Discurso durante a 93ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

JUSTIFICATIVA A APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO DE VOTO DE CENSURA AOS CIENTISTAS QUE ANUNCIARAM A REALIZAÇÃO, DE CLONAGEM HUMANA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • JUSTIFICATIVA A APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO DE VOTO DE CENSURA AOS CIENTISTAS QUE ANUNCIARAM A REALIZAÇÃO, DE CLONAGEM HUMANA.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/2001 - Página 16803
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, DECLARAÇÃO, FAMILIA, DEBORAH BALAZS, CIDADÃO, NACIONALIDADE BRASILEIRA, VITIMA, ATENTADO, PAIS ESTRANGEIRO, ISRAEL, PRECARIEDADE, ASSISTENCIA, EMBAIXADA DO BRASIL.
  • LEITURA, NOTA OFICIAL, AUTORIA, ITAMARATI (MRE), ESCLARECIMENTOS, POSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, CONDENAÇÃO, VIOLENCIA, ATENTADO, REGISTRO, PESAMES, FAMILIA, VITIMA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ITAMARATI (MRE), ESCLARECIMENTOS, ABANDONO, EMBAIXADA DO BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ISRAEL, VITIMA, ATENTADO.
  • JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, SOLICITAÇÃO, SENADO, ELABORAÇÃO, VOTO, CENSURA, CIENTISTA, ANUNCIO, CLONE, VIDA HUMANA, AMEAÇA, PATRIMONIO, GENETICA, MUNDO.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago ao plenário do Senado uma matéria publicada, ontem e hoje, no jornal Folha de S.Paulo, até mesmo pela função que exerço como membro titular da Comissão de Relações Exteriores.

É uma matéria que, sem dúvida alguma, desperta interesse e alguma indagação por parte do Parlamento em relação ao Itamaraty. O artigo intitulado Indiferença Diplomática afirma o seguinte:

Raquel Santilli, prima de Deborah Balazs, brasileira ferida no atentado de Jerusalém ficou indignada com o tratamento dispensado à família pela Embaixada do Brasil em Israel: “A assistência foi quase nenhuma.”

            Ora, Sr. Presidente, trata-se de um incidente que vitimou um brasileiro e feriu dois outros membros da mesma família. Por isso causou-nos profunda surpresa esse tipo de comentário veiculado na imprensa hoje.

Em resposta às críticas, o Embaixador do Brasil em Israel, José Nogueira Filho, de 64 anos, afirmou que o serviço diplomático brasileiro está “tomando todas as providências” e prestando assistência institucional à família.

Mas, segundo Raquel Santilli Villares, 51 anos, prima-irmã de Deborah: “A Embaixada só tomou alguma providência depois de meu irmão ir ao Itamaraty” e prestar o depoimento sobre a situação de abandono e de distância do serviço consular em relação ao caso.

Essa é uma situação que nos causa preocupação, porque não é possível imaginar que a Embaixada seja um ambiente frio, esteja onde estiver, onde os preceitos constitucionais não sejam observados e prevaleça o culto à vaidade ou a outras situações que não o cumprimento constitucional.

Tive o cuidado de fazer uma consulta informal ao Embaixador João Carlos de Souza Gomes, que representa o Itamaraty no Comitê de Assessoria de Relações com o Congresso brasileiro, que, com sensibilidade imediata e pronta atenção, respondeu:

Sr. Senador,

Segue, em anexo, para conhecimento de V. Exª, nota divulgada à imprensa, datada de 10 do corrente, a respeito do atentado do dia 9, em Jerusalém, pela qual o Itamaraty, prontamente, deplora e repudia o grau de hostilidade e intolerância existente na região e expressa seu pesar profundo à família do cidadão brasileiro vitimado na ocasião.

            Por uma questão de justiça, vou ler a nota do Itamaraty, datada de 10/08/2001. Ela diz o seguinte:

Nota à imprensa

O Governo brasileiro tomou conhecimento com grande consternação do atentado ocorrido em Jerusalém, no dia 9 de agosto corrente, que vitimou numerosos civis inocentes, inclusive três brasileiros.

Ao deplorar e repudiar inequivocamente esse ato covarde, o Governo brasileiro condena vigorosamente todas as ações de violência, que apenas servem para agravar a situação no Oriente Médio, aumentando o grau de hostilidade e intolerância entre palestinos e israelenses.

