Discurso durante a 91ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DE ESTABELECIMENTO DE UMA AGENDA UTIL PARA O SENADO SUPERAR A CRISE INSTITUCIONAL.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • NECESSIDADE DE ESTABELECIMENTO DE UMA AGENDA UTIL PARA O SENADO SUPERAR A CRISE INSTITUCIONAL.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Ricardo Santos.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2001 - Página 16455
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, MARCO AMELIO NOGUEIRA, CIENTISTA POLITICO, ASSUNTO, CRISE, SENADO, CLASSE POLITICA.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, SENADO, RECUPERAÇÃO, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, APURAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, PRESIDENTE, URGENCIA, VOTAÇÃO, MATERIA, BENEFICIO, PAIS, PRIORIDADE, PROPOSIÇÃO, MELHORIA, ETICA, POLITICA, FINANCIAMENTO, SETOR PUBLICO, CAMPANHA ELEITORAL, EXTINÇÃO, IMUNIDADE PARLAMENTAR, CRIME COMUM, REFORÇO, PARTIDO POLITICO, LEGISLATIVO, LIMITAÇÃO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), APROVAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA, REFORMA TRIBUTARIA.
  • ANALISE, INTEGRAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, GLOBALIZAÇÃO, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL, PROVOCAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, PREJUIZO, CRESCIMENTO ECONOMICO, REGISTRO, ACORDO, GOVERNO BRASILEIRO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • IMPORTANCIA, PRESENÇA, SENADOR, DEPOIMENTO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), MINISTERIO DO ORÇAMENTO E GESTÃO (MOG), PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), ESCLARECIMENTOS, ACORDO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), DEBATE, CLAUSULA, COMPROMISSO, AJUSTE FISCAL, EXPECTATIVA, REMESSA, DOCUMENTAÇÃO, SENADO.
  • DEFESA, INCENTIVO, EXPORTAÇÃO, DEBATE, POLITICA INDUSTRIAL, POLITICA, COMERCIO EXTERIOR.
  • ANALISE, GREVE, POLICIAL, ESTADOS, DEFESA, REFORMULAÇÃO, POLICIA CIVIL, POLICIA MILITAR, SEGURANÇA PUBLICA, POLITICA URBANA.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em artigo publicado no Jornal da Tarde do dia 27 de abril deste ano, o cientista político Marco Aurélio Nogueira lançou um alerta sobre a gravidade da crise do Senado para o futuro da política no Brasil. São as seguintes suas palavras: “Não será certamente uma decisão fácil, até mesmo porque a crise não é apenas do Senado, mas de todo o sistema político e de toda uma classe política. Mas é precisamente nos momentos difíceis que se pode mostrar a força da política, esta até hoje insubstituível atividade dedicada à construção de alternativas.” O título do artigo, Sr. Presidente, é interessante: “O Velho Senado”. O mesmo usado por Machado de Assis em crônica que retratou a velha casa dos senadores vitalícios do Império.

Ao recorrer às ricas considerações do cientista político Marco Aurélio Nogueira, procuro trazer a esta Casa uma discussão mais ampla sobre a conjuntura vivida pelo nosso País. Entendo que o reinício dos trabalhos legislativos marcou o lançamento de iniciativas destinadas a devolver credibilidade ao Congresso Nacional. São todas, Sr. Presidente, como já tive oportunidade de dizer, bem-vindas, pois buscam aprimorar a prática política. Ao que tudo indica, vivemos um momento oportuno para superar resistências às necessárias mudanças. No mínimo, podemos esconjurar a prática de empurrar temas sérios e urgentes com a barriga, a fim de garantir maiorias no Senado Federal e na Câmara dos Deputados.

A crise do painel, apesar de toda a sua gravidade, teve conseqüências positivas. O momentâneo desgaste da política não deve ofuscar o sentido dos acontecimentos. Criou-se um novo tipo de expectativa da opinião pública quanto à atuação do Poder Legislativo, e, principalmente, a sociedade despertou para a importância de acompanhar a atuação de seus representantes parlamentares.

