Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO ESCRITOR JORGE AMADO, OCORRIDO ONTEM, EM SALVADOR/BA.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO ESCRITOR JORGE AMADO, OCORRIDO ONTEM, EM SALVADOR/BA.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2001 - Página 15885
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JORGE AMADO, ESCRITOR, ESTADO DA BAHIA (BA), PARTICIPAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB).

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS - PE. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho um discurso aqui, escrito, e solicito que ele conste dos Anais da Casa.

Quero apenas parafrasear um conterrâneo de V. Exª, um grande brasileiro, companheiro nosso, o poeta Ferreira Gullar.

Hoje, em um artigo para o Jornal do Brasil, ele disse que as sociedades são invenções; invenções de todos nós, que somos integrantes dela. Na brasileira, nós brasileiros. E há aqueles grandes inventores. Jorge Amado começou inventando a Bahia e inventou o Brasil. Talvez, essa seja a maior homenagem que se lhe possa prestar. Ele é inventor do que nós somos, do Brasil. E, se era imortal, hoje ele se encantou.

A ele, a homenagem do PPS, do antigo Partido Comunista Brasileiro, a minha homenagem fraterna como Presidente do PPS e herdeiro do PCB, do socialismo, da utopia e de sonhos que Jorge Amado também teve, junto com a invenção do Brasil.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS - PE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, depois de ler os jornais de hoje, ouvir as emissoras de rádio e assistir aos programas especiais e noticiosos da televisão, falar de Jorge Amado, o maior escritor popular brasileiro de todos os tempos, é cair na repetição. O Brasil, triste, dobrou-se ante a história deste gigante da literatura mundial, deste Amado terno que amou o seu povo energicamente, munido sempre de sentimentos sinceros e por uma convicção democrática comum a poucos.

Poderíamos dizer que a vida de Jorge Amado é a síntese de tudo aquilo que se escreveu sobre o povo brasileiro. Como afirmou, dentro dele conviviam todas as raças. Diria mais, no seu interior também conviveram todas as cores, religiões, paixões, amores, culturas, construindo um forte sentimento de brasilidade ao mesmo tempo crítico e otimista.

Ódio era algo descartável na vida do escritor. Nem ódio de classe ele possuía mais, embora sempre afirmasse, até os últimos dias, a sua convicção favorável ao socialismo democrático, a sua grande utopia. Ao contrário da maioria dos mortais, tinha a capacidade de afirmar princípios sem deixar de gostar das pessoas, à esquerda ou à direita. Defensor do direito pleno à felicidade de todos os diferentes, ele foi uma espécie de fiador desta nação que ora ainda estamos consolidando, a nação da ninguendade, para utilizarmos um conceito original do também saudoso Darcy Ribeiro.

Muitos brasileiros passaram pelas fileiras do Partido Comunista Brasileiro, do qual o PPS é herdeiro. Um tanto nos orgulha, outro tanto não. Jorge Amado está no zênite da galeria que nos orgulha, acompanhado de Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Di Cavalcanti, Oswald de Andrade, Portinari, Caio Prado Junior, Artigas, Darcy Ribeiro, Prestes, só para ficar em alguns. Nunca chegamos ao poder, mas todos eles são nomes de escolas, universidades, avenidas, cidades, centros culturais no país imaginário dos nossos sonhos. Aliás, como diz o companheiro Ferreira Gullar- também testemunho vivo do nosso orgulho -, em brilhante artigo sobre Jorge Amado, dizendo-o inventor da sociedade brasileira que seria uma invenção de seus integrantes, todos esses citados, e outros lembrados junto ao Amado, são os nossos grandes e magistrais inventores.

O mais brasileiro dos baianos deixa para nós centenas, milhares de lições. Nestes tempos de fundamentalismos e intolerância religiosa no Mundo e, recentemente entre nós, de um certo recrudescimento de preconceitos, inclusive com o surgimento de fanáticos quebrando imagens de santos e, pior, alimentado pelo uso, para nós inaceitável, do discurso de teor político, não podemos esquecer o fato histórico de ter sido Amado, um materialista nem tanto, o autor da emenda constitucional que garantiu a liberdade de culto no Brasil. Sempre unindo, jamais dividindo.

Particularmente, lembro com emoção meus encontros com Jorge Amado, que já povoava a minha juventude, em Pernambuco, e que também está na raiz da formação de minhas convicções socialistas e democráticas. Em 89, em Paris, estivemos juntos em um jantar com jornalistas correspondentes brasileiros na casa do cientista Hildelbrando - também comunista -, um dos expoentes mundiais das pesquisas referentes a doenças tropicais, hoje mergulhado na Amazônia.

Na campanha presidencial de 89, de Jorge Amado recebi apoio explícito, encontrando-nos no velho ideal socialista. No bairro do Rio Vermelho, em comício do PCB, lá estiveram usando o microfone, doce e conscientemente, Zélia Gattai e sua neta - Amado descansava em casa, quase alcançável pelo som da praça. Só com esse fato, entre dezenas de outros, já pude me considerar vitorioso naquelas eleições, mesmo em dessintonia com as urnas. Aliás, as vitórias não precisam ser obrigatoriamente majoritárias e quantificáveis. Elas também vêm pela emoção, pela sensibilidade, por um simples e singelo gesto humano.

Jorge de todos os santos amou o seu povo com uma força inimaginável, mas acredito que colocou alguns gramas de força a mais no amor que tinha pela filha de anarquistas, graças a Deus, sua mulher. Envio nesse momento, para Zélia, em meu nome e no do PPS, um abraço fraterno, estendendo-o ainda aos filhos João Cláudio e Paloma, bem como aos seus netos.

Se Jorge Amado já era imortal, agora se encantou.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2001 - Página 15885