Discurso durante a 89ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS AO EDITORIAL DO JORNAL ZERO HORA, INTITULADO "A CONTABILIDADE DA INSANIA", QUE DESCREVE OS HORRORES COMETIDOS CONTRA AS CRIANÇAS EM DIFERENTES REGIÕES DO MUNDO.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • COMENTARIOS AO EDITORIAL DO JORNAL ZERO HORA, INTITULADO "A CONTABILIDADE DA INSANIA", QUE DESCREVE OS HORRORES COMETIDOS CONTRA AS CRIANÇAS EM DIFERENTES REGIÕES DO MUNDO.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/2001 - Página 16318
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CRIANÇA, TERCEIRO MUNDO, VITIMA, MISERIA, DOENÇA, FOME, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, ABANDONO, FALTA, EDUCAÇÃO.
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, INFANCIA, TERRITORIO, GUERRA, COMENTARIO, EDITORIAL, JORNAL, ZERO HORA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), FALTA, ETICA, EXERCITO, CRIANÇA, REGISTRO, DADOS, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF).
  • COMENTARIO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, DIREITOS, CRIANÇA, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CANADA, NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO, COMUNIDADE, AMBITO INTERNACIONAL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) -Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores quando se analisa, hoje em dia, a problemática da criança no mundo, há a tendência de fazê-lo quase exclusivamente à luz da situação econômica. Priorizam-se os dados relativos à renda familiar, à evasão escolar, ao trabalho precoce de crianças e jovens, à indigência nas ruas e assim por diante. Não resta dúvida de que grande parte das mazelas que afetam as crianças do mundo todo decorrem do estado de carência econômica, que gera fome, desnutrição, doenças, morte precoce.

Esse quadro é particularmente grave nos países mais pobres, menos desenvolvidos, curvados sob o peso de longos e perversos endividamentos. A dívida constitui verdadeiro sanguessuga do pouco dinheiro que deveria ser aplicado para elevar o estado de bem-estar social de suas populações e para erradicar a situação de pobreza e miséria que assola muitos desses países. Num quadro internacional de forte recessão econômica, estourando crises por todo lado, não pode deixar de ser terrível a situação das crianças em cenários tão adversos e hostis.

No entanto, Sr. Presidente, há crianças hoje submetidas a um inferno maior do que o da pobreza, da fome e da doença. São as crianças da guerra; as crianças que vivem em regiões de conflitos armados; as crianças que perderam casa, pais e irmãos em batalhas cruéis; as crianças mutiladas por minas antipessoais; as crianças obrigadas a empunhar armas e lutar como adultos por uma causa que sequer alcançam entender... enfim, as crianças mortas pela insanidade e ganância dos senhores da guerra.

O quadro é tenebroso, Srªs. e Srs. Senadores! Os dados impressionam e nos causam indignação; mais que indignação, nos causam repulsa e pavor!

Li recentemente um editorial, com o título bem sugestivo de "A Contabilidade da Insânia", do jornal Zero Hora, descrevendo os horrores cometidos contra as crianças em diferentes regiões do mundo. Pasmem os Senhores com este dado: mais de 300 mil meninos e meninas são usados como soldados em pelo menos três continentes. Obrigados a se tornarem soldados mirins numa idade em que deveriam estar brincando com soldadinhos de chumbo.

O comentário do editorial acerca desse fato merece ser incorporado a este pronunciamento, porque com ele compartilho em gênero, número e grau. Diz ele: "Convertidos em assassinos eficientes a partir do momento em que aprendem a apontar um fuzil automático, esses pequenos combatentes representam um agravo à consciência ética da espécie humana."

É isso mesmo, converter crianças em combatentes de guerra é um agravo à consciência moral, ética e cristã da humanidade. Nos registros da História da Humanidade, esse acontecimento deve passar à posteridade como uma das maiores vergonhas cometidas pelo homem em sua trajetória. Talvez nem no Planeta dos Macacos - cenário de ficção que marcou época entre nós, e agora volta em nova versão aos cinemas - repito, talvez nem no Planeta dos Macacos se cometesse tão animalesca atrocidade!

Dados coletados e publicados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), dão conta de que, do total das mortes provocadas pela Primeira Guerra Mundial, 5% corresponderam à população civil. Na Segunda Guerra Mundial, essa porcentagem subiu para 50%. Esses índices tornam-se mais assustadores em guerras mais recentes, como as do Vietnã e do Líbano, nas quais as porcentagens de vítimas civis sobem a patamares de 80% e 90%, respectivamente.