O início das investigações pelo Conselho de Ética sobre as denúncias envolvendo o presidente licenciado desta Casa foi a primeira resposta a esta nova realidade. O Senado deve agora dar respostas satisfatórias aos demais assuntos postos na cena política. Há acúmulo de matérias importantes pendentes de votação nas comissões, especialmente nas de Constituição, Justiça e Cidadania e de Assuntos Econômicos, que dizem respeito a questões sociais, econômicas e políticas que podem ajudar o País a enfrentar crises como a cambial - como a que passa o nosso vizinho, a Argentina -, e a das polícias.

Ainda no primeiro semestre, alertei desta tribuna, por mais de uma vez, que deveríamos romper o imobilismo elaborando uma agenda de discussões e votações. Eu quero registrar que um passo importante foi dado com a retomada da reunião do Colégio de Líderes desta Casa.

Precisamos sintonizar nossa atuação com os acontecimentos que têm sacudido o País e mobilizado a opinião pública. Faz-se urgente que a atividade política consiga ir além das aparências e da luz momentânea de denúncias ou de crises, construindo alternativas mais duradouras contra a instabilidade econômica social e política.

Se fizermos um balanço dos últimos episódios nacionais, perceberemos que, por trás de cada abalo na conjuntura, há uma pendência institucional. Dos escândalos envolvendo políticos aos reflexos da crise argentina sobre a nossa economia, encontramos uma reforma estrutural anunciada, muitas vezes extremamente debatida, mas que ficou apenas na intenção. Parece até que assuntos importantes foram deixados de lado à espera de um novo abalo, de uma nova crise, sob medida, para recolocá-los na ordem do dia.

Vejamos se não é assim, Sr. Presidente.

A existência de deformações éticas na política brasileira não é exatamente uma surpresa. Boa parte dos fatos que têm escandalizado a opinião pública, envolvendo políticos e administradores públicos, já incomodava há tempos a consciência e a paciência nacionais.

Estamos mergulhados num quadro de instabilidade econômica que fora prenunciada e debatida repetidas vezes, sem que, para amenizar seus efeitos, tivessem sido tomadas medidas efetivas. Para as suas causas já se cunhou até um bordão: “vulnerabilidade externa”.

A crise energética é emblemática. Há dois meses exige-se um enorme esforço nacional para superar um problema fruto da negligência do Governo, que não tinha o direito de alegar surpresa, tantos foram os avisos. Assim mesmo, apostou-se puramente na generosidade da natureza, sem que medidas preventivas fossem adotadas.

Neste momento, o País está apreensivo quanto às conseqüências dos movimentos grevistas das polícias nos Estados, que desnudam a crise de segurança pública, além da gravidade e do caráter explosivo da situação social e do desamparo do cidadão nos nossos centros urbanos. A grande Brasília, cidade que foi construída para ser a nossa capital, é exemplo disso. A região metropolitana do Rio e de São Paulo também, e assim por diante.

Não creio, sinceramente, que ninguém, com um mínimo de noção da realidade, tenha se surpreendido com esse quadro, especialmente aqueles que militam na vida pública.

Mesmo assim, as crises se repetem. E a pressão acaba fazendo com que muita gente sensata apóie e prestigie soluções tolas, superficiais e algumas até rasteiras. O curto prazo, Sr. Presidente, prevalece, pois o importante é sair do olho do furacão. Precisamos superar o improviso.

Para o aprimoramento da qualidade da política há um conjunto de temas em discussão no Congresso. A conjuntura nos diz que devemos priorizar o debate dos projetos que estão na Câmara dos Deputados e que se relacionam com conduta ética, o tão debatido financiamento público das campanhas, a revisão do conceito de imunidade parlamentar, a quebra do sigilo bancário de detentores de mandatos e ocupantes de cargo público - matérias já votadas por este Senado.

Sem dúvida, Sr. Presidente, a forma de financiamento de campanha tem sido fonte permanente de deformação, para dizer o mínimo, da relação entre o setor público e o privado.

