Discurso durante a 92ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM PELO TRANSCURSO, NO ULTIMO DIA 11, DO DIA DO ADVOGADO. ELOGIOS A ATUAÇÃO DA OAB.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • HOMENAGEM PELO TRANSCURSO, NO ULTIMO DIA 11, DO DIA DO ADVOGADO. ELOGIOS A ATUAÇÃO DA OAB.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2001 - Página 16543
Assunto
Outros > HOMENAGEM. MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, ADVOGADO, ELOGIO, ATUAÇÃO, BENEFICIO, ESTADO DE DIREITO, ESTADO DEMOCRATICO, REGISTRO, HISTORIA, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB).
  • IMPORTANCIA, CONCLUSÃO, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REGULAMENTAÇÃO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pode ter certeza V. Exª, Sr. Presidente, de que não vou privar os outros Colegas que estão inscritos do direito de também fazerem uso da palavra na tarde de hoje, porque eu gostaria, neste momento, de fazer algumas ponderações em homenagem ao dia do advogado que tivemos no último dia 11.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o transcurso de mais um Dia do Advogado, ocorrido em 11 de agosto, traz-me à tribuna com o objetivo de associar-me às comemorações em homenagem a essa categoria profissional que tanto tem contribuído, ao longo de nossa história, para a defesa do Estado Democrático de Direito, para o aprimoramento do ordenamento jurídico e para a garantia dos direitos e das liberdades fundamentais.

Parece-me oportuno, no momento em que se enaltece o labor dos advogados e a sua contribuição para a vida nacional, recuperar um pouco da história da sua entidade de classe, a Ordem dos Advogados do Brasil. Afinal, a OAB vem desempenhando papel da maior relevância nos grandes embates político-jurídicos que, ao longo das últimas sete décadas, galvanizam a atenção de tantos quantos se preocupam com o destino do País.

As origens mais remotas da OAB situam-se no distante ano de 1843, data de fundação do Instituto dos Advogados do Brasil, entidade cultural organizada com a precisa finalidade de promover a criação de um órgão de seleção e de tutela dos advogados.

No entanto, entre a formalização do propósito de se criar o referido órgão e a sua efetiva institucionalização, quase 90 anos passaram-se. Ocorre que o pronunciado individualismo que caracterizou a primeira Constituição republicana de 1891, sedimentada pelo mais ilustre advogado da história brasileira, nosso patrono, Rui Barbosa, não ensejava qualquer interferência do Poder Público no exercício das profissões. Assim, foi somente no calor do ambiente revolucionário de 1930, em sintonia com os anseios de renovação e modernização do País, que surgiu a Ordem dos Advogados do Brasil, instituída pelo art. 17 do Decreto n.º 19.408, de 18 de novembro de 1930.

Já no seu nascedouro, a instituição opunha-se aos desmandos e anacronismos da República Velha e advogava a construção de uma ordem jurídica que expressasse as demandas da Nação por justiça social e que estivesse, efetivamente, em consonância com os ideais republicanos.

Nada obstante seu nascimento imbricado com a Revolução de 1930, não hesitou a OAB em assumir posição crítica em relação ao Governo dela originado, quando este passou a quebrar os compromissos do movimento, em especial após o advento do Estado Novo. Sequer vacilou a entidade em profligar a legitimidade de atos do próprio Presidente Vargas, signatário do decreto que lhe deu existência. Assumiu dimensão histórica, por exemplo, o documento em que o Instituto dos Advogados de Pernambuco, pela unanimidade de seus membros, preparando já o ocaso do Estado Novo, declarou corajosamente a nulidade das leis constitucionais expedidas por Getúlio com o intuito de procrastinar a convocação de uma Assembléia Constituinte e de assegurar sua continuidade no poder.

Com efeito, durante os 15 anos do Governo Vargas, a OAB esteve sempre na linha de frente da resistência democrática. Naquela época e durante muito tempo, a maioria dos que seguiam a carreira política tinha passado pelos bancos das Faculdades de Direito. A Ordem, por seu turno, colocava-se fora do jogo partidário - tradição que continua a honrar até o presente -, mas questionava a conduta dos governantes e lutava pelo aprimoramento da ordem jurídica.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com o final da Segunda Grande Guerra, em 1945, veio a redemocratização e a Assembléia Constituinte de 1946, momento em que o País, seus anseios, perspectivas e compromissos foram colocados em discussão. A Ordem teve um papel exponencial nesse processo, que teria em seus desdobramentos as lutas nacionalistas dos anos 50, entre as quais pontificava a do petróleo, resultando na criação da Petrobras.

