Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO ESCRITOR BAIANO JORGE AMADO, FALECIDO NO ULTIMO DIA 6.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO ESCRITOR BAIANO JORGE AMADO, FALECIDO NO ULTIMO DIA 6.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2001 - Página 15950
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JORGE AMADO, ESCRITOR, ESTADO DA BAHIA (BA).
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, ESCRITOR, ANALISE, PUBLICAÇÃO, LIVRO, LITERATURA, CONTRIBUIÇÃO, CULTURA, BRASIL.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia de ontem, o Brasil - e por que não dizer o mundo inteiro - teve a oportunidade de fazer uma homenagem merecida ao grande escritor brasileiro Jorge Amado.

Tive o ensejo de, ao lado de muitos Colegas meus, falar, embora de forma resumida, sobre a vida e a obra do grande brasileiro Jorge Amado, cuja lembrança ficará bem viva na nossa memória e nos nossos corações, devido à sua identidade com o nosso povo, ao seu engajamento pela nacionalidade, por nossa cultura, porque, acima de tudo, ele foi um escritor muito ligado às raízes populares.

Hoje, Srª Presidente, volto à tribuna, para, mais uma vez, acentuar os traços marcantes daquele que foi o escritor mais admirado, mais lido e mais homenageado em todo o planeta: Jorge Amado.

A morte, na Bahia, do escritor Jorge Amado priva o Brasil de uma das suas mais autênticas vozes, enluta as letras brasileiras, interrompe, de algum modo, o contato com o mundo. O escritor e suas obras passaram a representar, aos olhos e ouvidos do mundo, um retrato sincero do Brasil, com suas festas, seus tipos, sua cultura, seu modo de viver.

A Família Amado tem raízes no meu querido Estado de Sergipe. Os Amados de G, como Gilberto, Genolino, Gilson, Gileno e Gildásio Amado, nasceram no meu Estado, entre Itaporanga e Estância. Os Amados de J, como Jorge e James Amado, nasceram na Bahia. Jorge Amado nasceu em Piranji, em 1912, e viveu parte de sua existência no contato com Ilhéus, com a região cacaueira do sul da Bahia, onde tomou por inspiração a vida de homens e mulheres de todos os tipos, que foram transformados em personagens de suas obras.

Aos 19 anos, publicou País do Carnaval, seu primeiro livro. Dois anos depois, em 1933, publicou Cacau, seguindo-se os chamados romances urbanos: Suor, 1934; Jubiabá, 1935; Mar Morto, 1936; Capitães de Areia, 1937. Sua obra ganhou, imediatamente, o aplauso da crítica, a leitura dos brasileiros e o interesse internacional, que o transformou no autor brasileiro mais editado fora do País, mais conhecido, mais lido, mais admirado.

A obra de Jorge Amado foi continuada nos anos seguintes, com Seara Vermelha, 1946; Gabriela Cravo e Canela, 1958; Os velhos Marinheiros, 1962; Os Pastores da Noite, 1964; Dona Flor e Seus Dois Maridos, 1966; Tenda dos Milagres, 1968; Tereza Batista Cansada de Guerra, 1972; Tieta do Agreste, 1977; Tocaia Grande, 1984, e muitos outros livros, calcados na vida da gente brasileira, principalmente tendo a Bahia como cenário inspirador.

A unidade da obra de Jorge Amado está no compromisso do escritor com os fatos, as pessoas, as situações, emoldurados pela paisagem baiana, tendo o mar da Bahia como realce de todo o apanhado de experiências. O mar, a civilização do cacau, a presença turca e de outros povos no Brasil, a saga de pescadores, os conflitos entre os chefes do poder local e os grupos subalternos, negros e mestiços introduzidos na trama, e o doce sabor da comida, o ritmo lento da vida, enfim, uma coleção ampla dos retratos do Brasil.

           O sucesso de Jorge Amado fora do Brasil representa, mais do que o reconhecimento à qualidade da sua literatura, uma lição sobre o Brasil e o povo brasileiro. Estão, portanto, na obra de Jorge Amado, os traços da baianidade, que são, em certo sentido, os traços mesmo da brasilidade. E ninguém melhor que ele soube fixar, com as letras e com o estilo de sua literatura, como é o Brasil, como é a Bahia, como é o Nordeste brasileiro, como tem sido a aventura humana, na luta dura e sacrificante pela sobrevivência, sem a perda da esperança, da alegria, da solidariedade.

