Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

IMPORTANCIA DO RELACIONAMENTO DO BRASIL COM A COMUNIDADE ANDINA PARA O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO ECONOMICA DA AMERICA LATINA.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • IMPORTANCIA DO RELACIONAMENTO DO BRASIL COM A COMUNIDADE ANDINA PARA O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO ECONOMICA DA AMERICA LATINA.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/2001 - Página 17591
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • REGISTRO, LIBERALISMO, PROMOÇÃO, INTEGRAÇÃO, PAIS, AMERICA LATINA, OBJETIVO, APROXIMAÇÃO, POLITICA, ECONOMIA, CULTURA, SOCIEDADE.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, RELACIONAMENTO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, EQUADOR, PERU, VENEZUELA, BOLIVIA, MOTIVO, OPORTUNIDADE, INTEGRAÇÃO, ECONOMIA, ELIMINAÇÃO, ATRASO, TECNOLOGIA, EXPANSÃO, COMERCIO, AUMENTO, PRODUÇÃO, EXPORTAÇÃO, CONCORRENCIA, COMBATE, PROTECIONISMO.
  • DEFESA, INTEGRAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, EQUADOR, PERU, VENEZUELA, BOLIVIA, OBJETIVO, FORMAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO, AMERICA DO SUL, MOTIVO, NECESSIDADE, UNIÃO, ECONOMIA, POLITICA, COMBATE, COAÇÃO, CRIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo vive hoje uma tendência clara e explícita: formar blocos regionais e sub-regionais, criar zonas de livre comércio, estabelecer uniões aduaneiras, constituir mercados comuns. Esse processo tem muito a ver, principalmente, com o impulso gerado pela liberalização econômica via abertura dos mercados. Essa integração dos mercados deriva de anseios de variada ordem: econômicos, políticos, sociais e culturais, como é o caso, por exemplo, do Mercosul e do Pacto Andino, ou pode, ainda, visar a objetivos meramente comerciais, como se verifica no Nafta.

No âmbito das Américas, são cinco os blocos em torno dos quais se articulam grupos econômicos. Hoje dialogam delegações do Nafta, da Comunidade do Caribe (Caricom), do Mercado Comum Centro-Americano (MCCA), da Comunidade Andina de Nações (CAN) e do Mercosul. Uns estão mais organizados internamente, outros menos. Esses blocos reúnem mais de 700 milhões de pessoas e um PIB de 13 trilhões e 300 bilhões de dólares, segundo informação recente da Gazeta Mercantil.

Feita essa breve introdução, Sr. Presidente, gostaria de ir encaminhando meu pronunciamento para as reflexões centrais que trago hoje aos meus nobres Pares desta Casa, acerca da importância do relacionamento do Brasil com a Comunidade Andina.

Essa Comunidade de cinco países completou 30 anos no ano passado. Foi criada em maio de 1969, quando Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru firmaram o Acordo de Cartagena. A Venezuela ingressou em 1974, e o Chile se retirou do grupo em 1976.

O Grupo Andino é um processo de integração econômica sub-regional, cujo objetivo é contribuir para o desenvolvimento dos Estados-Membros, por meio da expansão comercial e da harmonização política. Com o fim da guerra fria, os países andinos, e a América Latina em geral, direcionaram seus esforços para reverter a crescente marginalização a que estava submetida a região, com seus países ficando cada vez mais afastados do sistema internacional e das economias centrais.

O caminho para superar o atraso tecnológico, aumentar a eficiência da produção e revitalizar o comércio estava traçado e definido. Era preciso adotar políticas de livre mercado, promover a abertura comercial, reduzir a intervenção estatal e incrementar a integração econômica.

Paralelamente a esse, desenrolava-se outro cenário. Os países desenvolvidos adotando práticas protecionistas, a necessidade de convergirem os posicionamentos diante da Rodada Uruguai, o processo de democratização ganhando espaço na América Latina - todos esses fatores contribuíram para revitalizar o processo de integração andina.

Nesse contexto, o Pacto Andino se transformou num fórum gerador de impulso e proteção para seus membros. Acelerar os programas de liberalização levaria a incrementar as exportações em âmbito regional. Reduzir as tarifas faria aumentar a competitividade no mercado internacional. Dispondo de um mercado maior, os países estariam em melhor situação para enfrentar o crescente protecionismo do mundo industrializado. O eminente Professor Julio Sanchez, do Departamento de Ciências Políticas da Universidade da Cidade de Nova Iorque, assim caracterizou o Grupo Andino:

No começo dos anos 90, a integração sub-regional era, portanto, um subproduto e um complemento tanto da ação unilateral dos governos andinos para integrar-se com o resto do mundo, quanto de suas políticas econômicas. O incremento das exportações e da competitividade se fixaram como objetivos imediatos. 1

No entender desse ilustre Professor, existe uma forte correlação entre o desenvolvimento da Comunidade Andina e o interesse dos governos de seus países-membros. Isto é, o processo andino de integração econômica cresce e se fortalece quando o interesse dos seus países é contemplado pelo processo integrador. Diz ele: "Os governos não agem em função dos interesses comuns do grupo, mas de seus interesses individuais". É bem verdade que os blocos, em geral, se articulam por motivação comercial, mas também estão cobertos por forte componente político.