Segundo relatório recente do Unicef, nos últimos 10 anos, em diferentes partes do Planeta, os conflitos bélicos vitimaram milhões de crianças: 2 milhões delas morreram; 1 milhão de crianças ficaram órfãs ou foram separadas dos pais; 10 milhões sofreram seqüelas físicas ou mentais graves e outros 10 milhões de crianças foram testemunhas de atos brutais. Retomando dados do editorial mencionado, a barbárie não acaba aí.

"Na Bósnia, 20 mil mulheres e meninas foram estupradas; em Ruanda, as violadas somaram 15 mil. Do total de feridos, 6 milhões contavam menos de 18 anos e 12 milhões ficaram sem casa. Dos 40 milhões de deslocados existentes no planeta, 20 milhões são crianças. O número de meninos e meninas vitimados anualmente por explosões de minas antipessoais é de mais de 10 mil. O informe é pródigo em exemplos. Em Serra Leoa, os menores são os principais alvos de disparos. No Sudão, são transformados em escravos. As armas leves ou de pequeno calibre existentes hoje são estimadas em 500 milhões; estiveram elas na origem de mais de 3 milhões de mortes no último decênio, 80% delas de mulheres e crianças."

Para discutir esses números dramáticos, realizou-se, no final do ano passado, no Canadá, a conferência Os Direitos da Criança. Estiveram reunidos representantes de organizações não-governamentais, autoridades de vários países, a diretora-executiva do Fundo das Nações Unidas para a Infância, e, especialmente, crianças de países afetados pelos conflitos.

No encontro, os relatos das crianças pontuaram as discussões com doses maciças de horror, vindas de suas experiências passadas nos locais de conflitos armados. Uma pequena parte torna-se soldado por opção. A grande maioria luta contra a própria vontade. Muitos são arrastados de suas casas, sob a ameaça de um revólver. As crianças formam um batalhão de manutenção extremamente fácil e barata: atuam ao custo de uma refeição diária.

Os comandantes justificam a participação dessas crianças e de jovens nas milícias por sua eficácia como soldados. São ágeis, levantam poucas suspeitas, dormem pouco e têm enorme potencial de camuflagem: basta tirar o uniforme e largar a metralhadora para desaparecer no meio da população civil.

A África e a Ásia são os continentes que mais usam crianças como guerreiros mirins. Dados do Unicef mostram que, em 1999, cerca de cinco mil meninos-soldados participavam dos combates em Serra Leoa. Lá, a lei da guerra é de uma severidade e brutalidade impressionantes. Os traidores e desertores são punidos com tortura, mutilação e execução. 

Não preciso mais citar números assustadores e descrever cenários horripilantes para mostrar a barbárie que está sendo cometida contra a infância, numa época em que, paradoxalmente, o homem está colhendo conquistas significativas no campo da ciência, da medicina, da tecnologia.

Sabemos que o tempo da infância é particularmente determinante na formação física, psicológica, emocional e afetiva do ser humano. As crianças das guerras, que têm sua infância roubada, serão para sempre crianças traumatizadas - quando sobrevivem, é bom que se diga! Seu desenvolvimento como pessoa está irremediavelmente comprometido. É bastante provável apresentarem profundos desvios de personalidade e temperamento, além de traumas psicológicos gravíssimos.

A humanidade não pode fingir que não vê essa realidade monstruosa em que vivem as crianças da guerra. Nem pode virar as costas como se não tivesse nada a fazer. A comunidade internacional deve se posicionar firmemente contra o atentado à infância cometido pelos países beligerantes e pelos senhores da guerra, atuando com o máximo empenho na prevenção dos conflitos, na busca de soluções pacíficas para suas contendas e no apoio aos países vítimas de destruição.

            Tais medidas podem não ser capazes de fazer desaparecer os conflitos de ordem étnica, nacionalista e fundamentalista, que ocupam hoje o palco da insânia e insensatez humana. Mas, com certeza, colocarão um freio nessa hedionda escalada da violência armada e deixarão milhões de crianças viverem como crianças, ou seja, brincando, estudando, tendo esperanças, sonhando com seu futuro, enfim, crescendo num mundo de paz.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Obrigado a todos!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/2001 - Página 16318