Por outro lado, é necessário acabar com esse enorme paradoxo que é a proteção para quem pratica crimes comuns e tem mandato parlamentar. Acabamos por acobertar ilícitos dentro da atividade pública. E é a isso que estamos assistindo pelo Brasil afora. As investigações da CPI do Narcotráfico, por exemplo, revelaram o quanto é comum em nosso País criminosos buscarem na imunidade parlamentar uma forma de ficarem fora do alcance da Justiça.

Entretanto, podemos e devemos ir além. A melhoria da qualidade da política passa pela valorização da carreira parlamentar (assunto pouco debatido em nosso País) e não apenas pela fiscalização do indivíduo detentor do mandato. Um bom exemplo, um excelente exemplo de como se muda a qualidade pela ampliação dos atributos irrelevantes são os resultados do funcionamento autônomo do Ministério Público Federal em todo o País, que vem realizando excelente trabalho. O ambiente favorável para a atuação dos instrumentos permanentes de proteção dos direitos constitucionais, de fiscalização e controle está inaugurando um novo padrão, virando uma página na vida pública nacional.

Voltando a falar da vida Parlamentar, lembro que é preciso cuidar dos instrumentos de representação da nossa sociedade por meio do fortalecimento dos Partidos políticos e do próprio Poder Legislativo. É exatamente esse o sentido do pronunciamento que estou fazendo nesta tarde.

A PEC que limita a edição de medidas provisórias é um dos assuntos ainda pendentes, mas cuja resolução esperamos para esta semana.

No mesmo sentido do aprofundamento do controle democrático e da valorização há a reforma do Judiciário, que, no momento, encontra-se em discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Queremos vê-la tramitando e que haja consenso para sua aprovação.

Sr. Presidente, as novidades na economia não foram tão surpreendentes assim, embora o câmbio tenha disparado os corações e os juros. Afinal, esta não é a primeira crise desencadeada por eventos ocorridos em outra parte do Planeta. O mesmo ocorreu, por exemplo, em 1999 - e poderia citar cinco exemplos dos últimos anos -, quando a crise cambial foi deflagrada na esteira da crise da Rússia.

Uma das características da economia globalizada é o aumento da interdependência das economias nacionais. Nesse contexto, devemos estar preparados, e não surpresos, para que abalos de confiança nos mercados internacionais se propaguem e atinjam principalmente países dependentes da entrada líquida de capitais, como é o caso do Brasil. Não são eventos fortuitos; são variáveis permanentes do sistema. É claro que a crise da Argentina, país com o qual temos grande integração, nos atinge de um modo ou de outro.

Mas cabe perguntar: por que estamos tão vulneráveis a crises externas? Cabe-nos fazer uma reflexão: é possível diminuir o impacto de crises em outros países sobre nossa economia?

O Brasil está enfrentando problemas oriundos de seu novo padrão de integração à economia global. O modelo de substituição de importações, que vigorou até a década de 80, foi superado, mas a abertura econômica não foi acompanhada da necessária reestruturação competitiva da economia brasileira. E cada dia isso fica mais claro.

Passamos a comprar mais do exterior e a depender mais da importação para produzir internamente com níveis globais de qualidade e competitividade. Por outro lado, nossas exportações cresceram em setores tidos como menos dinâmicos nos padrões atuais do comércio internacional.

Boa parte dos investimentos produtivos que ingressaram no Brasil nos últimos anos - entre eles os destinados às privatizações - não resultaram em aumento das exportações, levando mesmo a um aumento das importações e transferências ao exterior.

Nossas contas externas são consideravelmente vulneráveis. Temos acumulado déficit em contas correntes, por motivo tanto da balança comercial como do crescimento da conta de serviços.

Em um quadro internacional de escassez de recursos, fica mais difícil o ingresso de capitais, o que aumenta a necessidade de financiamento para cobrir os compromissos internacionais do País. Nos 12 meses anteriores a março de 2001, o déficit em conta corrente chegou a 4,59% do PIB. E, mesmo com o superávit de US$108 milhões em julho, as projeções da balança comercial apontam para um fechamento negativo neste ano.

