Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

APELO AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PARA QUE NÃO PENALIZE COM O CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELETRICA OS CONSUMIDORES QUE NÃO CONSEGUIRAM ATINGIR O PERCENTUAL DE RACIONAMENTO. PROTESTO CONTRA A PRETENSÃO DO GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIAS DE VENDER AS CENTRAIS ELETRICAS DE GOIAS.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA. ESTADO DE GOIAS (GO), GOVERNO ESTADUAL.:
  • APELO AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PARA QUE NÃO PENALIZE COM O CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELETRICA OS CONSUMIDORES QUE NÃO CONSEGUIRAM ATINGIR O PERCENTUAL DE RACIONAMENTO. PROTESTO CONTRA A PRETENSÃO DO GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIAS DE VENDER AS CENTRAIS ELETRICAS DE GOIAS.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2001 - Página 15990
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA. ESTADO DE GOIAS (GO), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • COMENTARIO, POLITICA, GOVERNO FEDERAL, RACIONAMENTO, ENERGIA ELETRICA, PROTESTO, PUNIÇÃO, CORTE, ENERGIA, CONSUMIDOR, INEFICACIA, REDUÇÃO, CONSUMO, SOLICITAÇÃO, APOIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • IMPUTAÇÃO, GOVERNO, RESPONSABILIDADE, CRISE, ENERGIA, AUSENCIA, PREVISÃO, PLANEJAMENTO, ELOGIO, COLABORAÇÃO, POPULAÇÃO, RACIONAMENTO.
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DE GOIAS (GO), PRIVATIZAÇÃO, CENTRAIS ELETRICAS DE GOIAS S/A (CELG), APREENSÃO, PREJUIZO, ELETRIFICAÇÃO RURAL, INDUSTRIALIZAÇÃO.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem vim à tribuna para dirigir um apelo ao Senhor Presidente da República no sentido de determinar ao Governo que acompanhe de perto o quadro vivido pelos produtores de leite em nosso País. E hoje, em um debate na Confederação Nacional da Agricultura, onde se encontrava o Ministro de Estado da Agricultura, pude sentir também a preocupação de S. Exª - inclusive já existem sinais de ações do Ministro no sentido de recolocar as coisas nos seus devidos lugares.

Hoje venho à tribuna, Sr. Presidente, preocupado com outra questão que está falando muito de perto à população brasileira. Não faz muito tempo, o Brasil inteiro e o próprio Governo foram surpreendidos com a notícia da escassez de energia elétrica no País, levando o Governo, em uma ação rápida, competente, a estabelecer uma política de racionamento de energia em todo o País.

Muito se discutiu a respeito da surpresa do povo e do próprio Governo com aquela realidade. Muitos, à época, procuravam justificar essa situação pela escassez de chuvas nas últimas temporadas, o que não aceitei. Vim à tribuna e disse: eximo o Presidente da República de qualquer responsabilidade, porque esse é um problema de uma área que tem um Ministério específico para cuidar dela. E quando há um Ministério específico para cuidar de determinado problema, é claro que o Presidente da República não é obrigado a ficar atento ou a buscar, pessoalmente, conhecer essas questões. E eu disse à época: o Ministério de Minas e Energia e os Ministérios da área econômica colocaram o Presidente da República numa situação difícil. Mas já era uma realidade. Ninguém se insurgiu contra as providências tomadas pelo Governo, que estabeleceu uma política de racionamento. Entendo que todos nós, nesta Casa, fomos surpreendidos com o comportamento popular diante de tais providências: não houve quebra-quebra nem passeatas de protesto. O povo, pacificamente, entendeu, aceitou e passou a acatar a política de racionamento determinada pelo Governo.