Nesse período, as conquistas da redemocratização e a nova Constituição estiveram freqüentemente ameaçadas pelos movimentos impulsionados pela exacerbada tensão ideológica característica do ambiente da chamada Guerra Fria. Nessa conjuntura, a OAB postou-se sempre solidária aos que defendiam o Estado Democrático de Direito e a Constituição, condenando os radicalismos, tanto da direita quanto da esquerda.

Quando as sucessivas invectivas reacionárias foram finalmente bem-sucedidas, em 1964, teve início a mais longa ditadura da história independente do Brasil. Ao longo de 20 anos, a sociedade perdeu gradualmente os mais elementares direitos de cidadania. O País viveu anos de chumbo, com a imprensa sob censura e os direitos e as garantias individuais suspensos - inclusive o de habeas corpus. Prisões políticas, torturas, cassações de mandato e eliminação física de adversários do regime tornaram-se constantes.

Mais uma vez, foi altaneira a postura dos advogados brasileiros, insurgindo-se, pelo oráculo do Conselho Federal da Ordem, contra a quebra da legalidade em 1964 e, novamente, em 1969, quando da outorga da Emenda Constitucional nº 1. A OAB denunciou, em especial, os dispositivos dos atos institucionais que subtraíam da apreciação do Poder Judiciário os atos do autodenominado “Governo Revolucionário”.

Apesar do ambiente fortemente repressivo, a sociedade civil gradativamente começou a mobilizar-se, encontrando canais para manifestar seu descontentamento e sua aspiração por liberdade. Com a retumbante vitória eleitoral da Oposição em 1974, o regime militar concluiu que sua melhor alternativa de sobrevivência era dar início a um controlado processo de distensão política. Foi a chamada abertura lenta e gradual, proposta pelo Governo Geisel, o quarto após o golpe.

Nesse momento, a Ordem dos Advogados do Brasil foi chamada a cumprir missão de extraordinária dimensão histórica. O então Presidente desta Casa, Senador Petrônio Portella, incumbido pelo Poder Executivo de operar o processo de distensão, procurou o então Presidente da Ordem, Raymundo Faoro, em busca de interlocução. Foi a vez primeira em que o regime militar levou em consideração, de modo oficial, a existência da sociedade civil organizada e, dentro dela, a OAB foi logo percebida como peça-chave do processo institucional brasileiro.

Como resultados imediatos da “abertura”, houve a revogação dos atos institucionais e o fim da censura prévia à imprensa. Ainda mais importante, contudo, foi o fato de que o processo de “abertura” preparou o ambiente político-militar para que o Governo seguinte, do General João Figueiredo, cedesse às pressões por anistia e pela restauração de eleições diretas para Governador de Estado e permitisse uma disputa sucessória entre dois civis, embora ainda travada no espúrio colégio eleitoral.

Nesse último Governo militar, a OAB teve participação destacada - juntamente com outras instituições de grande representatividade, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB; a Associação Brasileira de Imprensa, ABI; e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC - na mais massiva mobilização política jamais ocorrida na História do Brasil: a campanha pelas “Diretas Já”.

Em resposta ao tonitruante clamor popular pelo fim da ditadura, pelo direito de eleger o primeiro mandatário da Nação, as forças mais obscuras do regime perpetraram diversos atentados a bomba. Um deles teve como alvo exatamente a Ordem dos Advogados do Brasil, vitimando Dona Lyda Monteiro da Silva, Secretária da Presidência do Conselho Federal. Pagando com o sangue de uma funcionária pelo seu engajamento na luta em defesa do Estado Democrático de Direito, a Ordem recebeu um atestado cabal de sua sintonia com as aspirações mais altas do povo brasileiro.

Virada a página do regime militar, com a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney, a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte era corolário necessário da restauração da democracia. A OAB, com a autoridade de quem foi protagonista da resistência à ditadura, pleiteou, em sucessivas conferências de âmbito nacional, a convocação da Constituinte e empenhou-se para que ela fosse exclusiva, sabedora de que o exercício paralelo de funções de Congresso Nacional contaminaria seus interesses.

A derrota da tese da Constituinte exclusiva foi, certamente, responsável por alguns casuísmos consagrados no Texto constitucional, como a manutenção do instituto da medida provisória, típico instrumento operacional do sistema parlamentarista de governo, apesar da opção final dos constituintes pelo sistema presidencialista.

A propósito, este tema está sendo debatido agora e o Congresso Nacional pretende alterar essa questão, pelo menos diminuindo, não dando mais condições para que o Governo eternamente edite medidas provisórias.

