Discurso durante a 96ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

INCONFORMIDADE COM A AÇÃO RESCISORIA COM EFEITO SUSPENSIVO, IMPOSTA PELO GOVERNO FEDERAL, PARA PAGAMENTO DE PRECATORIOS AOS PROFESSORES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE. LEITURA DA CARTA DE SANTANA, RESULTANTE DE SEMINARIOS REALIZADOS EM MUNICIPIOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, A SER ENCAMINHADA AO PRESIDENTE DA REPUBLICA, QUE PROPÕE AÇÕES EMERGENCIAIS PARA O ENFRENTAMENTO DA SECA NORDESTINA.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. CALAMIDADE PUBLICA.:
  • INCONFORMIDADE COM A AÇÃO RESCISORIA COM EFEITO SUSPENSIVO, IMPOSTA PELO GOVERNO FEDERAL, PARA PAGAMENTO DE PRECATORIOS AOS PROFESSORES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE. LEITURA DA CARTA DE SANTANA, RESULTANTE DE SEMINARIOS REALIZADOS EM MUNICIPIOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, A SER ENCAMINHADA AO PRESIDENTE DA REPUBLICA, QUE PROPÕE AÇÕES EMERGENCIAIS PARA O ENFRENTAMENTO DA SECA NORDESTINA.
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/2001 - Página 17445
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, SOLIDARIEDADE, PROFESSOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), SIMULTANEIDADE, DISCORDANCIA, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, IMPETRAÇÃO, AÇÃO RESCISORIA, EFEITO SUSPENSIVO, SUSTAÇÃO, EXECUÇÃO JUDICIAL, TRANSITO EM JULGADO, PAGAMENTO, PRECATORIO, DESRESPEITO, MAGISTERIO.
  • CRITICA, FORMA, UTILIZAÇÃO, AÇÃO RESCISORIA, BRASIL, IMPEDIMENTO, CUMPRIMENTO, AÇÃO JUDICIAL, RECONHECIMENTO, DIREITOS, PROFESSOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN).
  • LEITURA, DOCUMENTO, RESULTADO, SEMINARIO, MUNICIPIOS, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), ENDEREÇAMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROPOSIÇÃO, MEDIDA DE EMERGENCIA, COMBATE, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, SITUAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), SUPERIORIDADE, PRODUÇÃO, PETROLEO, ATIVIDADE RURAL.
  • QUESTIONAMENTO, POLITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FECHAMENTO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), AUSENCIA, INCLUSÃO, TOTAL, MUNICIPIOS, ZONA RURAL, RECEBIMENTO, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS, PERIODO, OCORRENCIA, SECA.

O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, receio iniciar minhas palavras pedindo, desde logo, a complacência da Mesa, pois dois temas me trazem à tribuna no dia de hoje. O primeiro deles diz respeito à apreciação em torno de um fato concreto, uma questão a respeito da qual eventualmente tenho discorrido desta tribuna, relacionada ao tratamento dispensado atualmente a precatórios que envolvem, como sempre, a obrigação de pagar, por parte do Governo brasileiro.

Está prestes a ser decidida pelo Tribunal Superior do Trabalho uma questão de interesse dos professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tendo sido esgotados os recursos em todas as instâncias sobre um direito que postularam administrativamente, e depois judicialmente, chegou-se ao final com uma decisão favorável aos professores. Essa decisão ensejou a expedição de um precatório a fim de que o Governo Federal pagasse o que a Justiça reconheceu como devido aos professores do Rio Grande do Norte. Amanhã vai ser julgado o recebimento ou não de uma ação rescisória, com efeito suspensivo, por meio da qual o Estado brasileiro procura sustar a execução de uma decisão judicial transitada em julgado.

Em primeiro lugar, desejo expressar com clareza minha solidariedade aos professores, porque percorreram, na discussão do seu direito, os caminhos institucionais. Não optaram por itinerários atípicos, heterodoxos; percorreram os caminhos institucionais. E a instituição brasileira encarregada de dirimir as questões e controvérsias de direito, que é a Justiça, reconheceu o direito que estava sendo postulado.