Sr. Presidente, ontem mais uma surpresa: o anúncio do presidente das Centrais Elétricas de Goiás de que nos próximos dias, se não me engano a partir de amanhã, começará o corte de energia dos consumidores que não conseguiram alcançar o percentual de racionamento de 20%. Há em Goiás cerca e 1 milhão e 600 mil consumidores, dos quais cerca de 290 mil nos próximos dias terão cortado o fornecimento de energia, porque não alcançaram a meta. No entanto, ninguém pode negar que todos os consumidores de Goiás economizaram, consumiram muito menos do que no mesmo período do ano passado. Mas, a determinação do Governo é a do corte do fornecimento de energia. A grande indagação é: merecem esse castigo os consumidores de energia elétrica que deram tal demonstração de empenho? Nem o Governo Federal esperava que a participação se desse nessa dimensão. Uns, por um ou outro motivo, não conseguiram alcançar o percentual estabelecido pelo Governo e, além de pagar a conta da energia com multa, que não é pequena, ainda vão passar pela humilhação de ter a energia elétrica cortada por um, dois ou três dias. Como ficará a situação de uma família que tenha crianças em casa - quem sabe recém-nascidas - que precisam de alimentação durante a noite? Como ficará a situação daquelas pessoas que têm familiares doentes? Simplesmente porque não conseguiram alcançar o percentual estabelecido, repito, além da multa, vão ter a energia elétrica de suas casas cortada.

Sr. Presidente, isso é demais! O povo não merece esse castigo, porque colaborou, todos colaboraram. Não falo apenas do meu Estado, não falo simplesmente pelos goianos. Sei que o clamor, o desapontamento, é de milhares e milhares de consumidores por este Brasil afora, que não vão entender essa ação do Governo, que não passa de uma humilhação injustificável. Não é o povo o responsável por essa situação, é o Governo; a área que cuida da energia elétrica não teve a capacidade de fazer previsão, e a área econômica fechou, a quatro mãos, os cofres públicos, não permitindo que as demais áreas do Governo investissem nesse setor fundamental. Então, não é o consumidor o culpado.

Ora, alcançamos a meta pedida, superada em muitos casos. Entendo e não discuto a multa, acredito que vai impor respeito; temor até, porque não existe castigo maior do que colocar a mão no bolso do consumidor. Não há necessidade de privar milhões de brasileiros de energia elétrica. Essa medida não resolve, basta a multa.

Sr. Presidente, fiquei - repito - impressionado com a colaboração do povo do meu Estado. Hoje Goiânia é uma cidade escura. Nos prédios, quando muito, há uma luz acesa. Estou informado de que isso aconteceu em todos os Estados aonde chegou a resolução do Governo para redução do consumo, de forma que o corte anunciado não se justifica de forma alguma.

O SR. PRESIDENTE (Nilo Teixeira Campos) - Senador, nosso tempo está esgotado. Vou prorrogar a sessão até que V. Exª termine o pronunciamento.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Sr. Presidente, muito obrigado pela generosidade e iniciativa de V. Exª. Oportunamente, concederei um aparte, com muita honra, ao Senador Casildo Maldaner.

Concluindo meu pensamento, animei-me a vir à tribuna não para criticar o Governo, mas porque conheço bem o Presidente Fernando Henrique Cardoso, não apenas como sociólogo admirável e respeitado em quase todo o mundo. Conheço-o como companheiro de partido, no passado, ainda no nosso MDB, como companheiro de momentos difíceis, como vítimas da ditadura: ele, exilado, e eu, cassado aqui no País. Conheço-o como Presidente da República, de quem tive a honra de ser Ministro. Estou certo de que essa medida não surgiu das intenções pessoais do Presidente da República.

Então, me animei. Conhecendo o Presidente como criatura extremamente sensível e humana, voltada para as questões sociais deste País, não apenas como estudioso, mas como quem tem vivenciado os problemas sobretudo das camadas mais sofridas da sociedade, venho aqui fazer um apelo a Sua Excelência: não permita, Sr. Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que a sua equipe lhe faça mais esse mal, porque não se justifica. Isso não vai reduzir mais o consumo coisíssima nenhuma, porque o povo já assumiu na alma, no coração, a política de contenção e de redução de gasto. Não é preciso mais corte.

A imprensa escrita, falada e televisionada abraçou, com toda a sua força, esta campanha. As associações, os parlamentos, as entidades de classe, todos os segmentos sociais entenderam, e, em vez de protestos nas ruas, passaram a criar, a difundir a idéia da necessidade de racionamento. Não será possível, nem compreensível, que o Governo corte a energia por um ou por dois dias, isso é humilhação. A família que tiver a energia cortada perderá alimentos essenciais ou terá que buscar socorro junto à família vizinha. Não sei o que será de tanta gente neste País, que, depois de adaptada à energia elétrica, por castigo, ficará um, dois ou três dias sem energia, vindo depois o técnico da empresa religar.