Esse desequilíbrio em nossas contas externas funciona como um mecanismo de transferência das crises de outros países pela percepção de que são cada vez maiores nossas necessidades de captação de recursos para fechar as nossas contas.

O desequilíbrio externo também funciona como um freio para a nossa economia. Uma taxa maior de crescimento, se fosse viável, é claro - porque estamos aí com a crise de energia e com um cenário internacional desfavorável -, acabaria aumentando o nosso déficit, pois pressionaria as importações, das quais dependemos para produzir, como falei anteriormente. O aumento do déficit pressionaria o câmbio, que acabaria forçando a taxa de juros ou aumentaria as necessidades líquidas de financiamento, o que pioraria a percepção -- volto a dizer -- de nossas vulnerabilidades, que, sucessiva e novamente, pressionaria o câmbio e avançaria esse quadro a que estamos nos referindo. Ou seja, Sr. Presidente, estamos andando em círculos, correndo o risco de ficar para trás neste importante momento de revolução tecnológica e de mudança de paradigma por que passa o mundo, dependendo da trajetória da economia internacional nos próximos anos. Esse pode vir a ser um jogo perigoso para o País.

Sr. Presidente, o Governo anunciou dois conjuntos de iniciativas para enfrentar a situação atual, descrita em detalhes no meu pronunciamento. Primeiro, um novo acordo com o FMI -- estamos praticamente terminando um acordo e fechando um outro. Segundo, um esforço para incentivar exportações.

Sr. Presidente - e dirijo-me a V. Exª, que tem um papel importante na Presidência interina -, o Senado, na minha modesta opinião, deverá acompanhar os termos do acordo que está sendo negociado e redigido com o Fundo Monetário Internacional. Portanto, na minha visão, é oportuna - e acho que todos deveremos estar lá, inclusive o Presidente interino, se achar conveniente - a vinda a esta Casa, amanhã, dos Ministros Pedro Malan e Martus Tavares e do Presidente do Banco Central, Dr. Armínio Fraga. Nessa circunstância descrita por mim - e quero deixar isso muito claro -, o acordo é desejável. Sou de um Partido de Oposição e enfatizo isto com muita clareza: estamos numa situação complexa, difícil, e não adianta fazer uma análise simplista dessa realidade. O acordo é desejável. Não deve ser tratado, na minha visão, por um debate com um viés meramente ideológico ou com o intuito de exploração eleitoral, o que não valorizaria esta Casa no momento presente da conjuntura nacional.

O Brasil precisa de mais recursos. Podemos apontar os erros que foram cometidos na política econômica, podemos criticá-los, podemos levantar a falta de uma política industrial, de uma política agressiva de comércio exterior, mas não podemos tentar revogar a realidade, porque ela é implacável, assim como a realidade do Brasil, a do mundo, que não vive o melhor momento de desenvolvimento econômico, e a da Argentina - essa influencia a nossa vida e o dia-a-dia da nossa economia. O Brasil precisa de mais recursos para afastar a ameaça de contágio que, dependendo do desenrolar da crise argentina - e estamos, como brasileiros, torcendo pela Argentina -, pode aprofundar ainda mais os estragos que já vem causando à economia brasileira.

Esse, Sr. Presidente, é o sentido, na minha visão, prioritário dessa “blindagem”, que o acordo com o FMI - Fundo Monetário Internacional representa, volto a dizer, neste momento. Também significa a imposição de novos sacrifícios, e esta Casa precisa discutir, pela via de um compromisso adicional de ajuste fiscal. Temos, na minha visão, que discuti-los e evitar que esse novo acordo traga cláusulas que ando chamando de exóticas, como a do último acordo, que proibia empresas estatais saudáveis financeiramente de investirem, e acabou nos levando a essa crise desnecessária no setor energético.

