Discurso durante a 91ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

SATISFAÇÃO COM A POSIÇÃO BRASILEIRA NA QUESTÃO DE QUEBRA DE PATENTES FARMACEUTICAS DE MEDICAMENTOS DESTINADOS AO TRATAMENTO DA AIDS.

Autor
Ricardo Santos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo Ferreira Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • SATISFAÇÃO COM A POSIÇÃO BRASILEIRA NA QUESTÃO DE QUEBRA DE PATENTES FARMACEUTICAS DE MEDICAMENTOS DESTINADOS AO TRATAMENTO DA AIDS.
Aparteantes
Carlos Patrocínio.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2001 - Página 16443
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ESPECIFICAÇÃO, PROGRAMA, REFERENCIA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), RECONHECIMENTO, EFICACIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), COMPROMISSO, PAIS, AMPLIAÇÃO, ACESSO, DOENTE, TRATAMENTO, MEDICAMENTOS, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), CRIAÇÃO, FUNDO ESPECIAL.
  • REGISTRO, CONFLITO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DECISÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), LIBERAÇÃO, PATENTE DE REGISTRO, PRODUÇÃO, MEDICAMENTOS, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), PRODUTO GENERICO, ELOGIO, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, ITAMARATI (MRE).
  • ANALISE, DADOS, ESTATISTICA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), BRASIL, MUNDO.

O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Ministério da Saúde do Governo brasileiro vem registrando, no campo da saúde pública nacional, importantes conquistas, sendo o Programa de Prevenção, Controle e Assistência aos Portadores de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids considerado o mais bem-sucedido na comunidade internacional.

De fato, nos diversos fóruns internacionais em que as ações anti-Aids são discutidas, é evidente o reconhecimento mundial da eficácia do Programa Brasileiro de Combate à Aids e, a ele associado, à política de distribuição de medicamentos anti-retrovirais do Ministério da Saúde, amplamente comprovada durante a 54ª Assembléia Mundial de Saúde promovida pelas Nações Unidas em Genebra, em maio passado.

Na ocasião, ao final das discussões, a comunidade internacional aprovou, por unanimidade, uma resolução sobre o tratamento da Aids baseada na proposta brasileira, que defende a produção e distribuição de medicamentos a fim de baratear o tratamento de doenças infecciosas que tragam risco à saúde pública. O documento final da OMS - Organização Mundial de Saúde -, ao término daquele conclave, destaca, como principais pontos que deverão nortear a política internacional de combate à Aids, os compromissos que a seguir relacionamos:

- A obrigação de todos os países de garantir o acesso dos portadores de HIV/Aids aos tratamentos e medicamentos contra a doença;

- O acesso aos remédios anti-HIV passa a ser visto como um direito básico do ser humano;

- Os preços dos medicamentos anti-retrovirais para nações pobres e sem recursos devem ser inferiores aos praticados atualmente;

- Todas as pessoas que convivem com HIV/Aids têm o direito de participar da elaboração de políticas nacionais de combate à doença;

- A OMS tem o compromisso de apoiar o desenvolvimento da produção de remédios anti-HIV, incluindo genéricos, em todos os países;

- Os países ricos deverão constituir um fundo para a compra de remédios para as nações mais pobres;

- Os Governos dos países ricos deverão estimular a pesquisa para o desenvolvimento de vacinas e novas drogas contra a doença.

Nesse sentido, no final de julho, em Gênova, Itália, o grupo G-8 - formado pelas principais potências mundiais - aprovou a constituição do fundo anti-Aids, com a alocação de recursos da ordem de US$1,7 bilhão. Cabe destacar que a proposta inicial da ONU - Organização das Nações Unidas - considerava necessário destinar US$10 bilhões para o fundo, dada a dimensão global do problema da Aids, requerendo, portanto, vultosos recursos para as áreas de pesquisa, controle, tratamento e ações preventivas à disseminação da doença. Mesmo assim, a criação do fundo representa um avanço em relação à postura anterior com que os países mais desenvolvidos vinham tratando a questão do controle e tratamento da Aids.

A proposta brasileira de produção e distribuição de remédios mais baratos para o combate à doença foi adotada pela OMS, conforme registramos anteriormente, porém recebeu veementes protestos dos Estados Unidos - refletindo a defesa, por parte daquele país, dos interesses das indústrias farmacêuticas. O argumento era de que o apoio, por parte da OMS, à produção de remédios anti-Aids, incluindo genéricos, em todos os países, poderia representar uma ameaça aos direitos de propriedade industrial das companhias farmacêuticas e o não-pagamento dos royalties correspondentes à produção dos medicamentos em questão.

Os Estados Unidos requereram, então, à OMC - Organização Mundial de Comércio - a abertura de um comitê de arbitragem visando à discussão da legislação brasileira de patentes, que prevê a suspensão da patente quando seu detentor deixar de produzir drogas no Brasil, por mais de três anos, ou em casos de emergência nacional.

