Discurso durante a 82ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM AS CONSEQUENCIAS PARA A ECONOMIA BRASILEIRA DA CRISE ENERGETICA E DA CRISE DA ARGENTINA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA. COMERCIO EXTERIOR.:
  • PREOCUPAÇÃO COM AS CONSEQUENCIAS PARA A ECONOMIA BRASILEIRA DA CRISE ENERGETICA E DA CRISE DA ARGENTINA.
Publicação
Publicação no DSF de 30/06/2001 - Página 14620
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • ANALISE, EFEITO, CRISE, ENERGIA ELETRICA, DESAJUSTAMENTO, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, PREJUIZO, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, INCOMPETENCIA, FALTA, INVESTIMENTO, ENERGIA ELETRICA.
  • ANALISE, CRISE, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, CRITICA, REDUÇÃO, ATUAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • NECESSIDADE, RECUSA, REDUÇÃO, TARIFA ADUANEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, PRODUTO INDUSTRIALIZADO, INFORMATICA, BRASIL.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos, há semanas, assistindo a um cenário de incerteza em nossa economia e de piora na expectativa de evolução de nossos indicadores econômicos. Aparentemente isso é devido a pelo menos dois poderosos fatores de influência: nossa crise de energia elétrica e os reflexos, sobre o Brasil, da crise argentina.

A situação de quase colapso de energia elétrica já foi suficientemente caracterizada como resultado da incompetência do Governo. Desde 1995, com a estabilidade da moeda, a demanda por energia elétrica cresceu muito; o Governo, é verdade, promoveu reformas e investimentos no setor, mas de forma desencontrada, desordenada, incoerente e insuficiente. O resultado foi o deplecionamento dos reservatórios e a perda das indispensáveis reservas. Isso, somado a vários anos de chuva abaixo da média, deu no que estamos vendo: uma quase inevitável queda no crescimento do PIB e aumento do desemprego.

Ressalte-se que essa é uma oportunidade de acumularmos a experiência e a motivação para encontrarmos soluções efetivas e permanentes para o nosso abastecimento de energia elétrica.

Já no que se refere aos golpes que estamos sofrendo devido à chamada crise da Argentina, lidamos com fatores menos tangíveis, tais como perspectivas comerciais e temores que induzem à especulação.

A Argentina, há quase dois anos, vem pisando numa perigosa faixa que a aproxima de uma catastrófica insolvência. O afundamento da Argentina afetaria profundamente a economia brasileira e o ânimo dos investidores externos, de cujos capitais necessitamos. Por antecipação ao perigo, o real, desde o início do ano, vem sofrendo desvalorização contínua e exagerada. Isso introduz em nosso ambiente econômico pressão de inflação, medo de investir e ameaças ao nosso crescimento, indispensável para promovermos as necessárias políticas de combate aos desequilíbrios sociais e regionais.

De três meses para cá, com a liderança, sem dúvida marcante, do novo super-ministro argentino Domingos Cavallo, foi contida a deterioração econômica daquele país. Mas, ao mesmo tempo, suas medidas salvacionistas pouco ortodoxas têm introduzido tensões importantes no relacionamento comercial dentro do Mercosul. Mais importante ainda: a visão que o ministro Cavallo tem do Mercosul é divergente da posição brasileira de reforçá-lo como bloco aduaneiro e mesmo mercado comum. O timoneiro da economia argentina tem se revelado um fator de desgaste do Mercosul e, nesse sentido, nos traz preocupações.

O último lance da crise argentina foi o pacote editado por Cavallo no dia 15 deste mês, o qual incluiu diversas medidas para promover a produtividade e o crescimento da economia daquele país, há tanto tempo mergulhada na estagnação.

A feição mais marcante do pacote foi uma alteração de 8% no valor da moeda argentina para fins de comércio exterior. Houve, no primeiro momento, uma impressão do mercado investidor de que se estava na ante-sala de um derretimento da moeda argentina, na véspera do abandono da famosa paridade do peso com o dólar. Como conseqüência, devido aos reflexos de proximidade das duas economias, o real, submetido ao regime de câmbio flutuante, sofreu nova desvalorização. Foram quase 30% de desvalorização do real desde o início do ano: uma verdadeira “máxi”! Houve, é verdade, um alívio nos últimos dias, no rastro de uma intervenção mais efetiva do Banco Central.

Entretanto, o ministro Cavallo conseguiu convencer o empresariado argentino e a opinião pública argentina de que as medidas do pacote eram benéficas e que não estava de modo algum ameaçada aquela paridade, ou melhor, a conversibilidade do peso, tão cara aos argentinos, e tão importante para quem, como eles, está endividado em dólares - pessoas físicas e empresas.