O que me traz à tribuna não é apenas o desejo de expressar essa solidariedade, mas também o registro de uma estranheza que tenho em relação ao fato de que, na prática processual brasileira, a ação rescisória deixou de ter a sua característica fundamental, que é a propositura de uma nova ação por meio da qual se procura provar que, na ação anterior, houve fatos não apreciados ou não conhecidos devidamente que levaram a Justiça a tomar decisões equivocadas, portanto, fatos novos, como seria, por exemplo, a revelação de que o juiz decidiu sob pressão, sob coação, sob ameaça, e que a sua sentença, portanto, teria sido diferente se isso não tivesse ocorrido. Isso, sim, é que ensejaria a propositura de uma ação rescisória. Mas estamos, no Brasil, transformando a ação rescisória numa verdadeira nova instância recursal. Esgota-se o processo, a decisão final da Justiça é proferida, emite-se o precatório, que nada mais é que um documento por meio do qual a Justiça comunica ao Poder Público que ele foi condenado em última instância e que deve cumprir a condenação. Mas o Poder Público, sistematicamente, independente do conteúdo da ação, recorre à ação rescisória como forma de protelar o cumprimento da obrigação que a Justiça lhe está impondo.

Nós, do Congresso Nacional, alteramos a Constituição Federal para dar ao Estado um direito que o cidadão não tem, que é o de pagar precatórios em dez anos. Uma vez condenado, o cidadão terá que pagar imediatamente aquilo que deve ao Poder Público. Nenhum cidadão pode alegar que não paga porque aquela obrigação não está no seu orçamento ou porque não pode, porque não dispõe de recursos. Ele tem que pagar. Quando se trata do Estado, ou seja, para que o Estado pague ao cidadão, nós, Congresso Nacional, demos a ele o direito de pagar em dez anos aos cidadãos aquilo que reconhecidamente deve. Como se não bastasse isso, instituiu-se agora a ação rescisória com efeito suspensivo. Ação rescisória, por definição, é uma outra ação; não é um recurso dentro da ação transitada em julgado. E um dos fundamentos, uma das justificativas, uma das condições para que uma ação rescisória seja aceita é que haja algo novo a ser discutido no litígio a que se refere. E as ações rescisórias estão sendo sistematicamente apresentadas para discutir o que já está discutido e para pedir à Justiça que julgue de novo o que ela já julgou.

Por tudo isso entendo que o pagamento das obrigações do Estado brasileiro precisa ser equilibrado como o direito que têm os cidadãos de pagar as suas obrigações ao Estado brasileiro. É por esse motivo que abro o meu pronunciamento com este registro, expressando não apenas minha solidariedade aos professores, manifestando não apenas a minha esperança de que a Justiça encontre os caminhos para garantir o direito que já lhes reconheceu, mas como uma forma também de consignar a minha inconformidade com a maneira como, com a cumplicidade do Congresso Nacional, está-se tratando hoje a questão das obrigações financeiras do Estado brasileiro para com os cidadãos.

            O segundo assunto que me traz à tribuna é fruto dos levantamentos que fiz no período de recesso, percorrendo as várias regiões do meu Estado. Trata-se de um assunto velho, cansado por si mesmo e cansativo, um assunto que, aos ouvidos e à sensibilidade dos brasileiros de outras regiões, é enfadonho e aparentemente exaurido: a seca no Nordeste.

Para discorrer sobre esse tema, já ocupei esta tribuna muitas vezes. Entretanto, estive no Rio Grande do Norte durante o mês de julho, acompanhando a situação que o Estado atravessa e verifiquei, com profunda preocupação, a maneira como a questão está sendo tratada neste ano.

Participei, naquele Estado, de três encontros a que estavam presentes não apenas representantes de instituições envolvidas com o trabalho técnico relacionado à agricultura e à pecuária do Estado, mas também e sobretudo de sindicatos de trabalhadores rurais, de organizações da sociedade, da Igreja Católica, estudiosos, pensadores. Todos discutiram o assunto de maneira serena, objetiva, pretendendo chegar a proposições que, afinal, foram escritas e consubstanciadas num documento chamado Carta de Santana. O documento recebeu esse nome por ter sido assinado no momento em que, na cidade de Caicó, onde se realizava o último desses encontros, também se celebrava uma das mais tradicionais festas da região, a festa da padroeira do Município, Nossa Senhora Santana.