Quase um mês depois de encerrada a Assembléia Mundial de Saúde, a celeuma em torno da produção de genéricos e quebra de patentes entre os Estados Unidos e o Brasil assumiu proporções mundiais. Numa sessão extraordinária sobre patentes e saúde pública na OMC, realizada no final de junho, o Brasil defendeu a flexibilidade para a quebra de patentes e a produção local de remédios a fim de garantir acesso dos portadores de HIV a medicamentos mais baratos. Os Estados Unidos, por seu turno, mantiveram uma postura rígida em torno da questão, tentando fazer com que o Brasil não associasse a produção de genéricos à luta contra a Aids.

As negociações que se seguiram, capitaneadas de maneira firme pelo Governo brasileiro, por intermédio do Ministério da Saúde e do Itamaraty, culminaram com a retirada do pedido de arbitragem dos Estados Unidos junto à OMC e com o compromisso de o Brasil comunicar, antecipadamente, àquele País toda vez que decidir quebrar uma patente por razões de abuso de preços ou de fornecimento insuficiente do produto no mercado interno.

Sem dúvida alguma, a decisão da Organização Mundial do Comércio foi uma grande vitória da posição brasileira frente à questão das patentes de remédios, principalmente de remédios que venham a combater a Aids.

A posição brasileira é, portanto, digna de reconhecimento, pois indica que os objetivos de natureza humanitária de controle e tratamento dessa epidemia - que rapidamente se alastra por todo o mundo - devem prevalecer sobre quaisquer outros interesses, sendo, para isso, necessária a atuação dos organismos internacionais e dos Estados nacionais na implementação de políticas públicas de combate à doença.

Em outro evento realizado mais recentemente pelas Nações Unidas, no mês de junho passado, denominado “HIV/Aids - Crise Global, Ação Global”, que reuniu representantes de 191 países em Nova Iorque, ficou realçado o caráter perverso da doença, apresentada como uma ameaça aos direitos humanos e registradas, entre as metas a serem alcançadas até 2005, a redução de 25% no número de jovens e mulheres infectados entre 15 e 24 anos e 20% no de crianças. Para que esses objetivos sejam alcançados, reconheceu-se também a necessidade de se considerar o tratamento da Aids como uma questão de direitos humanos, aliando-se tratamento e prevenção, e garantindo-se acesso dos enfermos a medicamentos mais baratos via produção doméstica.

O Sr. Carlos Patrocínio (PFL - TO) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES) - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Carlos Patrocínio (PFL - TO) - Eminente Senador Ricardo Santos, V. Exª analisa um assunto de fundamental importância e faz apologia da vitória do Brasil no campo do tratamento do HIV. Essa foi, sem sombra de dúvida, uma das maiores vitórias alcançada pelo nosso País nos últimos tempos. Sabemos do crescimento do HIV sobretudo nos países africanos. Sabemos do quanto esses países contribuíram com escravos para o desenvolvimento da humanidade e sabemos que esses países hoje estão totalmente arrasados no seu componente econômico-financeiro, sobretudo pelas guerras freqüentes que se arrastam entre etnias que querem assumir o governo. Portanto, era chegada a hora de se fazer algo para minimizar as conseqüências da Aids principalmente no continente africano, até porque o Brasil já está controlando não só o tratamento de Aids como também o aparecimento de novas infecções pelo vírus HIV, isso devido a uma política severa implementada pelos últimos Ministros da Saúde, destacando de maneira especial o eminente ex-Senador e atual Ministro José Serra. Essa foi uma vitória muito grande do Brasil contra, sobretudo os Estados Unidos, que sempre se opuseram a conceder preços mais módicos e permitir a quebra de patentes para todo o povo aidético e para aqueles que poderiam vir a adquirir a doença. Atualmente já se praticam estudos no sentido de se conseguir a vacina contra a infecção pelo vírus HIV. V. Exª celebra, nesta oportunidade, essa grande vitória do Brasil com muita justiça, porque os mandatários do nosso País merecem essas efusivas congratulações. Temos certeza de que, com esses acordos firmados entre as diversas nações do mundo, a Aids só tende a diminuir seu impacto sobre a vida dos miseráveis do mundo inteiro, que não têm condições mínimas de fazer seu tratamento adquirindo de per si o seu medicamento. Congratulo-me com V. Exª pelo excelente pronunciamento.

O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES) - Agradeço a V. Exª, Senador Carlos Patrocínio, o aparte e incorporo as observações feitas a meu pronunciamento. V. Exª chama a atenção para essa questão de extrema gravidade, sobretudo para nações mais pobres. Se não obtivermos reduções drásticas nos preços de medicamentos retrovirais de combate à Aids, não conseguiremos atingir metas significativas de redução da doença mundialmente. Se não colocarmos a questão humanitária na frente dos grandes interesses econômicos diante da epidemia que tende a alastrar-se, sobretudo no continente africano, teremos gravíssimos problemas, considerando a migração internacional, para controlar a doença em um futuro muito próximo.

Agradeço o aparte de V. Exª.

