Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO DA CPI DO FUTEBOL, DA QUAL E RELATOR.

Autor
Geraldo Althoff (PFL - Partido da Frente Liberal/SC)
Nome completo: Geraldo César Althoff
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO DA CPI DO FUTEBOL, DA QUAL E RELATOR.
Aparteantes
Alvaro Dias, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/2001 - Página 17516
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL.
Indexação
  • REGISTRO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL, PRESIDENCIA, ALVARO DIAS, SENADOR, INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, IMPORTANCIA, ELABORAÇÃO, LEGISLAÇÃO, BENEFICIO, DIREITO, JUSTIÇA DESPORTIVA, EVOLUÇÃO, ESPORTE PROFISSIONAL, ATIVIDADE ECONOMICA.
  • EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, URGENCIA, APRECIAÇÃO, PROJETO DE LEI, RESULTADO, CONCLUSÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL.

O SR. GERALDO ALTHOFF (PFL - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é do conhecimento desta Casa que eu e mais doze Srs. Senadores estamos realizando um trabalho hercúleo e digno para que seja dado um melhor encaminhamento ao futebol brasileiro. Somos capitaneados pelo Presidente e mentor intelectual da CPI do Futebol, Senador Álvaro Dias, e cabe exatamente a mim ser o Relator.

Pela primeira vez, Sr. Presidente, uso a tribuna desta Casa para falar a respeito da CPI do Futebol, assunto que procurarei tratar em pronunciamentos seriados.

Todos os Senadores que compõem a chamada CPI do Futebol temos a plena convicção de que o momento mais digno e mais importante que a nossa Comissão poderá exercitar será, sem dúvida, o das alterações legislativas necessárias para darmos um seguimento novo à história do futebol brasileiro.

Na verdade, como ocorre em toda atividade coletiva, as modalidades desportivas estão submetidas a leis, códigos e regulamentos que normatizam sua prática em âmbito nacional ou internacional. Ao conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados que tenham por fim disciplinar o comportamento das várias práticas desportivas denomina-se Direito Desportivo.

O campo de atuação do profissional dedicado a esse ramo do Direito é bastante amplo. O interessado terá de demonstrar proficiência em mais de uma especialidade, já que a legislação desportiva engloba aspectos de Direito do Trabalho, Previdenciário, Tributário, Penal e, mais recentemente, também, de Direito Comercial e Societário. Principalmente com relação ao futebol, o profissional do Direito deverá saber interpretar as novas relações que rapidamente se estabelecem entre os atores envolvidos em contratos de parcerias, de co-gestão, contratos de exploração de marcas e patrocínio, direitos de imagem, direitos de transmissão de competições, e assim por diante.

Na verdade, tamanha exigência dos especialistas apenas reflete o atual estágio do desporto como um todo e do futebol em particular. Descoberto pelo mercado, o desporto movimenta, anualmente, bilhões de dólares em todo o mundo, com possibilidades ilimitadas sob o ponto de vista econômico e da abertura de novas atividades profissionais a ele relacionadas. O desporto se profissionaliza, demandando, para seu pleno desempenho e satisfação das exigências da indústria, o concurso de especialistas em áreas como propaganda e marketing, comunicação, fisioterapia, preparação física, agenciamento desportivo, entre outras.

No entanto, esse entendimento do desporto como produto é bastante recente. A análise histórica da legislação desportiva brasileira nos permite a identificação de três fases bem definidas que refletem a própria evolução político-econômica do País.

Sob forte inspiração da legislação italiana fascista de Mussolini, apenas em 14 de abril de 1941 o Estado Novo de Vargas edita o Decreto-Lei nº 3.199, primeira norma regulamentadora do desporto no Brasil. Até então praticada de forma amadorística, do lazer pelo lazer, sem qualquer preocupação de ordem jurídica, a atividade desportiva passa a ser regida por preceitos de natureza paternalista, tão característicos do regime da época. Por meio do então criado Conselho Nacional de Desportos, o Estado inicia sua tutela sobre o cotidiano das associações e entidades desportivas, da mesma maneira que a exercia, à época, sobre outras atividades econômicas e sociais de caráter coletivo.