Essa carta começa com um texto bastante breve, que me permito ler, pois é presumivelmente encaminhada ao Senhor Presidente da República. Tendo participado do encontro, fui convocado pelos seus integrantes a cumprir um dever que tenho como Senador da República, representante do Rio Grande do Norte nesta Casa. Eles me diziam, com toda a razão, que, se a sociedade desejava expressar claramente uma posição e se ali estava presente um Senador, este Senador tinha o dever de transformar-se no porta-voz da sociedade, transmitindo aquela mensagem ao País e às autoridades responsáveis pelas questões tratadas.

            O documento, datado de 25 de julho de 2001, contém esta mensagem ao Senhor Presidente da República:

Os produtores rurais, as entidades de classes trabalhadoras e patronais, a Igreja, órgãos públicos e privados, e o Fórum de Secretários da Agricultura do Nordeste, após amplo debate com a sociedade civil organizada, através da realização de fóruns públicos e seminários, reunidos, por último, na cidade de Caicó, Rio Grande do Norte, localizada geograficamente entre os cinco maiores núcleos de desertificação do Brasil, referendam e defendem a imediata implantação das recomendações contidas no documento intitulado “Carta de Santana, Ações Sustentáveis de Convivência com a Estiagem no Semi-árido”.

As ações e medidas, de caráter meramente emergencial e compensatório, não cabem mais a uma região que, desde 1707, lida com esse fenômeno climático, sem que as autoridades nacionais assumam nossa realidade e implementem uma política pública estruturadora e permanente que torne o semi-árido nordestino viável e sustentável, tanto quanto outras regiões de clima árido espalhadas pelo globo terrestre.

Na certeza de que o Governo de Vossa Excelência não deseja, em pleno terceiro milênio, fazer parte da triste literatura registrada desde o início do século XVIII, de descaso e irresponsabilidade, que levaram milhares de nordestinos ao sofrimento da fome e da sede, encaminhamos-lhe as propostas contidas na Carta de Santana, legitimadas e ratificadas no seminário de “Ações Sustentáveis de Convivência com a Estiagem no Semi-árido”.

            Este documento termina por propor duas linhas de conduta. A primeira refere-se a ações emergenciais para lidar com a situação, que já está criada. Hoje estamos vivendo um ano de dificuldades com a seca, que devasta praticamente todo o semi-árido e transborda com seus efeitos para as áreas úmidas mais próximas do litoral, em toda a região.

Propõe-se, concretamente, um programa de ações imediatas de enfrentamento das conseqüências da estiagem, ao lado do que eles chamam de atividades estruturantes no segmento de recursos hídricos capazes de manter e/ou absorver mão-de-obra, atividades econômicas capazes de manter as famílias nas suas unidades produtivas, atividades de infra-estrutura socioeconômica de natureza pública e/ou privada capazes de manter e/ou absorver mão-de-obra, produção de materiais para obras comunitárias, ações estratégicas na área de educação e qualificação profissional para convivência com o ambiente semi-árido, estabelecimento de medidas creditícias para dar suporte às atividades de investimento e custeio das propriedades rurais. Trata-se de uma lista dos principais temas discutidos nos seminários.

As reuniões iniciaram-se na cidade de Parelhas. Uma semana depois, um novo encontro deu-se na cidade de São João do Sabugi. O terceiro encontro ocorreu na cidade de Caicó, onde foi assinada essa Carta de Santana.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em relação ao que está sendo feito para lidar com a situação de emergência, gostaria imensamente que esta Casa compreendesse a natureza desse problema. O Nordeste não é uma região de calamidade pública. Se o Nordeste fosse um país, seria um grande país, com quase 50 milhões de habitantes. O Nordeste também não é um peso nas costas do Brasil.