Nesse sentido, gostaríamos de registrar os números estarrecedores que a Aids apresenta em termos globais e que justificam a postura brasileira em relação à produção e distribuição de medicamentos genéricos para o combate à doença. Segundo dados da Unaids, a Organização das Nações Unidas para o Combate à Aids, 36,1 milhões de pessoas vivem com HIV/Aids no mundo; 16,4 milhões são mulheres e 1,4 milhão são menores de 15 anos. Estima-se que 5,3 milhões das novas infecções pelo HIV e 3 milhões de óbitos por causa do HIV/Aids ocorreram em 2000. A situação é preocupante e não está equacionada, ainda que indicadores regionais apontem para a estabilização da epidemia em alguns poucos países. Sem acesso a tratamento, a previsão é a de que 95% dos doentes de hoje morram nos próximos 10 anos.

No Brasil, os dados referentes à incidência da doença e à política de distribuição de remédios para a Aids, de acordo com informações do Ministério da Saúde, são os seguintes:

Há, no País, 203 mil casos de Aids notificados, sendo que 113 mil pessoas já morreram; estimativas indicam que existam 537 mil pessoas infectadas pelos vírus HIV no Brasil;

Por meio da política de distribuição de medicamentos anti-HIV - que reforçam a eficácia do Programa Brasileiro de Combate à Aids - registra-se uma queda de cerca de 50% na taxa de mortalidade por Aids no País, entre 1995 e 1999, e uma redução de 80% das internações hospitalares devido a doenças oportunistas ou sintomas graves da Aids, equivalendo a uma economia, de 1997 a 2000, de US$677 milhões com as internações evitadas.

Atualmente, 7 dos 12 anti-retrovirais distribuídos são produzidos por seis laboratórios estaduais: Far/Manguinhos e IVB, do Rio e Janeiro, Furp, de São Paulo, Lafepe, de Pernambuco, Iquego, de Goiás e Funed, de Minas Gerais;

No ano passado, foram gastos US$303 milhões com medicamentos para atender a uma média de 85 mil pacientes;

Caso o Governo estivesse importando todos os medicamentos, estaria gastando quase R$1 bilhão/ano - cerca de US$530 milhões -, o que tornaria o programa de distribuição inviável.

Grande parte do sucesso alcançado pelo Governo Federal no Programa de Combate à Aids deve-se à firme determinação do Governo brasileiro e à atuação dos laboratórios oficiais, com destaque para o Laboratório Farmanguinhos, da Fiocruz, que hoje produz 68 medicamentos genéricos que abastecem grande parte da rede pública de hospitais e 7 dos 12 medicamentos que entram na composição do coquetel anti-Aids.

Dessa forma, louvamos as iniciativas do Ministério da Saúde, tão bem conduzido pelo Ministro José Serra, e manifestamos inteiro apoio à sua posição em defesa de uma vida mais digna a milhares de cidadãos brasileiros que enfrentam diuturnamente a batalha contra a Aids. Acreditamos, também, que a posição do Brasil está respaldada pelos avanços e pelo reconhecimento, em nível internacional, de seu Programa de Combate à Aids, que passa a ser essencial para os países menos desenvolvidos, que também enfrentam graves problemas de saúde pública em razão das altas taxas de incidência da doença.

Também são dignos de registro os esforços que o Ministério da Saúde vem empreendendo para a implantação de uma rede nacional de laboratórios para vigilância em doenças sexualmente transmissíveis, visando diagnosticar e controlar sua incidência nas diversas regiões do País.

A Universidade Federal do nosso Estado, a UFES, participa desse projeto, por meio do NDI -- Núcleo de Doenças Infecciosas --, que inclui, adicionalmente, a estruturação de uma rede nacional de genotipagem do vírus HIV e sua resistência às drogas. Este núcleo de pesquisas da UFES, coordenado pelo Professor Reynaldo Dietze, vem, inclusive, realizando mapeamento genético do HIV, com o objetivo de determinar os subtipos virais circulantes no Estado do Espírito Santo, com o propósito de facilitar o diagnóstico e determinar sua patogenia.

O Programa Brasileiro de Combate à Aids, incluindo a política de produção e distribuição de medicamentos anti-retrovirais, associada às pesquisas de mapeamento e vigilância das doenças sexualmente transmissíveis, merece total apoio do Senado Federal e do Congresso Nacional, especialmente no que se refere à:

1º) posição meritória do Brasil na defesa da produção doméstica de remédios, inclusive genéricos, com vistas à redução de custos do tratamento de pessoas infectadas;

2º) alocação de recursos necessários, no Orçamento Federal, ao desenvolvimento do Programa, considerando suas exigências de ação continuada;

3º) destinação de recursos para as pesquisas relativas ao controle de doenças infecciosas, particularmente as doenças sexualmente transmissíveis e a Aids.

É necessário que o Senado Federal e o Congresso Nacional estejam atentos a isso.

Somente dessa forma, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, poderemos almejar a obtenção de resultados significativos na redução desse flagelo, que acomete milhares de cidadãos brasileiros.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2001 - Página 16443