O Governo brasileiro expressa o seu profundo pesar à família do Sr. Jorge Balaz, em especial a sua esposa e filha também atingidas, e às famílias das demais vítimas desse bárbaro atentado.

O Governo brasileiro renova o seu veemente apelo às partes envolvidas no sentido de que respeitem a trégua recentemente acordada, fazendo cessar a espiral de violência que tem por objetivo impedir o diálogo e a negociação, essenciais para que se alcancem paz definitiva e estabilidade na região.

Portanto, o Itamaraty parece ter cumprido judiciosamente a sua função constitucional em relação à matéria. O representante do Itamaraty no Congresso Nacional de pronto deu atenção ao assunto tratado pelo jornal Folha de S.Paulo e à indagação que fiz.

A seguir, apenas como lembrança, citarei a responsabilidade consular, constante dos manuais do Itamaraty, com brasileiros que ou residam ou estejam de passagem por outro país.

Papel explícito da atividade consular:

Proporcionar a assistência cabível ao cidadão que esteja em dificuldades (doença, acidente, roubo, processo judicial, prisão, etc.).

Outras atribuições:

A Autoridade Consular, dentro de sua jurisdição, prestará toda assistência e proteção aos cidadãos brasileiros domiciliados, residentes e de passagem.

Outro item:

As Autoridades Consulares e os funcionários encarregados do atendimento ao público deverão agir sempre com paciência e cortesia e orientar os brasileiros na resolução de seus problemas.

Outro item:

As ocorrências envolvendo brasileiros, cuja gravidade, a critério do Chefe do Posto, assim o justifique, serão objeto de comunicação à Secretaria de Estado.

            Dessa forma, Sr. Presidente, fica evidente que existe uma responsabilidade distinta, com cidadãos brasileiros que passam por qualquer tipo de constrangimento, por parte das autoridades consulares, que estão indissociadas da responsabilidade da Embaixada. 

Entendo que a matéria veiculada no jornal Folha de S.Paulo encontra ressonância no Congresso Nacional, que solicita ao Itamaraty que, apesar de já ter cumprido o seu papel constitucional e institucional, com a nota que veiculou no dia 10 do corrente mês, esclareça também o que houve de fato que gerou crítica da família, que alegou um sentimento de abandono pela atuação da Embaixada brasileira em Israel.

Acrescento um outro requerimento que pude apresentar - não o estou apresentando hoje à Mesa do Senado Federal -, que envolve um assunto que está na agenda das mídias nacional e internacional, a clonagem de seres humanos e um anúncio feito por três cientistas de que estarão utilizando essa técnica nos próximos 30 dias.

A matéria tem uma gravidade ímpar, porque, seguramente, esse é um ato mais expressivo e mais preocupante do que a tentativa da prática de eugenia, realizada por alguns nazistas. Sem dúvida alguma, essa prática pode ferir princípio científico da sobrevivência e da afirmação estável da espécie humana, exatamente o da diversidade genética.

Entendo que o Parlamento brasileiro tem a responsabilidade de tomar conhecimento técnico da matéria, de buscar uma compreensão do mérito desse assunto e de fazer um pronunciamento claro, o mais bem-informado possível, porque ele diz respeito ao futuro da espécie humana e ao futuro da nossa sobrevivência. Sem dúvida alguma, esse tema contém elementos que podem ferir todos os princípios que norteiam a constituição de qualquer país democrático que aborde a dignidade humana.

            Eis o requerimento que apresentei à Mesa, que será lido hoje:

            Requeiro, nos termos do disposto nos arts. 222 e 223 do Regimento Interno do Senado Federal, após manifestação da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que o Senado Federal formule um voto de censura aos cientistas Panayiotis Zavos, Severino Antinori e Brigitte Boisselier, apontando a indignação dos brasileiros frente ao anúncio de que irão clonar seres humanos, a despeito dos riscos de tal prática, considerada moral e cientificamente inaceitável por parte da comunidade científica nacional e internacional e nociva ao patrimônio genético da humanidade.

Justificação.

