Discurso durante a 89ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM OS RUMOS DO PROGRAMA DE PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • PREOCUPAÇÃO COM OS RUMOS DO PROGRAMA DE PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/2001 - Página 16319
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, PROCESSO, REDUÇÃO, FUNÇÃO, ESTADO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA, SITUAÇÃO, LUCRO, AUSENCIA, MELHORIA, POLITICA SOCIAL, GOVERNO FEDERAL.
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PREPARAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), BANCO DO BRASIL, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), RECUPERAÇÃO, SITUAÇÃO FINANCEIRA, AUMENTO, TARIFAS, ESPECIFICAÇÃO, SERVIÇO POSTAL.
  • CRITICA, PODER, MERCADO FINANCEIRO, DIRETRIZ, POLITICA NACIONAL, PREJUIZO, BRASIL.

           O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho recebido, nos últimos dias, um número significativo de manifestações de brasileiros preocupados com o futuro do Brasil como nação independente. São pessoas cuja capacidade de raciocínio e de crítica ultrapassa os limites da mensagem subliminar de uma mídia patrocinada pelos interesses de plantão.

Procura-se um Brasil real. É que se construiu, principalmente nos últimos tempos, um país a latere, onde os mais diferentes interesses moldam suas próprias lentes de visão e, conseqüentemente, os diagnósticos, os prognósticos e as propostas de ação ditadas pela conveniência.

Hoje, o comando dos fatos e de como eles viram notícia é do mercado. É ele que determina a manchete e o escopo da notícia. É muito difícil, muitas vezes, decifrar o verdadeiro enigma que se monta por trás da informação. É um exercício que foge à compreensão da grande maioria da população.

Veja-se, por exemplo, o caso do desmonte do Estado brasileiro. Vendeu-se (o mercado quase nunca doa) a idéia de que o Estado deveria se tornar enxuto, mínimo, fora dos segmentos produtivos, para que se encarregasse, com maior sucesso, das chamadas atividades sociais, como saúde, educação e segurança pública.

É bem verdade que o Estado brasileiro já era privatizado antes do programa de desestatização. A educação já não era totalmente função do Estado. Nem a saúde, nem a segurança pública, muito menos as atividades ditas produtivas. O divisor de águas entre o estatal e o privado sempre foi o lucro. A saúde, a educação e todos os segmentos sociais, quando lucrativos, sempre foram reservados à iniciativa privada. Mesmo as atividades produtivas, era estratégico que se mantivessem estatais, para que se socializassem os custos e se apropriassem os benefícios, sempre a critério de uma elite que, verdadeiramente, detinha o poder. O programa de desestização apenas explicitou a transferência de patrimônio para mãos privadas. O Estado mantém-se responsável direto pelas atividades não lucrativas, independente de serem rotuladas como produtivas ou de assistência social. Apesar do tamanho do patrimônio coletivo transferido das mãos do Estado, quase sempre com financiamento público subsidiado, as populações, principalmente de baixa renda, permanecem nas filas de escolas e de hospitais desaparelhados e sob o fogo cruzado da delinqüência que assalta ruas e esquinas.

Mas, as privatizações não consolidaram, apenas, uma transferência patrimonial. Elas trouxeram, embutida, uma mudança nas relações de poder. Não foi o capital produtivo nacional o grande vencedor nos leilões. Ao contrário, setores exigentes de profundos conhecimentos técnicos e de mercado foram transferidos para neófitos nos respectivos assuntos, notadamente investidores do mercado financeiro. Pode-se mesmo afirmar que o capital produtivo nacional foi um dos maiores perdedores com o programa de privatizações, porque, antes, detinham poder sobre quantidades e preços das estatais (através do Conselho Interministerial de Preços, o CIP, por exemplo) e, depois, tiveram que disputar mercados de matérias primas com novos agentes privados ávidos por maiores lucros. Eu diria, inclusive, que a propriedade das antigas estatais perdeu o lastro, uma vez que elas se tornaram, apenas, instrumento de realização de lucros.

Os leilões foram, na sua grande maioria, antecedidos do saneamento das empresas. Toda a chamada “parte podre” foi assumida pelo Estado e ali se manteve. Além disso, os preços dos produtos e serviços foram majorados, embora tal fato não tenha sido levado em consideração nas projeções de receita que deram suporte à avaliação dos ativos, através do método do fluxo de caixa descontado.