Após fazer esse apelo ao Presidente da República, e estou certo de que Sua Excelência se sensibilizará, pois aqui não fala uma adversário, um inimigo, mas uma pessoa que o conhece e que o admira, que acredita que assumirá uma posição e dará um basta a tantos desgastes provocados por elementos da sua equipe, que muitas vezes não têm a sensibilidade necessária no trato com uma população que sempre responde aos chamamentos do Governo, venho também, Sr. Presidente, manifestar minha posição, meu protesto contra a atitude do Governador do meu Estado, que, mesmo diante de uma situação complexa que vivemos hoje na área energética do País, de vender as centrais elétricas de Goiás, saiu pelo mundo, percorrendo os mais importantes países, oferecendo às multinacionais as Centrais Elétricas de Goiás.

Não se justifica vender a uma distribuidora que terá indiscutivelmente um objetivo: o lucro. Para Goiás será um desastre, será atirar o Estado em um precipício. Qualquer multinacional que se tornar a distribuidora da energia elétrica em Goiás, onde não haverá concorrente, investirá apenas nas áreas, nas regiões e nos setores onde alcançar o retorno desejado, no período determinado. Os pobres que construírem as suas casas na periferia, os pequenos que quiserem instalar uma microindústria, esses não terão mais vez. Nas mãos do Poder Público, uma empresa não pode buscar apenas o lucro, tem de buscar o bem-estar social.

As Centrais Elétricas de Goiás têm a sua história. Hoje o Estado produz em torno de 3 milhões de megawatts. No entanto, a distribuição é feita em um Estado, como eu disse, com quase 1 milhão e 600 mil clientes consumidores; um Estado que tem energia elétrica em 95% das suas propriedades rurais.

A indústria vai descobrindo o Centro-Oeste como uma região viável para os seus investimentos. Centenas de indústrias, nos últimos anos, têm procurado o Centro-Oeste, sobretudo Goiás. De uma hora para outra isso tudo estará nas mãos de quem nós não sabemos, mas apenas uma coisa entendemos: as multinacionais, na sua maioria, não têm alma nem pátria. Não se interessam por desenvolvimento nem pelo bem-estar social. Eles não vêm aqui para fazer caridade a ninguém, mas para buscar o lucro, o suor do nosso povo.

Sr. Presidente, eu não sou contra o fato de o Governo abrir oportunidades para que essas empresas venham e construam as usinas, as redes de transmissão; mas comprar o que está feito não tem justificativa, ainda mais nessa hora em que uma empresa como a Centrais Elétricas de Goiás será vendida a preço de banana. Ela cairá nas mãos de empresas que virão buscar o capital investido em pouco mais de 2 anos.

Durante a campanha, eu e o atual Governador, em um debate, recebemos a seguinte indagação: Se o senhor for eleito, venderá as Centrais Elétricas de Goiás? Eu disse: Não! Fez a mesma pergunta ao atual Governador de Goiás, que respondeu: “Não, e assumo aqui um compromisso: não permitirei que ela seja vendida”. Hoje, porém, com a maior cara-de-pau, que eu entendo té como falta de caráter, e numa postura de desrespeito ao povo, sai pelo mundo afora a oferecer as Centrais Elétricas de Goiás, como se palavra de homem público fosse um risco n’água e como se o povo não merecesse respeito, nem consideração.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador Iris Rezende?