Com efeito, no final da década de 30, não só no Brasil, mas em todo o mundo, o desporto passa a servir como elemento simbólico de afirmação de nacionalidade, de uma raça, de um sistema político. O espírito olímpico cede lugar à luta pela vitória, sinônimo de poder e de superioridade. No Brasil, pode-se estabelecer clara relação entre o triunfalismo do período JK e a conquista da primeira Copa do Mundo de futebol, em 1958. Já na década de 70, assistimos à Seleção Brasileira de Futebol, tricampeã, servir de símbolo de exaltação do sentimento nacionalista do regime militar.

O desporto brasileiro permaneceria organizado sob tais bases até 1975, quando da edição da Lei nº 6.251, que, conquanto introduzisse alguns avanços na organização desportiva, ainda mantinha forte viés intervencionista. No ano seguinte, a Lei nº 6.354 traria ao mundo do futebol a polêmica figura do “passe”, importância devida por um empregador a outro pela cessão do atleta profissional, evidenciando, uma vez mais, o caráter autoritário e controlador da legislação então vigente.

Com o fim do ciclo militar, a hegemônica presença estatal em todas as atividades da vida nacional passa a ser relativizada, e a sociedade civil brasileira inicia seu longo processo em busca da maioridade.

Esse renovado papel do Estado, limitado a ser supervisor do patrimônio coletivo, materializa-se na Constituição de 1988, de tendência descentralizadora e privatizante.

No plano desportivo, a Carta Magna de 1988 configura o primeiro referencial de uma nova abordagem em relação ao desporto.

Não há dúvidas, quanto ao atual texto constitucional, sobre a opção feita pelo País com relação ao tratamento a ser dado ao desporto e ao caminho a ser por ele trilhado a partir de então. Os princípios consagrados revelavam a gradual retirada do Estado das atividades desportivas de alto rendimento, a serem apoiadas apenas em casos específicos como as Olimpíadas, por exemplo, e a entrega de sua organização à iniciativa de pessoas físicas e jurídicas.

Uma nova visão do fenômeno desportivo que iria inspirar, já na década de 90, uma profunda reestruturação do sistema desportivo brasileiro, iniciada com a Lei nº 8.672, a chamada Lei Zico, e complementada pela Lei nº 9.615, a Lei Pelé, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.981, de 2000.

O desporto deixou de ser tomado como atividade com mera conotação clubística ou de afirmação nacional e se transforma em negócio altamente rentável, entrando no que poderíamos chamar de sua fase mercadológica.

            Evidentemente, o arcabouço jurídico que rege o setor teve que se adequar às conveniências do mercado. Por isso mesmo, a legislação brasileira, mais especificamente a Lei Pelé, introduziu preceitos afinados com essa nova fase do desporto, eliminando o excesso de amarras burocráticas que tolhiam o livre gerenciamento das entidades desportivas e delineando uma organização mais flexível de suas atividades.

Dentro desse espírito, permitiu-se a formação de ligas nacionais e regionais, com personalidade jurídica própria, sendo vedada qualquer intervenção das entidades de administração do desporto em suas atividades; determinou-se a extinção do vínculo desportivo conhecido como “passe”, ao final do contrato de trabalho do atleta profissional, a vigorar três anos a partir de edição da lei, bem como se estabeleceu a exigência de que as entidades de prática desportiva constituíssem sociedades comerciais para a administração de suas atividades.