Finalmente, Sr. Presidente, a emenda proposta pelo Senador Osmar Dias chegou ao plenário nas últimas semanas, tendo sido votada pela primeira vez para que, de uma vez por todas, não possa mais o Executivo governar, sendo Executivo e Legislativo ao mesmo tempo.

Trata-se, de fato, de uma excrescência que tem marcado o processo político até os dias de hoje. No sistema presidencialista, as Medidas Provisórias usurpam prerrogativas do Legislativo e criam o Governo do legislador solitário, que pode tudo e não dá satisfações a ninguém. A OAB denunciou essa distorção na origem e, desde então, vem lutando incansavelmente para corrigi-la. É alvissareiro que, finalmente, possamos vislumbrar uma vitória, ao menos parcial, nessa luta, com a tramitação, já em fase final, da emenda constitucional que limita a edição de medidas provisórias.

Mas a democracia, Sr. Presidente e caros colegas, precisa ser construída dia-a-dia. Derrotada a ditadura militar, eleitores e homens públicos têm sido chamados a realizar, ao longo dos últimos dezesseis anos, o árduo aprendizado democrático. Nesse período, a demanda por ética na política tornou-se uma das mais obstinadas bandeiras da sociedade brasileira.

Também nesse aspecto, a OAB desempenha papel determinante. Coube-lhe a iniciativa de propor o processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, no bojo do qual se desvendou uma rede de corrupção dentro do Estado. A partir do impeachment, foi deflagrada no seio das instituições políticas brasileiras uma autêntica “operação mãos limpas”, ainda em curso. Capítulo importante desse processo foi a chamada CPI dos Anões do Orçamento, que promoveu significativa depuração no Poder Legislativo da União.

            Na verdade, não se pode apontar uma única circunstância em que os interesses do Brasil estejam sendo prejudicados sem que a OAB faça ouvir o seu protesto. Em mais de uma oportunidade, os acordos firmados pelo Governo com o Fundo Monetário Internacional, prejudiciais ao País e eivados de inconstitucionalidade, foram representados ao Procurador-Geral da República, ao tempo em que este detinha a legitimação exclusiva para propor ação direta de inconstitucionalidade.

Nos dias que correm, a palavra-chave da atuação político-social da OAB continua sendo cidadania. Seu empenho, hoje, é dar conteúdo ético à democracia brasileira, torná-la real e efetiva -- e não mera figura de retórica. Ciente de seu papel institucional, da importância social que tem, a OAB está hoje empenhada em numerosas frentes de atuação, sempre em defesa dos direitos e interesses da sociedade.

Sem vínculos partidários, sem sectarismos ou predisposições ideológicas, a OAB tem marcado presença em diversos fronts onde a defesa dos direitos humanos, da ética, da cidadania e do Estado Democrático de Direito se faça necessária.

Não faltam exemplos concretos. A sucessão de violências no campo, contra os camponeses sem terra, motivou a criação do Fórum Nacional Contra a Violência no Campo, instância de vigilância que tem denunciado arbitrariedades e atuado no sentido de impedir a impunidade daqueles que teimam em agredir os direitos fundamentais do homem.

A luta pela ética na política - sobretudo por ética nas eleições - envolveu os advogados na criação de outro fórum: o Fórum Nacional Permanente pela Ética na Política, que reúne entidades e personalidades da sociedade civil que compartilham do mesmo objetivo, entre as quais a ABI e a CNBB.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao longo dos últimos 70 anos, a Ordem dos Advogados do Brasil serviu de paradigma à sociedade brasileira, colocando-se fora do jogo partidário, mas absolutamente engajada no aprimoramento da ordem jurídica e das instituições e em busca de ampliar direitos sociais. O desafio que a Ordem hoje se coloca é fazer, juntamente com os demais setores organizados da sociedade civil, com que o Brasil comece a dar conteúdo a essas duas palavras vitais para a preservação da dignidade humana: justiça e cidadania.

Nesse seu combate de décadas, a Ordem dos Advogados do Brasil tem sido uma verdadeira sentinela do povo brasileiro em defesa desses valores.

Neste singela homenagem a minha OAB, a nossa OAB, estendo meus cumprimentos a todos os colegas do Brasil pelo transcurso de nossa data comemorativa.

Sr. Presidente, nobres Colegas, não poderia deixar transcorrer em branco esta data, mais um aniversário, mais uma luta, porque, ao longo de sete décadas, a OAB, nas horas mais difíceis, mais importantes, sempre se fez presente, sempre esteve atenta.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2001 - Página 16543