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Antes de encerrar o meu pronunciamento, concedo, com muito prazer, um aparte a esse ilustre homem público, Senador Casildo Maldaner, que, para mim, é um patrimônio que este País tem na área pública.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Eu gostaria apenas de tecer um comentário adicional. Perguntados se, eleitos, venderiam as Centrais Elétricas de Goiás, V. Exª e o atual Governador de Goiás responderam que não o fariam. Entretanto, percorre o mundo em busca de multinacionais interessadas em adquirir a CELG e - quem sabe - com o financiamento do BNDES. Parte de recursos nossos financiando a aquisição de um patrimônio nosso por multinacionais! Não há dúvida de que não esteja intercedendo o Governador junto ao BNDES, no sentido de emprestar dinheiro para uma multinacional comprar o que é nosso, as Centrais Elétricas de Goiás. Atualmente enfrentamos a crise energética. Apesar da redução do consumo de energia, ainda há a ameaça do corte de energia. Trago o exemplo de Santa Catarina. Houve um apelo para que o catarinense economizasse energia, e muitas famílias viveram na penumbra para economizar, para atender o apelo do Governo Federal e Estadual... Enfim, muitas e muitas famílias estavam vivendo à base de velas, para poderem atender ao Governo. Houve uma redução no meu Estado, uma economia de 20%. A surpresa, Senador Íris Rezende, é que o Governador, não de Goiás, mas do meu Estado, de Santa Catarina, com aquela sede de que caiu a arrecadação dizia: “Eu não abro mão da arrecadação!” Houve uma economia de 20% no custo da energia, quando nesta semana pediu autorização para a Agência Nacional de Energia Elétrica e está repassando aos consumidores do meu Estado, através das Centrais Elétricas de Santa Catarina - a Celesc, 20,78% de aumento. Isso é blefar. Primeiro um apelo. Vivia na penumbra, à luz de vela, com uma economia de 20%, e dizia: “Eu não abro mão do dinheiro”. E agora, a partir desta semana, estará repassando aos consumidores do meu Estado 20,78% de aumento aos consumidores em gerais, indústrias, ao setor produtivo. Vejam o custo que terá que ser repassado na geração de mercadorias, na produção. O que me telefonaram ontem e hoje... Está uma balbúrdia! Vejam a ganância em arrecadar. E por mais paradoxal que possa parecer, nos últimos dias, anunciou que iria fazer um repasse aos servidores de 17,8%, que se referem aos anos de 1999, 2000 e 2001, de acordo com a inflação; 17,8%. Esse repasse aos servidores estaduais e aposentados será fiado e não à vista. Será feito em parcelas, em longas parcelas. Agora, estoura essa notícia de que o aumento da energia de 20,78% será repassado. Com certeza, no fim do mês, quem não pagar, terá cortada a sua energia. E isso não será parcelado, nem a prazo, terá de ser à vista. É uma contradição, um desrespeito aos catarinenses. Por isso, venho cumprimentá-lo, porque V. Exª também dá um grito de guerra em relação aos seus coestaduanos do Estado de Goiás. Com certeza, V. Exª está levando um alerta ao Brasil inteiro. Por isso, eu tinha de fazer esse aparte a V. Exª, Senador Iris Rezende.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner, pelo honroso aparte que me deu V. Exª, trazendo à discussão mais uma questão que envolve os interesses diretos do nosso povo. Por essa e outras razões é que o mundo político vai perdendo o respeito do nosso povo.

Muitos entendem que, hoje, o povo tem ojeriza do mundo político por causa da corrupção de muitos que se utilizam do poder para arrumar a vida pessoal ou dos seus. Mas não é só por isso. É por isso - porque a corrupção é inadmissível -, mas o é também por atitudes como a do Governador do meu Estado. Políticos que, na época da campanha, tratam o povo de uma maneira: sorriem, abraçam, gastam, fazem promessas. Mas, passadas as eleições, alcançando a vitória, viram as costas ao povo, como se o povo não merecesse respeito. Não podemos aceitar isso! Temos de gritar, quando há essas humilhações!

Quando se lançou o pacote de redução de gastos de energia era admissível que se pensasse em cortes, mas, no momento em que o Governo viu que o povo abraçou, com toda a sua força, com sentimento de pátria, o apelo do Governo e passou a economizar, já não caberia mais a execução desse item que ainda vem trazer, além da multa pecuniária, o castigo do corte de energia. Dessa maneira, não, pois, assim, seria como tratar o povo como coisa, porque não tenho notícia de um consumidor, no meu Estado - e sei que isso se estende às demais regiões do País -, que não tenha economizado. No final de semana, vejo, nas casas do interior e nos prédios de Goiânia, por todo lado, uma economia generalizada.

Então, fica o meu apelo ao Senhor Presidente da República para que revogue o item do corte e dê o crédito ao povo, como o povo deu crédito ao Governo, quando este pediu que se economizasse.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2001 - Página 15990