Acalmada a opinião pública argentina, era de se esperar que se acalmassem os mercados e amainasse o assalto especulativo contra a moeda brasileira. Mas a desvalorização do real continuou, por alguns dias, inexplicavelmente forte. Na verdade, até parecia que a crise não era argentina, e sim brasileira. A pressão sobre o real dá a impressão de que o perigo de insolvência e de colapso econômico está no Brasil, o que, apesar de nossos problemas, não é verdade. O que explicaria o fato de tantas pessoas e empresas, no Brasil, estarem correndo para o dólar, com exagero e sem lógica econômica?

Não pode ser só a crise de energia e a crise argentina. Há aqui algo mais. Creio que a soma das nossas crises políticas e da crise de energia enfraqueceram o Governo. No horizonte estão as eleições de daqui a um ano, com a perspectiva de que novos grupos políticos possam alcançar o poder. Esses grupos começaram, recentemente, a levar à opinião pública brasileira a mensagem de que, no poder, adotarão políticas econômicas responsáveis. Mas essa mensagem é recente e ainda não penetrou as consciências. Muita gente prefere proteger-se do futuro comprando dólar, num patamar que atinge a irracionalidade e nos traz ameaças.

Isso não significa que não continue a haver perigo do lado da Argentina. Mas não é o perigo de grande deterioração, de colapso, e sim o dos trancos e solavancos que sofre nossa economia com as medidas de salvação do lado de lá. Por exemplo: a proposta argentina de redução das tarifas de importação de equipamentos de informática, de telecomunicações e eletrônicos. Ora, essas tarifas, segundo os acordos do Mercosul deveriam baixar gradativamente, até 2006. O ministro Cavallo pleiteia ao governo brasileiro baixá-las já. Com isso, o Brasil deixaria de exportar centenas de milhões de dólares.

Trata-se de uma agressão à nossa economia e uma absurda promoção de geração de empregos em terceiros países, contrariando frontalmente o espírito de união aduaneira do Mercosul. O Brasil já abriu mão, de modo semelhante, de alíquotas que se aplicam a bens de capital, isto é, máquinas. Agora, a Argentina pede o mesmo para produtos eletrônicos e de telecomunicações. Isso devemos recusar. É um setor que emprega no Brasil 200.000 pessoas! Perder aí divisas de exportação e passar a gastar divisas em importação só faria piorar nossos fundamentos econômicos, e com isso agravar a corrida em curso contra o real.

Não é sem motivo que essas propostas e medidas foram criticadas pelo presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva. Ele pronunciou-se, no último dia 18, contra posições do governo brasileiro que equivalem, como disse, a pautar a agenda econômica nacional pela agenda do país vizinho. Essa visão do empresariado industrial brasileiro é perfeitamente justificada.

É verdade que o Brasil deve, estrategicamente, apoiar a Argentina, nosso principal parceiro do Mercosul. Mas é recomendável cautela na materialização desse apoio, de modo a evitar a adoção de políticas danosas ao mercado de trabalho brasileiro e ao setor produtivo doméstico.

Quanto ao apoio estratégico, genérico, à Argentina, muito bem expressou sua conveniência nosso ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, que vem ressaltando a importância de cooperar com os interesses da Argentina. De fato, até certo ponto, eles são também interesses do Brasil, na medida em que desejamos fortalecer o Mercosul. O Mercosul, ao contrário do que vem pregando o ministro Cavallo, deve ser aprofundado, até mesmo para que seus países-membros possam, por meio dele, enfrentar com menor perigo o desafio das negociações para o estabelecimento da ALCA, Área de Livre Comércio das Américas.

Aumentou, recentemente, nossa esperança de reverter o enfraquecimento do Mercosul. Isso, graças ao pronunciamento do ministro argentino do exterior, Adalberto Rodríguez Giavarini, no dia 19 passado, em palestra no Instituto Rio Branco, em Brasília. Disse ele que os problemas de conjuntura não devem ofuscar o horizonte do aprofundamento da integração em nosso bloco, até mesmo porque está diante do Mercosul um grande esforço de coordenação nas negociações da ALCA, nas negociações com a União Européia e na próxima rodada multilateral da Organização Mundial do Comércio - OMC.

Cresceu, igualmente, a esperança no Mercosul, com a recente reunião de Assunção, onde estiveram selando compromissos de harmonização de posições sete presidentes: os do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, membros plenos; e os do Chile, Bolívia, Venezuela e Moçambique, este último como convidado especial.

Desses avanços sinalizadores de união, frutos de negociações complexas e criativas, extrairemos forças para superarmos as crises em curso e as crises por vir; e, concretamente, aquelas de que estivemos aqui tratando, a crise da Argentina e a crise do Brasil.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/06/2001 - Página 14620