Para não me alongar sobre o assunto, darei uma única informação sobre a contribuição do meu Estado ao nosso País. Hoje, o Rio Grande do Norte é o segundo produtor de petróleo do Brasil, contribuindo para o abastecimento nacional com 110mil barris/dia. Trata-se de petróleo de excepcional qualidade, do qual se está extraindo, por exemplo, um tipo de óleo diesel de tal qualidade que segmentos importantes consumidores desse produto prefeririam pagar um sobrepreço para obterem o óleo diesel do Rio Grande do Norte, pelo simples fato de que a sua alta qualidade reduziria o desgaste das suas frotas, dos seus motores e equipamentos acionados a óleo diesel.

Cada barril de petróleo produzido, em terra e no mar, tem um custo médio de US$5. Isso significa que o gasto para produzir 110 mil barris é de US$550 mil por dia. Mas, 110 mil barris de petróleo, a um preço médio que oscilou ao redor de US$25 dólares nos últimos 12 meses, significam US$2,75 milhões diários.

Se o Rio Grande do Norte substitui a importação de 110 mil barris de petróleo, que custariam US$2,75 milhões, a um custo de US$550 mil, o meu Estado está contribuindo com o País, apenas com o petróleo que produz, com o equivalente a US$2,2 milhões/dia.

Portanto, não se trata aqui do discurso de um povo mendigo pedindo a caridade do País, do mesmo modo que não se trata de alguém que esteja defendendo que o País torne viável uma região inviável.

O nosso Estado tem hoje uma atividade rural florescente, com tecnologia de ponta em irrigação, um potencial extraordinário. Para que os senhores tenham idéia da importância desse potencial, eu narrarei a esta Casa o que ouvi, anos atrás, de um professor de Piracicaba chamado Júlio Seabra - autor de um livro clássico sobre uva chamado A Uva no Brasil -, quando ele me perguntou se eu sabia por que, no mundo inteiro, se come passa no Natal, e eu respondi que não sabia. Ele me explicou que a passa nada mais é do que uva de mesa seca; e o hábito de consumir uva de mesa seca, no Natal, deve-se ao fato de que não existe, no mundo, uva de mesa fresca naquele período do ano. E concluiu: quando vocês, no Nordeste, forem produtores de uva de mesa, vão colher essa fruta precisamente no Natal, quando o mundo não tem nenhuma para consumir.

Sr. Presidente, vejo que o meu tempo está esgotado e, por isso, renovo o meu apelo à condescendência de V. Exª.

Nessa região, existe um grande território com características fisiográficas semi-áridas, onde o tipo de agricultura que se faz é a de sequeiro, e não a de irrigação, sobre um solo cuja espessura média é de 25 centímetros. Esse solo, que não existe nas terras altas, porque a erosão já descobriu o cristalino, que está embaixo, se reúne nos baixios, onde algum tipo de agricultura pode ser praticado.

O pequeno proprietário e o pequeno agricultor sem terra implantam a sua agricultura em condições lotéricas, porque plantam a semente em um dia, esperando que chova no outro, e vai chover um mês depois, ou, quando a plantinha já chegou a um ponto que gostaria que não tivesse chuva por uma semana, chove nessa semana. Esse é um produtor que vive no limite da sobrevivência, porquanto a sua atividade tem um nível de produtividade baixa e um componente de risco extremamente elevado. Uma oscilação, mesmo pequena, na precipitação pluvial é suficiente para dizimar a sua cultura. Sem nenhum tipo de capitalização, essa pessoa, que vê estiolada toda a sua possibilidade de auferir alguma renda naquele ano, sabe que por um ano dependerá de que alguma coisa aconteça para prover a sua sobrevivência.

Aqui, eu recorro a um argumento reiteradamente usado neste plenário, por exemplo, pelo nosso eminente colega Senador Eduardo Suplicy, quando S. Exª defende a tese de que este País precisa assegurar ao cidadão, ao brasileiro que não tenha uma renda mínima para sobreviver, que lhe seja garantida uma renda mínima. Esses são brasileiros cuja perspectiva de pequena renda se dissolveu na realidade de uma seca. Talvez não haja brasileiro mais natural do que esse como candidato a um programa de garantia de renda mínima.