            O Brasil não pode, em face das assustadoras notícias que nos chegam pela imprensa falada e escrita, furtar-se a manifestar, em nome de todos os cidadãos brasileiros, o seu repúdio incontinente à grotesca decisão dos cientistas supracitados, de clonar seres humanos, ainda que, para isso, tenham que fazê-lo em nações onde existem brechas legais ou mesmo em águas internacionais, longe da fiscalização e do acompanhamento da comunidade científica. Tal decisão, que fere todos os princípios éticos e filosóficos até agora defendidos pelas sociedades, encontrou um único paralelo ao longo da história do humanidade, qual seja, aquele da eugenia, colocado em prática durante a II Guerra Mundial sob os auspícios do nazismo. Representará, em última análise, um desrespeito absoluto ao mais elementar dos direitos humanos, qual seja, o da preservação de nosso código genético. São experimentos que ameaçam a diversidade entre os seres humanos e os animais, colocando em risco a evolução das espécies, pois promovem alterações em seu DNA cujas conseqüências são incalculáveis.

A modalidade de reprodução assexuada ora proposta por esses cientistas é extremamente perigosa para seres como nós, programados para reproduzir a partir dos nossos óvulos e espermatozóides. Tais experiências poderão causar a morte e a deformação de dezenas ou até centenas de fetos humanos, como sugerem as experimentações hoje empreendidas com animais, onde o índice de insucesso é da ordem de 99% - e no 1% restante o clone vinga, mas não está livre de conter anomalias genéticas que só se expressarão futuramente.

Por todos esses motivos, a clonagem de seres humanos com fins reprodutivos é contestada técnica e cientificamente pela comunidade científica mundial e é considerada inaceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que, apesar de repudiá-la, carece de poder jurídico para impor sanções ou limites à atuação da comunidade científica de determinado país. Nas atuais circunstâncias, apenas os governos podem tomar alguma atitude legal para coibir a irresponsabilidade e os abusos cometidos em nome da ciência.

O enorme volume de capital envolvido nesse tipo de pesquisa, aliado ao desejo de parcela da população infértil de ter um filho a qualquer custo, estimula a cobiça por parte dos profissionais da medicina, que não medem esforços nem meios para chegar em primeiro lugar na disputa por disponibilizar novas técnicas reprodutivas. A manipulação genética é um divisor de águas entre os velhos e os novos tempos, somente comparável, em importância filosófica, à descoberta de Galileu Galilei, que, contrariando a crença vigente, demonstrou que a Terra girava ao redor do sol, mudando assim o eixo da vida no planeta e no espaço.

Os conflitos éticos com os quais nos vemos às voltas atualmente decorrem do descompasso entre a rapidez com que surgem novas tecnologias e as nossas reflexões sobre as mesmas. Assim sendo, creio que faz-se imperativo que o Brasil firme sua posição alinhando-se a todos os cientistas comprometidos com a bioética, com a defesa inconteste da ética e da dignidade humana, bandeira essa que merece ser hasteada além das fronteiras geopolíticas.

A Drª Eliane Azevedo, umas de nossas respeitáveis autoridades no assunto, Professora Titular na Universidade de Feira de Santana, na Bahia, lembra que nem tudo o que é tecnicamente possível é, por si só, admissível do ponto de vista ético, ou seja, o limite da ciência deverá ser sempre a dignidade humana. Cabe a nós, neste momento decisivo para a evolução da vida na Terra, garantir às futuras gerações a herança sobre o nosso patrimônio genético.

            Leio este requerimento, que será apreciado hoje pela Mesa do Senado Federal, na intenção de que esta Casa cumpra a responsabilidade que tem. Não há dúvida de que esse é um assunto da mais elevada complexidade. Exige discernimento e compreensão técnica básica por parte do Parlamento brasileiro.

Tenho o desafio de ser o Relator de uma matéria sobre reprodução humana na Comissão de Assuntos Sociais, dando continuidade a um trabalho que foi iniciado aqui pelos Senadores Lúcio Alcântara e Roberto Requião.

Espero poder, nos próximos dias, apresentar o meu parecer, o meu substitutivo, com o entendimento do conteúdo, da profundidade, da responsabilidade dessa matéria.

É bom lembrar que o Vaticano tem-se posicionado, que bispos de todas as igrejas do planeta têm-se manifestado sobre a matéria, que cientistas da área da bioética também o têm feito, e que é fundamental que o Congresso brasileiro esteja à altura do seu tempo e das suas responsabilidade e trate com profundidade e atenção essa matéria.

Por essa razão apresento o requerimento, entendendo que não podemos ficar omissos e alheios diante de tema tão relevante.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/2001 - Página 16803