Sr. Presidente, também é correta a identificação do Governo na prioridade de incentivar as exportações. Espero que isso não fique mais uma vez só no discurso, só nas boas intenções. Essa é, segundo o meu ponto de vista, a única alternativa que possibilitaria um resultado mais imediato. Mas a questão não se encerra no incentivo a um esforço exportador, nem nesses quase 15 bilhões anunciados no acordo com o FMI.

            O Senado deve iniciar uma agenda específica de debates sobre a política de comércio exterior e sobre uma nova política industrial. Esses temas somam-se também à discussão e ao acompanhamento da evolução das negociações em torno da Alca, do Mercosul, das negociações com a Comunidade Econômica Européia e dos acordos multilaterais que têm na OMC - Organização Mundial de Comércio, seu foro principal. Tudo isso é função desta Casa.

Outros temas, Sr. Presidente, devem ser valorizados nessa pauta, pois convergem para a melhoria da qualidade das nossas relações microeconômicas e para a redução do chamado Custo-Brasil. Entre eles, considero prioritária a aprovação da Lei das Sociedades Anônimas, que está tramitando nesta Casa, e a regulamentação do art. 192 da Constituição Federal, que trata do sistema financeiro. Um País que quer crescer, que quer desenvolver-se precisa ter uma intermediação financeira decente e a custo apropriado.

Não sei se vamos conseguir tratar neste Governo, mas, pelo menos em algum momento de nossa história, precisamos consertar esse sistema tributário, que praticamente inferniza a vida da produção nacional.

Outro fato marcante da conjuntura é a greve das Polícias Civil e Militar nos Estados, que alerta para uma outra vertente em nossa pauta de discussões e que deveríamos trazer para o Senado. Penso que isso tudo tem a ver com a reforma urbana. A segurança pública requer uma atenção especial e urgente. Porém, temo que o debate realizado sob o calor dos acontecimentos descambe para respostas apressadas e artificiais.

O advogado e ex-Ministro José Carlos Dias apresentou, no jornal Folha de S. Paulo, em 29 de julho passado, os seguintes argumentos:

A idéia de militarização da polícia está na contramão da história. Reformas policiais no mundo inteiro enfatizam a importância de romper com as distâncias entre as hierarquias, de valorizar o poder discricionário do policial, de fortalecer os elos de comunicação entre polícia e sociedade, resgatando a figura do policial do bairro, e finalmente de incutir valores democráticos no interior da organização, para que estes se reflitam no cotidiano da ação policial. Somente uma polícia estrutura sobre valores democráticos poderá reproduzir tais valores em sua relação com a sociedade.

            Entro na questão dos fatos acorridos na Bahia, Pernambuco, Tocantins e em outros Estados. Penso que esses fatos servem para recolocar na ordem do dia a urgência de uma visão mais ampla de cidadania. O quadro de descontrole social a que assistimos não tem a sua origem apenas na ausência de polícia nas ruas, por mais críticas que sejam as greves dessa categoria. Estamos sentados em barris de pólvora nesses grandes centros urbanos que cresceram, nesses últimos 40, 50 anos, sem qualquer planejamento.

Sr. Presidente, o tratamento da segurança pública nos grandes centros deve ser acompanhado de uma política urbana e social. O Brasil precisa de estabilidade e confiança em suas instituições públicas. A nossa agenda, a agenda do Senado, deve fugir do provisório, para acabar de vez com o improviso das decisões, tomadas em momentos críticos. Medidas imediatistas são, na minha visão, muitas vezes até necessárias, porém, insuficientes para banir da vida nacional problemas conhecidos desde todo o sempre. Além do mais, em contrapartida, normalmente, exige-se mais sacrifício da população.

É fundamental que adotemos normas econômicas e sociais consistentes e, se possível, definitivas. É urgente o exame e a discussão aprofundados das questões que nos fragilizam interna e externamente. Somente assim, fortalecidos, estaremos aptos a enfrentar ou a evitar qualquer crise, seja ela econômica, política ou social.

