Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO ESCRITOR JORGE AMADO, FALECIDO EM 06 DO CORRENTE ANO.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO ESCRITOR JORGE AMADO, FALECIDO EM 06 DO CORRENTE ANO.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2001 - Página 16032
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JORGE AMADO, ESCRITOR, ESTADO DA BAHIA (BA), ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA BRASILEIRA.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acompanhei, como um dos representantes desta Casa, juntamente com os nobres senadores José Sarney e Waldeck Ornélas, o último adeus de Salvador, da Bahia e do Brasil a Jorge Amado.

Velado no Palácio da Aclamação, centro de Salvador, o corpo foi levado por uma viatura do Corpo de Bombeiros até o cemitério Jardim da Saudade, onde foi realizada, por volta da cinco da tarde de ontem, a cerimônia preparatória para a cremação do corpo, o que deverá ocorrer hoje.

Não houve discursos. Um sentido e compungido silêncio dominou a multidão de admiradores anônimos que choravam o desaparecimento daquele que projetou Salvador e a Bahia no mundo.

Nas avenidas, ruas estreitas da cidade velha, nas calçadas do Pelourinho, no vale do Canela e nas demais vias que demandavam da Aclamação ao cemitério, era possível identificar nas pessoas que passavam, silenciosas e contritas, os personagens da obra de Amado, todos voltados para a vida da Bahia.

Nas janelas, nas sacadas e nas varandas dos prédios por onde passou o cortejo fúnebre, pessoas do povo se aglomeravam, agitando lenços brancos numa comovente despedida.

Quando o cortejo fúnebre passou diante de um colégio, todos os alunos ocuparam as janelas numa comovente despedida da mais jovem geração baiana àquele que soube, com sua obra, falar aos corações de todas as idades.

As homenagens irmanaram todas as pessoas e todas as crenças sem distinção.

O sincretismo religioso, marca registrada da Bahia, fez-se presente na despedida final a um escritor que fez de sua obra um repositório da liberdade política e da liberdade religiosa, um cidadão do mundo aberto a todas as manifestações da cultura e do espírito.

Guardo na memória da juventude os primeiros livros de Amado. Acompanhei, como milhões de cidadãos, no Brasil e no resto do mundo, o surgimento de sua obra mais madura, mais realista e mais sensual, as histórias sobre o cacau, os turcos “baianos”, os coronéis e as mulatas.

Essa é a herança imorredoura que nos legou Amado, e que se perpetuará através da eternidade.

Sr. Presidente, requeiro a V. Exª seja anexado a este meu curto pronunciamento, algumas palavras que pretendia proferir na tarde de ontem, desta tribuna, e que não pude fazê-lo em razão de ter, ainda pela manhã, seguido para Salvador, como um dos representantes desta Casa nas homenagens a Jorge Amado.

Jorge, (vírgula) Amado - Foi com esse título, expressivo e verdadeiro, que um jornal anunciou a morte de Jorge Amado, o escritor brasileiro de maior fama internacional.

Amado morreu nesta segunda-feira, às 19 horas e 30 minutos, em Salvador, de insuficiência cardíaca. Depois de amanhã completaria 89 anos.

Suas exéquias ocorreram, ontem, e, a seu pedido, seu corpo foi cremado, e as cinzas, jogadas debaixo de uma mangueira no quintal de sua casa.

Jorge Amado publicou 42 livros, entre romances, biografias, memórias, poesia e literatura infantil, editados em 48 idiomas e em mais de 60 países. Parte de sua obra, como Gabriela, Cravo e Canela, foi adaptada pelo cinema e pela televisão.

Ele se definia como um narrador à solta, um contador de histórias e admitia que não era um escritor culto, intelectual.

Mas Oswald de Andrade o considerava “o novo Castro Alves que a Bahia criou”.

Todos nos lembramos e nos emocionamos com as histórias dos personagens de O país do Carnaval; Cacau, Suor; Jubiabá; Mar Morto; Capitães de Areia; Terras do Sem Fim; São Jorge de Ilhéus; Bahia de Todos os Santos; O Amor do Soldado; Seara Vermelha; Os Subterrâneos da Liberdade, composto de Os ásperos tempos, Agonia da noite e a luz do túnel; Gabriela, Cravo e Canela; A morte e a morte de Quincas Berro D’Água; Os velhos marinheiros; Os pastores da noite; Dona Flor e seus dois maridos; Tenda dos milagres; Teresa Batista cansada de guerra; O gato malhado e a andorinha sinhá; Tieta do agreste; Farda, Fardão, Camisola de dormir; As mortes e o triunfo de Rosalina; Estrada do mar, Philadelpho; De como mulato Porciúnculo descarregou seu defunto; O menino Grapiúna; A bola e o goleiro; Tocaia grande; Senhor; O solar dos azulejos; O sumiço da santa; A apostasia universal de água brusca; A descoberta da América pelos turcos; Navegação de cabotagem, e até os de caráter político, como O cavaleiro da esperança e O mundo da paz.

Amado se foi nos deixando dois títulos inéditos: Apostasia e Bóris, o Vermelho.

Num texto escrito por ele mesmo em Paris, em dois de junho de 1992, Jorge Amado escreveu: “Meu ideal de felicidade é minha mulher, Zélia”.

Jorge Amado conheceu Zélia Gattai em 1945, na Praça da República, em São Paulo, durante um comício pela libertação de Luís Carlos Prestes.

Quando eu a conheci - disse Jorge Amado em uma entrevista - ela era uma linda moça. Hoje é uma bela mulher. Sempre recebi, na vida, muito mais que mereço. Meu maior prêmio foi Zélia”.

A presença da mulher é forte na obra de Jorge Amado. Não por acaso são as mulheres o alvo das mais famosas adaptações feitas para o cinema e a tv, de livros como Tieta, Gabriela, Dona Flor e Tereza Batista.

Amante de filmes como “Em Busca do Ouro”, de Charles Chaplin, e de canções como “Saudade de Itapuã”, de Dorival Caymi, Jorge Amado tinha outros amores, como a Bahia e Paris.

No texto sobre si mesmo, escrito em 1992, considerou Dona Flor e seus dois maridos, Tenda dos milagres, Tocaia grande e Sumiço da santa seus melhores romances, mas no fundo gostava de todos, pois costumava dizer que “Livros são como filhos!”.

Como disse o The New York Times, Jorge Amado “foi o romancista que encantou o mundo com suas histórias bem-humoradas e sensuais”.

Para nós, seus leitores e admiradores através das gerações, Jorge Amado foi mais do que isso: com sua obra construída sobre as raízes do povo brasileiro, criou um Brasil ao mesmo tempo fictício e real.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2001 - Página 16032