Essas considerações servem para responder às reiteradas questões que me são dirigidas no sentido de se buscar uma explicação para os aumentos de preços dos produtos e serviços das estatais, sem qualquer justificativa baseada em planilhas de custos. Atrás de um saneamento ou de uma elevação dos preços públicos, vem sempre uma privatização.

Tal afirmação não serve, apenas, para explicar fatos passados, com os leilões já concretizados pelos Governos Federal e Estaduais. Mais do que isso, trata-se de um alerta para eventos que, embora negados, começam a se enquadrar na seqüência macabra das privatizações. São os casos da Petrobrás, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, dos Correios, entre outros.

A Petrobrás vem experimentando uma ampla reforma administrativa, a título de “prepará-la para o mercado”. A empresa já vem sendo privatizada “pelas bordas”, com a venda de segmentos importantes na verticalização de seus negócios (como a petroquímica, por exemplo), em mão contrária às decisões das congêneres do mundo.

O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal receberam, recentemente, um aporte de recursos do Tesouro de R$ 10 bilhões, também a título de “saneamento”.

Agora, foi a vez dos Correios, que impuseram um brutal aumento das tarifas postais, notadamente naqueles serviços mais requisitados, como as cartas simples e os impressos. Essa é, particularmente, uma das preocupações do Sr. Roldão Simas Filho, brasiliense preocupado com as grandes causas nacionais e que realizou um amplo levantamento dos custos dos serviços postais sem que tenha encontrado, na imprensa, uma explicação cabal para o tais majorações. O Sr. Roldão representa, neste discurso, todos os brasileiros que alimentam semelhante angústia. E que buscam âncoras para, através da palavra, estancar a sangria do Estado brasileiro.

            Faço coro com ele e com o Prof. Celso Furtado, para quem “se continuar o processo atual de endividamento externo desordenado e de alienação do patrimônio público nacional, estaremos, em dez anos, sem patrimônio próprio”. “Teremos vendido tudo, hipotecado tudo. O que significará falar de Brasil?” “Seremos governados por empresas ou por agências internacionais que atuam em função dos interesses dos países poderosos”, ainda nas palavras do Prof. Furtado.

Pois bem, Sr. Roldão e demais brasileiros que ainda cultivam, como nossos ancestrais, o amor à Pátria: o Brasil está sendo governado pelo mercado. Não importa se conterrâneos se engalfinhem por restos de alimentos estragados, nos barracões inundados ou incendiados do Ceasa. Ou por nossos próprios restos, nos lixões. O que interessa é a estabilidade dos mercados, são os índices das Bolsas de Valores, é a nossa credibilidade nos mercados internacionais.

A imprensa, é bem verdade, mostrou a luta pela tal comida deteriorada, na mesma semana em que a equipe econômica ostentava números de superávit ainda maiores que os acertados no acordo com o FMI. Mas, não elaborou qualquer correlação entre tais fatos. O tal superávit não serviu para minorar as péssimas condições de vida de 50 milhões de brasileiros que sobrevivem de restolhos. Tais recursos são insuficientes para um semestre de pagamento de serviços de uma dívida que já ultrapassou a metade da produção anual brasileira. Essa mesma dívida decuplicou nos últimos seis anos, assim como a remessa de lucros para o exterior, turbinada pelas privatizações do mesmo período.

As manchetes dos últimos dias dão conta do regozijo por um novo acordo com o FMI, agora da ordem de US$ 15 bilhões. “A notícia do novo acordo fez baixar a cotação do dólar, subir a Bolsa, além de acalmar os mercados”, segundo a esfuziante comentarista econômica, em estrépito midioso patrocinado por um agente financeiro.

Não haverá mercado calmo enquanto existirem lucros a realizar. E o lucro não tem pudor, nem sentimentos de civismo, como o do Sr. Roldão. Que se cuidem os Correios, a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, Furnas, Chesf... Aliás, o mercado tem outro significado para o nome deste ilustre missivista. Como diria Antero de Figueiredo, citado por Aurélio Buarque de Holanda, para ilustrar o verbete: “Batalharam ardidamente, loucamente, numa hora de febre e paroxismo, e tudo tomaram de roldão”.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/2001 - Página 16319