Discurso durante a 90ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO GEOGRAFO MILTON SANTOS, FALECIDO EM 24 DE JULHO DO CORRENTE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO GEOGRAFO MILTON SANTOS, FALECIDO EM 24 DE JULHO DO CORRENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 11/08/2001 - Página 16398
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MILTON SANTOS, GEOGRAFO, ESTADO DA BAHIA (BA).
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, MILTON SANTOS, GEOGRAFO, MOTIVO, RECEBIMENTO, PREMIO, PAIS ESTRANGEIRO, CONTRIBUIÇÃO, OBRA INTELECTUAL, PAIS, PUBLICAÇÃO, LIVRO, ASSUNTO, SUBDESENVOLVIMENTO, GLOBALIZAÇÃO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a morte do geógrafo Milton Santos, ocorrida em 24 de junho, deixou uma imensa lacuna nos meios científico e intelectual brasileiros. Mais do que isso, provocou uma orfandade nos mais diversos segmentos da nossa sociedade, especialmente entre aqueles que se dedicam a entender o Brasil e a contribuir de alguma forma para promover a cidadania entre os nossos concidadãos.

Autodidata até os dez anos, esse baiano de Brotas de Macaúbas, nascido em 1926, percorreu longa trajetória até morrer, em decorrência de um câncer. Estudou com os pais, professores primários, antes de fazer o antigo curso ginasial. Formou-se em Direito, em 1948, mas logo se dedicou ao estudo da Geografia e das ciências humanas em geral. Destacou-se de tal modo, como geógrafo e pensador, que, ao comentar sua profícua vida, o filósofo e cientista político Emir Sader assim se expressou: “Ele buscou espaço tanto na vida quanto nas ciências. E impressiona que tenha conseguido sendo baiano, negro, pobre e aluno de escola pública”.

Seus amplos conhecimentos e sua proposta de utilizar os espaços de forma a obter melhor qualidade de vida levaram-no, em certo momento, a exercer uma função política, a de Sub-Chefe da Casa Civil, na Bahia. Nada de se estranhar, em se tratando de alguém que praticava a “ética da militância”, que objetiva a transformação do mundo em um mundo melhor.

Professor da Universidade Federal da Bahia, perdeu seu emprego quando eclodiu o golpe militar de 1964, o que o levou a asilar-se em Paris, onde se formaria Doutor em Geografia pela Universidade de Estrasburgo.

Com mais de 40 livros escritos e 14 títulos de Doutor honoris causa, concedidos em diversas partes do mundo, Milton Santos, no dizer do geógrafo, professor aposentado e pesquisador Aldo Paviani, “foi um colecionador de prêmios nacionais e internacionais”.

A socióloga pesquisadora do CNPq Sueli Carneiro, que nos anos 70 e 80 trabalhava em São Paulo, destacou, em artigo publicado no Correio Braziliense, a autoridade que tinha Milton Santos em todas as áreas relacionadas com planejamento urbano:

“Arquitetos, engenheiros, cientistas sociais, gente de todas as colorações políticas e ideológicas empenhavam-se no desafio de planejar a maior cidade da América Latina. As disputas teóricas e práticas em especial, entre arquitetos e engenheiros, e as diferentes visões que os orientavam em relação à concepção e ao futuro da cidade tinham em comum apenas um nome, presente em todas as bibliografias dos planos e projetos urbanos: Milton Santos. Uma unanimidade, referência obrigatória para todos os que se dispunham a pensar e a agir sobre aquele território”.

Para Sueli Carneiro, Milton Santos pagou um preço por sua inteligência rara, pela originalidade do seu pensamento e por sua independência intelectual. “Ousou ser um intelectual no sentido mais plano da palavra - atesta; um produtor de conhecimento de alta excelência, numa terra em que preto deveria contentar-se apenas em ser objeto de estudo”.

            Esse aspecto racial, Sras. e Srs. Senadores, é abordado também por Muniz Sodré, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e conterrâneo de Milton Santos. “Apesar de ser um negro da elite, aceito por ela, falante do francês, era um negro, e isso devia incomodar muita gente”, disse, referindo-se às perseguições políticas de que Milton Santos fora vítima.

Ao lamentar a morte do geógrafo, em artigo publicado no jornal Correio Braziliense, o Professor e ex-Governador Cristovam Buarque salientou que o nosso homenageado “fez uma geografia total, da qual os seres humanos fazem parte, e fez uma escolha moral sobre o propósito das mudanças que os homens provocam. Com isso - observou - ele se fez parte da própria geografia viva e tentou influenciar os rumos da evolução dessa geografia”.

No seu extenso rol de publicações, encontram-se obras publicadas em várias línguas, nas quais Milton estabelece sólida metodologia científica e traça as bases de uma geografia crítica. Entre elas, destacam-se “O Trabalho do Geógrafo no Terceiro Mundo”; “Por uma Geografia Nova”; “Pensando o Espaço do Homem”; “Espaço e Sociedade”; “Ensaios sobre a Urbanização Latino-Americana”; “Território e Sociedade no Início do Século XXI”, entre outras. O professor Aldo Paviani, comentando a extensa produção bibliográfica de Milton Santos, afirma que obras como “O Espaço Dividido - Os Dois Circuitos da Economia Urbana dos Países Subdesenvolvidos” e “A Natureza do Espaço - Técnica e Tempo; Razão e Emoção” ultrapassam o tempo do geógrafo e pensador, consistindo em notável contribuição ao desenvolvimento desses temas.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, o Brasil inteiro homenageou Milton Santos por ocasião de sua morte, reconhecendo-lhe o talento, o amor ao País, a disposição de lutar para fazer da comunidade humana um espaço de convivência fraterna. Não admira que um intelectual do porte do Professor Antônio Cândido assim se tenha referido a ele: “Nos seus trabalhos, o rigor científico nunca foi obstáculo a uma consciência social desenvolvida e profundamente arraigada nos problemas do Brasil”.

Esse foi Milton Santos, um homem, pesquisador e intelectual respeitado que, felizmente, teve em vida o reconhecimento do seu valor. Um negro para quem a negritude não carecia de afirmação, na expressão da socióloga Sueli Carneiro; um brasileiro que foi laureado com o Prêmio Vautrin Lud, o mais importante do planeta na sua área de conhecimentos; um pesquisador do Terceiro Mundo que, sem rejeitar sistematicamente o processo de globalização, fez-lhe críticas contundentes e fundamentadas. Um homem, enfim, que lutou pela eliminação da pobreza, pela liberdade de pensamento e pela dignidade das pessoas, e que, por tudo isso, tornou-se um exemplo para todos nós e para as futuras gerações.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/08/2001 - Página 16398