o governo federal e estadual assistiram impávidos.

A situação em Salgueiro é gravíssima, como em todo o sertão nordestino. Eis alguns dados de mais uma tragédia que envolve os brasileiros daquela região:

·     Cerca de 85% das lavouras de milho estão perdidas;

·     Cerca de 90% das lavouras de feijão perdidas;

·     A totalidade das lavouras de arroz de sequeiro, perdidas;

·     Mais de 70% das pastagens artificiais, perdidas;

·     Mais de 80% das pastagens nativas, perdidas;

·     Os reservatórios de água apresentam níveis inferiores a 10% de sua capacidade.

            Repito que me reporto à situação de Salgueiro, no meu estado, Pernambuco. Mas, a situação é a mesma, no Ceará, no Piauí, na Paraíba, no Rio Grande do Norte, em Alagoas, Sergipe e até na Bahia e no Norte de Minas Gerais. Os números da tragédia podem variar levemente para pior ou para menos ruim, mas o cenário é o mesmo. São 40 milhões de brasileiros abandonados, alinhavados por promessas que passam de geração a geração.

O pior é que os contornos do flagelo social da seca ganham detalhes tenebrosos.

Sem trabalho no campo, a única coisa que resta às famílias sem qualquer assistência é migrar para as cidades. Aí aumentam os problemas que já são muitos. Estoura o atendimento médico e sanitário; estoura o limite de assistência das prefeituras; aumenta a violência, a promiscuidade e a fome.

Como no inferno, o sertão nordestino está cheio de boas intenções. Mas, a verdade é que o governo federal e o governo dos Estados daquela região governam de costas para o sertão. Tomam medidas e anunciam programas, com toda a pompa como se fossem resolver a questão, mas não consultam ninguém, não apontam fontes de recursos. Criam uma burocracia tola. E tudo resulta em um grande desperdício.

Quantos milhões de dólares foram aplicados por exemplo nas obras de prolongamento do eixo tronco da antiga Rede Ferroviária Federal, que ligaria Salgueiro a Petrolina e outro ramal a Juazeiro do Norte e daí até Fortaleza. Pois o cenário é de túneis e de pontes abandonadas.

Recursos mal aplicados, com certeza, que poderiam financiar a retomada da lavoura do algodão, motor econômico daquela região por décadas.

Mas, Srªs. e Srs. Senadores, o retrato do abandono ainda é mais avassalador. O eixo-tronco da Rede Ferroviária Federal, que ligava a cidade do Recife a Salgueiro, em uma extensão aproximada de 600 quilômetros, também está completamente abandonado. Um longo cenário fantasma. Vendida para um consórcio privado, foi condenada, segundo seus novos proprietários, por inviabilidade financeira. Dá para entender, então, por que estes senhores compraram uma ferrovia financeiramente inviável? Que negócio magistral é esse que retira da mão do Estado um equipamento tão complexo como uma ferrovia, apenas para desativá-lo?

Só mesmo as sombras do programa de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso podem explicar esta lógica, que retrata bem o seu governo: financeiramente perfeita, mas socialmente um fracasso.

É o fundo do poço? O retrato acabado do desgoverno?

Ainda não! A situação tem contornos mais graves, e a ação do governo continua ainda longe de compreender a realidade com que está lidando.

Pode-se repetir no Nordeste brasileiro a mesma situação que impera nos altiplanos da Cordilheira dos Andes. Lá, como aqui, a desfaçatez e a incompetência dos governos permitiram que expressiva parcela da população se dedicasse ao cultivo de lavouras proibidas. A coca por lá, a maconha por aqui.

Ora, como recorrer à moral, à ética ou à religiosidade e convencer um colono a plantar feijão quando basta jogar uma semente que brotará um arbusto desgraçadamente resistente, que se proliferará como erva daninha, e ainda assegurará a sobrevivência dele e de toda a sua família? Será que o milho, o arroz ou qualquer outro produto pode lhe dar tal segurança?

Ocupar militarmente o Nordeste com as PMs ou com a Polícia Federal de nada adianta. É preciso mais do que coibir o tráfico e a produção. É preciso dar uma alternativa a esta gente.

A fome é um adubo precioso para a maconha. E não há ação policial que consiga refreá-la. Não há moral que resista ao abandono.

Concluindo Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores:

·     É preciso que fique claro que a seca no Nordeste não começou no governo Fernando Henrique Cardoso;

·     Não é água que falta no sertão, é gerenciamento e planejamento;

·     Sobra desperdício, falta vontade política;

·     Antes de se falar em conviver com a seca, é preciso atentar para questões estruturais como a implantação de uma lavoura perene, que fixe o homem no campo;

·     Não se pode condicionar a ação social a um elenco burocrático. Não se pode arquitetar uma ação de combate a seca nos gabinetes refrigerados do poder, sem se conhecer de perto, sem se ouvir a realidade do sertão;

·     Não se pode falar em crime, moral ou ética, quando se condena mais uma geração à fome e à miséria;

·     Finalmente, não se pode tratar da questão do Nordeste de forma tópica, extinguindo alguns órgãos, substituindo outros, ao bel-prazer dos interesses políticos do momento. A questão é hoje, como sempre foi, grave, gravíssima: brasileiros perecem abandonados nas periferias dos pequenos e grandes centros urbanos. Brasileiros como nós.

            Era o que tinha a dizer. Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/08/2001 - Página 15451