           Durante alguns anos de sua vida Jorge Amado enveredou pelos caminhos políticos. Engajado, combateu o Estado Novo, refugiou-se no interior da Bahia, no meu amada Estado de Sergipe, viveu fora do País, interrompeu a edição dos seus romances, como um combatente que assumiu os desafios do seu tempo. Desse período político nasceram as obras Terra do Sem Fim, O Mundo da Paz, Subterrâneos da Liberdade e uma biografia sobre o líder comunista Luis Carlos Prestes, O Cavaleiro da Esperança.

A participação política, que o levou a Europa e a Ásia, deu o reforço necessário para que a obra literária de Jorge Amado fosse acolhida, traduzida, lida, premiada, em pelo menos quarenta países, o que significa uma divulgação do Brasil e da cultura brasileira, a mais extensa, que abriu caminho a que outros autores, como Gilberto Freyre, também fossem apreciados pela leitura e pela crítica internacionais.

Jorge Amado foi Deputado Federal Constituinte em 1946, pelo Partido Comunista Brasileiro, eleito pelo Estado de São Paulo. Atuou, ao lado de Gilberto Freyre, eleito pela esquerda democrática de Pernambuco, na defesa da normalidade jurídica e constitucional do País, mas teve seu mandato cassado quando o Governo do Marechal Eurico Gaspar Dutra colocou o PCB na ilegalidade. A curta experiência parlamentar serviu de reforço à sua carreira de escritor, retomando sua obra e aumentando o sucesso entre os leitores, em todo o mundo.

           Homenageado com as mais diversas honrarias e prêmios em vários países, Jorge Amado contudo não deixava a Bahia, não trocava os seus personagens, não se afastava da temática rica que abraçou, ainda muito jovem, para construir seu patrimônio de romancista. A coerência é, assim, um traço característico que percorre toda a obra de Jorge Amado, e o faz porta-voz de todas as palavras e gestos do povo baiano e brasileiro.

           Ao comparecer ao velório, na última homenagem de ontem, em Salvador, a multidão de amigos e de admiradores parecia ser uma legião de personagens que saltaram das páginas dos livros, da viagem lúdica e tomaram corpo e alma, emoção e sentimento, diante do escritor morto. Em muitos países os jornais espalharam a notícia da morte e um mesmo triste lamento se formou, registrando o prestígio que gozava, em vida, Jorge Amado, e que por certo continuará gozando, como um justo voto de aplauso, de admiração e de reconhecimento pela sua obra.

           Nos tempos difíceis do Estado Novo, Jorge Amado refugiou-se em Estância, cidade do meu Estado de Sergipe, berço da família Amado, onde encontrava a paz, a alegria, o companheirismo de velhos amigos. Jorge Amado tornou-se um estanciano pelo coração, um sergipano pela amizade permanente com a terra do seu pai, dos seus tios, dos seus primos. A Sergipe voltava sempre que o tempo permitia. Comia caranguejos na Praia de Atalaia, conversava com os amigos, incentivava os mais novos, acompanhava com interesse a vida cultural sergipana.

           Em Estância, fez com João Nascimento, livreiro da Papelaria Modelo, uma parceria. Todos os dias, durante aquele exílio estanciano, Jorge Amado e João Nascimento mobilizavam a cidade, escreviam textos que moças e rapazes representavam repetidamente, como a matar o tempo com aquela experiência artística, como um autor àquela época já acreditado.

           Sergipe tem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos os motivos para partilhar com a Bahia a dor e o sofrimento que a morte do escritor Jorge Amado provoca. Sergipe guarda íntegra a imagem risonha, sempre bem-humorada, do escritor, como guarda os temas dos seus livros, as paisagens, muitas vezes sergipanas, onde fluem as narrativas.

           Em vida, Jorge Amado recebeu de Sergipe muitas homenagens, como prova do afeto e do carinho do povo sergipano ao múltiplo autor, inclusive o título de Cidadão Sergipano. Em Sergipe, Jorge Amado caminhava como um conterrâneo pela ruas de Aracaju, de São Cristóvão e de Estância, onde recebeu sempre, de todos nós, os mais justos e merecidos aplausos pela sua obra e pelo exemplo de sua vida.

           Neste momento de luto, apresento em nome do Estado de Sergipe e do povo sergipano, que honrosamente represento nesta Casa, os mais sinceros pêsames a sua mulher, Zélia Gattai, companheira permanente, mulher e amiga, mãe e também escritora, completando a biografia tão ilustre do marido amado, aos filhos, aos baianos e a todos os brasileiros que perderam a voz na circunstância da morte do seu maior e melhor intérprete.

           Que o Brasil, surpreendente como o é, faça de Jorge Amado um modelo e de sua obra um roteiro cultural, para continuar a mostrar ao mundo afora sua beleza, sua alegria, sua história de muitas lutas.

           Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2001 - Página 15950