Infelizmente, no Nordeste, os programas de garantia de renda mínima têm nomes assim: Frente de Serviço, Frente de Trabalho, e daí a chamá-los de indústria da seca é um pequeno passo. Quando, em São Paulo, se faz um programa de frentes de serviço para combater o desemprego, isso é programa de garantia de renda mínima. No nordeste, é indústria da seca, é desperdício, é jogar dinheiro fora.

Talvez aí esteja a grande razão de, a cada ano, quando se inicia a seca, sermos, permitam-me a expressão, apanhados de calças na mão. É que sempre encaramos a seca como um drama, quando ela nada mais é do que uma característica do meio ambiente onde vivemos.

Vivemos numa região, Senador Paulo Hartung, em que não ocorrem as quatro estações do ano, como nas de clima temperado. Vivemos numa região que, mesmo nos anos de precipitação fluvial adequada e satisfatória, tem o seu período anual dividido em duas estações, que podem ser chamadas simplesmente de estação das chuvas e estação da seca. A estação seca dura sempre meio ano, quer tenha ou não chovido.

A existência dessa característica do nosso clima é algo que deveria ter sido levada em consideração desde o começo. Deveríamos ter criado formas de permitir o desenvolvimento de uma atividade econômica adaptada a essa realidade do nosso meio ambiente.

Repetirei o que já disse três ou quatro vezes aqui, em oportunidades diferentes. Na maioria dos países europeus, durante o inverno, a neve recobre toda a vegetação, queima tudo, dizima o que ali está. Imaginem se, na Europa, tivessem querido primeiro acabar com a neve, para, depois, fazer desenvolvimento, como estaria o mundo hoje?

No Nordeste, quando a ação do poder público se fez, foi por meio da primeira agência que se criou ali, que já se chamava Inspetoria Federal de Obras contra as Secas, substituída pelo Departamento Nacional de Obras contra as Secas, que ainda hoje aí está.

O Sr. Ricardo Santos (Bloco/PSDB - ES) - V. Exª permite-me um aparte?

            O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN) - Com muita honra, Senador Ricardo Santos.

O Sr. Ricardo Santos (Bloco/PSDB - ES) - Ouço com muita atenção e interesse o pronunciamento de V. Exª, Senador Geraldo Melo. Gostaria de parabenizá-lo pelo seu posicionamento. Realmente, V. Exª destaca os chamados projetos estruturantes que poderiam, de uma maneira permanente, assegurar uma vida condigna e uma renda duradoura para os agricultores do semi-árido brasileiro. V. Exa chama a atenção para essa Carta de Santana que aponta para essas soluções, seja para a melhoria da estrutura hídrica dessas regiões, seja para investimentos em pesquisa que venham dotar essas regiões de uma agricultura adequada às suas peculiaridades do ponto de vista do clima e do solo. É interessante lembrar que não faltam projetos. No Ministério da Integração Nacional, encontra-se já concebido e gestado um programa importante voltado para a região semi-árida brasileira, do qual participei numa época em que eu era Secretário do Planejamento do Governo do Espírito Santo. Buscava tal projeto seguir as várias linhas de projetos, algumas delas citadas por V. Exª na Carta de Santana e de acordo com vários encontros regionais realizados no Rio Grande do Norte. Gostaria de parabenizá-lo. O pronunciamento de V. Exª é muito feliz. Espero que sirva de alerta para o Governo Federal, a fim de que tire da gaveta alguns programas formulados e que se assemelham a este apontado por V. Exª. Parabéns.

O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN) - Muito obrigado, Senador Ricardo Santos. O comentário que faço a respeito do que disse V. Exª é que, infelizmente, muitas das coisas que se escreveram ninguém leu. Sugiro às autoridades envolvidas nesse assunto que dediquem quinze minutos do seu tempo à leitura deste documento, porque contém sugestões concretas, simples, baratas, algumas para lidar com situações de emergência e outras para evitar que tal situação se repita no futuro.