Sr. Presidente, o velho Senado de Machado de Assis é o retrato de um modelo institucional extinto, mudado pela República e, por que não dizer?, enterrado pelo tempo. O velho Senado com o qual iniciei o meu pronunciamento, do intelectual Marco Aurélio Nogueira, é um alerta para o risco de uma instituição perder a sua dignidade. Por isso estou nesta tribuna. Por mim, prefiro que este velho Senado, esta Instituição, seja um palco permanente de renovação de idéias - é isso que me esforço por fazer, nesta Casa -, de propostas e da construção de alternativas reais, consistentes para o nosso País.

O Sr. Ricardo Santos (Bloco/PSDB - ES) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Concedo um aparte ao Senador Ricardo Santos e posteriormente ao Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Ricardo Santos (Bloco/PSDB - ES) - Senador Paulo Hartung, eu gostaria de parabenizá-lo pelo seu pronunciamento, em que V. Exª faz uma lúcida análise dos problemas brasileiros, em particular para o momento presente no qual o Governo Brasileiro, mais uma vez, discute o novo acordo com o FMI. E V. Exª, como um Senador, membro do Bloco de Oposição, faz uma abordagem de extrema relevância porque contribui para a necessária convergência de entendimento entre a Oposição e os Senadores da base governista com relação à crise brasileira hoje. Entende V. Exª que um acordo com o FMI é absolutamente necessário, evidentemente dependendo da análise dos termos desse acordo. Ressalto a importância do entendimento convergente para determinados aspectos da crise, em especial para a nossa vulnerabilidade externa, porque permite abertura de caminhos ou alternativas de discussão com o FMI, como, por exemplo, o estabelecimento de prazos mais longos para a obtenção de superávits que não estejam tão concentrados no tempo, como os que estão sendo exigidos no atual momento; ou seja, 3,35% este ano e 3,5% sobre o PIB do ano que vem. Sabemos que a exigência desses prazos tem relação com o nosso calendário eleitoral, com as incertezas que poderão advir com a sucessão, dentro de pouco tempo - sucessão que deverá ser debatida e decidida no ano que vem. O pronunciamento de V. Exª também permite a discussão de outro aspecto de extrema importância: a qualidade do gasto. Na obtenção do superávit primário, discutir a qualidade de alguns gastos como, por exemplo, os gastos com infra-estrutura, seja na área de energia, das telecomunicações e dos transportes. Esses gastos, se não forem previstos, programados e executados, e forem fortemente afetados pela política de obtenção de superávit primário, poderão trazer, no futuro breve, graves problemas para a economia brasileira. Eu o parabenizo e destaco que V. Exª - como um Senador que faz parte do Bloco de oposições, ao convergir na sua análise, no seu entendimento e nas suas propostas para aquilo que diz respeito à solução da crise e à discussão com os problemas do FMI - traz uma contribuição de grande relevância, para que possamos mudar a discussão desses acordos, transformando-os em acordos de médio e de longo prazo, e não em acordos de curto prazo que, muitas vezes, se transformam em arrocho fiscal, com grandes conseqüências negativas para a população brasileira.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Senador Ricardo Santos, incorporo o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento deixando claro, evidentemente, que nós, da Oposição, desejaríamos que o País não fosse obrigado a ter de recorrer novamente ao Fundo Monetário Internacional. Isso está muito claro no meu pronunciamento.

Aqui, estamos tentando fazer um debate sobre a situação econômica do País que o leva, de novo, ao Fundo Monetário Internacional e, ao mesmo tempo, estamos tentando traçar algo no que o Presidente interino desta Casa está se esforçando também: construir, a várias mãos, usando toda a nossa concentração, uma agenda para esta Casa, colando esta Casa na agenda do País.