No entanto, Srªs e Srs. Senadores, muitos dos dispositivos aprovados vêm sofrendo periódicas tentativas de alteração, ao sabor, em determinados momentos, de interesses de caráter imediato. A Medida Provisória n.º 2011-8, de 26 de maio de 2000, por exemplo, nos termos do projeto de conversão aprovado pelo Congresso Nacional, de que resultou a Lei n.º 9.981, de 2000, tornou facultativa a exigência de os clubes se transformarem em empresa, criou a cláusula penal para casos de descumprimento ou rompimento unilateral do contrato de trabalho, estabeleceu, em cinco anos, o prazo máximo para o contrato de trabalho do atleta profissional, por exemplo.

Por sua vez, a Medida Provisória n.º 2.141/2001, ainda em tramitação no Legislativo, estabelece formas de compensação financeira aos clubes de futebol inconformados com o fim do instituto do passe, amplia de dois para cinco anos o prazo máximo do primeiro contrato do atleta de futebol e dá nova redação ao dispositivo que limitava em 49% a participação acionária de investidores em clubes desportivos.

Ao ver-se o grande número de medidas provisórias editadas que tratam do assunto em questão, fica claro que a legislação em vigor não possui latitude e abrangência suficientes, Sr. Presidente, para pacificar as discussões sobre a matéria, mas lhe é atribuída enorme importância pelo Poder Executivo, como deve sê-lo.

A fragilidade da legislação vigente, a falta de mecanismos eficazes que inibam a ocorrência de ilícitos de natureza fiscal, tributária, e até mesmo penal, por pessoas físicas e jurídicas ligadas ao desporto, já foram identificadas pelo Parlamento brasileiro.

A Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga fatos relacionados ao futebol, atualmente sendo realizada no Senado Federal, presidida pelo nobre Senador Álvaro Dias, vem trazendo à tona diversas irregularidades que envolvem dirigentes, atletas e empresários, e que precisam ser urgentemente estancadas.

Lamentavelmente, as estatísticas mostram que, na última década, o número de pessoas que não se interessam pelo futebol cresceu de cerca de 10% para 30% da população. Isso significa dizer que: se, há dez anos, tínhamos 90% da nossa população envolvida com os interesses do futebol, hoje - pasmem, Srªs e Srs. Senadores -, temos somente 70% da população brasileira. Ora, isso não parece ser coincidência, mas sim resultado de um modelo de gestão esgotado, que privilegia o “falso” amadorismo, os interesses particulares de dirigentes e o desvio de recursos dos clubes de futebol. A conseqüência desse cenário é o empobrecimento do nosso futebol, o esvaziamento dos estádios, a fuga de capital para outro tipo de investimento, uma desorganização inadmissível.

A concepção de uma estrutura jurídica competente, com regras claras e eficientes, constitui, por isso mesmo, a tarefa mais importante da CPI do Futebol, de que somos Relator. Sem regras, sem normatização, o desporto não pode existir. Como se sabe, as relações sociais se desenvolvem e são reguladas por normas concebidas e sedimentadas ao longo da evolução humana. E o Direito deve refletir exatamente a variedade dessas relações, moldando-se aos reclamos da sociedade que se dispõe a interpretar.

Para concluir, Sr. Presidente, gostaria apenas de salientar que esperamos - o Senador Álvaro Dias, Presidente da nossa Comissão, e este Relator, agregado aos outros onze Senadores que compõem a nossa CPI - que o Congresso Nacional tenha a consciência da importância dos projetos que serão apresentados pela nossa Comissão, e que se dê oportunidade, e, se necessário, a devida urgência na sua tramitação e votação, pois o que está em jogo - perdoem-me o trocadilho -, afora o aspecto comercial e trabalhista, é um dos principais símbolos nacionais, motivo de inúmeras glórias e de alento ao coração do brasileiro.

Estou falando, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, do futebol brasileiro!

O Sr. Álvaro Dias (Bloco/PSDB - PR) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. GERALDO ALTHOFF (PFL - SC) - Concedo, com muita satisfação, um aparte a V. Exª.