Sr. Presidente, peço a V. Exª que me conceda apenas o tempo necessário para apresentar algumas observações que considero fundamentais em relação ao que está ocorrendo neste momento. Com isso, encerrarei minhas palavras, obviamente se V. Exª permitir.

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Quero apenas lembrar a V. Exª que já ultrapassou em mais de 50% o tempo regulamentar.

O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN) - Estou ciente disso e só faço esse pedido na certeza de que conto com a generosa compreensão de V. Exª.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS.) - V. Exª não o fazia quando era Presidente.

O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN) - O Senador Pedro Simon cobra minha postura como Presidente da sessão quando era Vice-Presidente da Casa. Havia apenas algumas exceções: uma habitual era para o próprio Senador Pedro Simon, a quem peço o testemunho.

Sr. Presidente, registro apenas que estamos hoje com um problema sério na região, porque, primeiramente, o Presidente da República foi aconselhado a fechar a Sudene às vésperas de uma seca. A Sudene é uma Instituição com uma grande experiência nesse assunto, e essa experiência não pôde ser mobilizada no momento em que a seca se instaurou.

Tenho certeza de que, a contragosto, o Ministro Raul Jungmann, talvez apenas pelo fato de ser nordestino, foi levado a coordenar um programa de emergência para o Nordeste à frente de um Ministério que cuida de reforma agrária e não especificamente de Nordeste. E alguns equívocos graves ocorreram.

Não entendo, por exemplo, a falta de compreensão para a postura que assumiram os prefeitos do Nordeste. O município, que, há dois anos, recebia duas mil cestas básicas para distribuir a duas mil famílias atingidas pela seca, só teve direito a receber, neste ano, a metade ou menos do que isso. Cabia a esse prefeito dizer àquela multidão desamparada quem havia sido sorteado para receber a cesta e quem deveria se conformar em sobreviver sem ela. Essa foi uma forma de estabelecer um conflito que o Presidente da República certamente não deseja e que resolverá - mas depois de se ter suscitado uma onda de indignação contra ele em todo o Nordeste.

Quando um prefeito dizia que não buscaria as cestas por não ter condições de avisar a mil famílias que não as receberiam, ouviu-se a notícia de que o Governo cogita de denunciar os prefeitos ao Ministério Público. Essa atitude nem do ponto de vista político, num ano pré-eleitoral, consigo compreender. Há equívocos como o da definição do número de famílias em cada município, que poderia ser incorporado ao programa.

Senador Iris Rezende - que conhece esse problema tão bem, como ex-Ministro da Agricultura -, quanto ao Estado do Rio Grande do Norte, pelos critérios adotados, por meio dos quais se chegava ao número de pessoas que poderiam ser incluídas no programa, partindo-se da população rural calculada pelo IBGE e fixando-se o número em um oitavo da população rural, chegou-se a um Município como Serra do Mel, cujo prefeito ninguém pode chamar de picareta. Trata-se de um ex-Governador do Rio Grande do Norte, o Sr. Cortez Pereira. No referido Município, consoante os critérios aplicados, poderiam ser inscritas no programa quatro pessoas. Segundo os critérios do IBGE, praticamente 100% da população era urbana.

Curiosamente, foi no município criado em conseqüência da implantação de um projeto rural, o Projeto das Vilas Rurais, criado pelo Governador Cortez Pereira, que semeou 44 mil hectares de cajueiro e distribuiu na sua área ocupada mais de 20 vilas rurais, cada uma delas com o nome de um Estado brasileiro. Porém, como as pessoas moram na vila, pelos critérios adotados, quem mora numa vila é população urbana. E, como tal, o habitante de uma vila rural reside em zona urbana. Portanto, esse município não tem, dentro desses critérios, população rural, embora 100% da sua população seja rural.

Deploro esses equívocos, espero que sejam resolvidos e que haja a humildade necessária de reconhecer que isso não está servindo à população e muito menos à imagem de um Governo sério, como é o do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, tenho certeza, deseja fazer o melhor para o Nordeste e para os nordestinos, sobretudo numa hora como esta.

Sr. Presidente, muito obrigado pela condescendência de V. Exª.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR GERALDO MELO EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/2001 - Página 17445