Seja como for, há momentos em que a integração sub-regional faz-se absolutamente necessária. Tivemos recentemente, em meados de julho deste ano, uma série de encontros reunindo representantes da Comunidade Andina e do Mercosul. Por que dialogam esses dois blocos? Por razões variadas, inclusive por motivação estratégica. Acontece que, diante das pressões para a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a integração latino-americana tem de se fortalecer para enfrentar essa frente comercial mais ampla que vem sendo acelerada nas três Américas a partir de 1994.

Cresce a expectativa de que o Mercosul venha a contar, em curto espaço de tempo, com a adesão plena do Chile e da Bolívia, bem como da Venezuela, cujo governo já se manifestou claramente a esse respeito. Agora que se concluiu o processo eleitoral no Peru, está mais livre o caminho para que seja negociada a união do Mercosul com os países da Comunidade Andina de Nações. A partir daí, terá de se evoluir para a criação da Área de Livre Comércio da América do Sul. Essa agenda é ambiciosa, mas o momento não comporta protelações.

A Declaração da Cidade de Quebec elegeu o dia 1º de janeiro de 2006 para o início do funcionamento da Alca. Parece que temos muito tempo pela frente. Mas essa idéia é enganosa. Há muito o que fazer até lá. Vale lembrar o discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso, proferido na abertura da Cúpula de Quebec, em que ele listou as seis condições para que os países do Hemisfério possam chegar à Alca. São elas: acesso a mercados dinâmicos, revisão das leis antidumping, redução de barreiras não-tarifárias, capacitação tecnológica, mudanças na agricultura, especialmente na estrutura de subsídios, e combate a distorções protecionistas.

O Presidente Hugo Chávez, em visita recente ao Brasil, declarou-se contra qualquer idéia de antecipar a criação da Alca. Disse ele: "se algo tem de ser acelerado não é a Alca, mas os mecanismos regionais e sub-regionais de integração, como CAN, Mercosul e Caricom".

            É preciso destacar que o acordo de complementação econômica assinado entre a Comunidade Andina e o Brasil, em julho de 1999, constituiu, por si só, um passo decisivo para a formação da Área de Livre Comércio da América do Sul. Sobre esse acordo, o jornal O Estado de S. Paulo publicou, à época, matéria digna de nota, intitulada "O Brasil e a Comunidade Andina". Algumas idéias dessa matéria serão retomadas aqui.

Os diplomatas brasileiros e andinos que participaram do acordo trabalharam com uma diligência impressionante. Imbuídos de firme vontade política e da vontade de avançar no processo de liberalização do comércio, os negociadores conseguiram concluir o acordo dentro do prazo necessário e lograram, ainda, ampliar o alcance das isenções.

De 2 mil produtos da pauta de exportações, as isenções passaram a abranger cerca de 3 mil, número que representa 40% do universo alfandegário. Dessa forma, Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela e Equador poderão trocar esses produtos entre si, com reduções tarifárias que vão de 10% a 100%. Nessa cota se encontra a quase totalidade do comércio e uma parte importante de produtos com possibilidades seguras de gerar novas correntes comerciais.

Não há dúvida, Sr. Presidente, que a recessão e a crise econômica que afetam tais países evidenciaram, de forma inequívoca, a oportunidade e o acerto dessa negociação. Embora não seja tão rico, o mercado sul-americano é particularmente importante para o Brasil, pois é dos mais propícios à colocação de produtos manufaturados, com alto valor agregado. Ocorre que a competitividade da indústria dos países sul-americanos é inferior à competitividade brasileira. Assim, o Brasil fica em condição de acumular superávits comerciais na região, aliviando o balanço de pagamentos.

É preciso olhar, também, para os efeitos políticos que gera um acordo dessa natureza. Devemos sempre ter em mente que o estreitamento de relações comerciais não se faz sem o correspondente aprofundamento do relacionamento político. Um desses efeitos políticos já foi mencionado anteriormente, neste pronunciamento, mas vale a pena repeti-lo, dado seu alcance hemisférico. É de se esperar que Venezuela, Colômbia, Peru e Equador se alinhem com as posições que o Brasil encabeça no Mercosul e nas discussões setoriais sobre a Alca. Até a criação da Alca, os interesses do grupo estarão mais coesos e fortes para enfrentar a posição dos Estados Unidos e Canadá.

Um segundo impacto político, Sr. Presidente, de âmbito mais restrito, regional, deve ser considerado. Estão, na vizinhança com a Venezuela, Colômbia, Peru e Equador - embora com esse último não tenhamos limites geográficos -, os únicos pontos de instabilidade ao longo das nossas fronteiras, dadas as profundas crises políticas e econômicas por que têm passado tais países. Ora, relações comerciais mais profundas criarão, certamente, uma rede de interesses que ultrapassará os aspectos meramente econômicos. Além disso, o peso maior do Brasil na região, e a introdução da chamada "cláusula democrática" no relacionamento com os vizinhos contribuirá, seguramente, para aumentar a estabilidade regional.

Essa a reflexão que trouxe aos eminentes Colegas na data de hoje.

Muito obrigado pela atenção!


1 Em: "Aspectos políticos de la integración del Grupo Andino, 1989-1996", Comercio Exterior, maio de 1997.



Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/2001 - Página 17591