O Sr. Álvaro Dias (Bloco/PSDB - PR) - Senador Geraldo Althoff, uma questão de justiça e reconhecimento. V. Exª tem-se dedicado, com competência e denodo, ao trabalho de Relator dessa CPI, e isso justifica a nossa esperança de que realmente teremos um relatório final competente, diagnosticando a realidade do futebol brasileiro, para que o Ministério Público possa iniciar os procedimentos e responsabilizar civil e criminalmente os responsáveis por delitos praticados no mundo do futebol. E, acima de tudo, como quer V. Exª mediante esse discurso expressar, uma legislação nova, modernizadora, que possa mudar a estrutura da administração do futebol no Brasil, que tenho dito ser a verdadeira arquitetura da farsa. Não há dúvida de que o futebol, além da paixão nacional - já foi maior, mas ainda é uma paixão gigantesca do povo brasileiro -, há de ser, sim, uma atividade econômica com maior rentabilidade, gerando mais empregos, renda, receita pública, enfim, contribuindo de forma mais eficaz no processo de desenvolvimento econômico, social e cultural de nosso País. Essa CPI tem esse objetivo e tem a felicidade de ter V. Exª na relatoria, o que nos assegura a certeza de que os melhores esforços estão sendo envidados. Esperamos contar também, Senador Geraldo Althoff, com o apoio do Poder Executivo, por intermédio do Ministro dos Esportes, Carlos Melles, para que essa legislação nova possa, sem dúvida nenhuma, tramitar com agilidade e vigorar o mais rapidamente possível a fim de que o futebol brasileiro possa dar, quem sabe, esse salto de qualidade que todos desejamos. Parabéns a V. Exª por esse pronunciamento, mas, sobretudo, pelo trabalho incansável que vem realizando como Relator da CPI do Futebol!

O SR. GERALDO ALTHOFF (PFL - SC) - Muito obrigado, Senador Álvaro Dias. O aparte de V. Exª realmente acrescenta valores de significativa importância, de um Senador que é nosso parceiro constante e permanente nesse trabalho desde já profícuo, exatamente porque temos a convicção de que já estamos colhendo resultados no passado recente do futebol brasileiro. Fique certo V. Exª e todos os Srs. Senadores de que buscaremos, com bom senso, elaborar um relatório de qualidade, que dignifique o trabalho desta Casa. Com certeza, conseguiremos esse intento, com o apoio de todas as Srªs e os Srs. Senadores.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Geraldo Althoff, V. Exª me permite um aparte?

O SR. GERALDO ALTHOFF (PFL - SC) - Com muita satisfação, concedo o aparte ao Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nobre Senador Geraldo Althoff, sou membro da CPI do Futebol e tenho acompanhado o trabalho de V. Exª. O discurso de V. Exª nos mostra com mais clareza o seu pensamento acerca de um dos assuntos sérios deste País, um assunto que bate com muita ressonância na alma do povo. Quero dizer a V. Exª da minha tranqüilidade, tanto é que nem tenho ido muito às reuniões da CPI, porque vejo do meu gabinete - às vezes, fazendo outras tarefas - a boa condução dos trabalhos. Por essa razão, nem tenho participado muito. Mas não poderia deixar de dizer da minha solidariedade, da minha concordância e do meu apoiamento às posições de V. Exª.

O SR. GERALDO ALTHOFF (PFL - SC) - Nobre Senador Ney Suassuna, temos a convicção da sensibilidade de V. Exª com relação àquilo que haveremos de propor para melhorar o futebol brasileiro. Como V. Exª bem disse, trata-se de um assunto importante, que envolve o sentimento da quase totalidade da população deste País. É por isso que estamos tratando, com um sentimento de respeito e consideração, o trabalho e o encaminhamento que nos proporemos a fazer na CPI.

Temos certeza de que não só os membros da Comissão, mas também todos os Senadores desta Casa serão avalistas do trabalho dos treze Senadores que estão permanentemente envolvidos com a CPI do Futebol.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/2001 - Página 17516