É esse o esforço que me motivou a preparar esse pronunciamento e a trazer essa contribuição ao conjunto dos Senadores.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Senador Eduardo Suplicy, ouço V. Exª, mas peço que seja breve, porque estamos sendo alertados do tempo.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Peço ao Senador Eduardo Suplicy que seja breve, porque o tempo já está esgotado. Precisamos iniciar a Ordem do Dia.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente e Senador Paulo Hartung, em verdade, se eu não fizesse este aparte, eu levantaria uma questão de ordem ao Sr. Presidente. Tenho certeza de que o Senador Paulo Hartung, no mesmo sentido deste seu pronunciamento, irá incorporar essa minha questão. Em relação ao acordo do Brasil com o Fundo Monetário Internacional, ainda hoje pela manhã, encaminhei uma mensagem por fax ao Ministro Pedro Malan, nos seguintes termos:

V. Exª deverá comparecer à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, nesta terça-feira, para prestar esclarecimentos sobre o novo acordo do Fundo Monetário Internacional e debater o tema com os Senadores.

Escrevo-lhe para manifestar a minha estranheza com o fato de, até o momento, não ter sido enviada ao Senado a íntegra do referido acordo, vale dizer, a carta de intenções e o memorando técnico de entendimentos.

Sem esses documentos não há como formar uma idéia sobre o que foi negociado e realizar uma argüição séria sobre o acordo.

Assim, solicito o envio urgente dos documentos acima referidos.

            Senador Paulo Hartung, tenho a vontade de argüir da melhor maneira possível, no interesse do País, os Ministro Pedro Malan e Martus Tavares, amanhã, e o meu sentimento é de que, se não tivermos esses documentos na tarde de hoje, é possível que, amanhã, o Ministro Pedro Malan faça apenas uma figuração aqui. Certamente, S. Exª quer uma discussão séria, o que envolve termos conhecimento daquilo que foi explicitado nos acordos, para que tenhamos um mínimo de tempo para estudar e formular as perguntas da forma mais adequada possível. Como V. Exª, Senador Paulo Hartung, tem-se esmerado no estudo desta matéria, gostaria que V. Exª também possa ter todos os elementos para argüir o Ministro da Fazenda da melhor forma possível. Assim faço um apelo. Quero transmitir, Senador Edison Lobão, que falei há pouco com o Senador Lúcio Alcântara, Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, que está no Ceará, que me disse que iria tentar providenciar; mas certamente V. Exª, Sr. Presidente, que também terá o mesmo interesse de defesa da instituição, poderia acelerar o procedimento, chamando o Ministro Pedro Malan da forma mais cortês - que sei ser sempre a sua característica -, para que obtenhamos os documentos, porque, ainda na tarde de hoje, todos os Senadores certamente vão querer estudar o assunto. Obrigado.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Senador Eduardo Suplicy, agradeço o aparte de V. Exª.

Sr. Presidente, ao concluir o meu pronunciamento, registro que subscrevo pessoalmente o pedido que V. Exª apresenta ao Ministro Pedro Malan. Acredito que a Presidência poderá providenciar o envio desses documentos, de grande valia para esse debate, que evidentemente será rico, por se tratar de um tema que o País inteiro e os articulistas que hoje escrevem sobre Economia estão discutindo.

Amanhã, esta Casa será um centro importante de debate desse novo acordo. Conheceremos um pouco a visão dos dois Ministros e do Presidente do Banco Central e iniciaremos um processo que não precisará terminar amanhã. Poderemos dar outros passos em relação a esse debate nas próximas semanas.

Sr. Presidente, muito obrigado, inclusive pela compreensão em relação ao tempo.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Devo dizer aos Senadores Paulo Hartung e Eduardo Suplicy que a Mesa considera essa questão de fundamental importância para o Brasil.

Entendo que devemos todos nós debatê-la em profundidade, que é o que nos propomos a fazer, neste momento, no plenário do Senado da República. O Senado jamais se demitiu de suas funções essenciais e transcendentais, e essa é uma delas. Farei tudo que puder, como Presidente da Casa, para ajudar a enriquecer esse debate.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Portanto, entendo que V. Exª transmitirá o apelo ao Ministro Pedro Malan, para que os documentos cheguem hoje. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2001 - Página 16455