Discurso durante a 103ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade da promoção de pacto federativo com objetivo de coibir a guerra fiscal entre os Estados, visando a redução das desigualdades regionais e melhor distribuição de renda.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA FISCAL.:
  • Necessidade da promoção de pacto federativo com objetivo de coibir a guerra fiscal entre os Estados, visando a redução das desigualdades regionais e melhor distribuição de renda.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2001 - Página 18911
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA FISCAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, BRASIL, OBJETIVO, COMBATE, MISERIA, PROMOÇÃO, OCUPAÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, PREVENÇÃO, CONCORRENCIA, ESTADOS, PREJUIZO, FEDERAÇÃO.
  • IMPORTANCIA, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, SUPLANTAÇÃO, VIOLENCIA.
  • COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, BRASIL, UNIÃO EUROPEIA.
  • COMENTARIO, LEVANTAMENTO DE DADOS, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RENUNCIA, NATUREZA FISCAL, ESTADOS, DADOS, CLELIO CAMPOLINA DINIZ, PROFESSOR, UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG), DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL, EMPREGO, INDUSTRIA, REGIÃO, BRASIL.
  • DEFESA, REFORMA TRIBUTARIA, PACTO, FEDERAÇÃO, RESPONSABILIDADE, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, a promoção do desenvolvimento das regiões mais pobres do Brasil sempre foi questão que desafiou os políticos brasileiros. Há pelo menos duas razões importantes para isso. A primeira, e mais óbvia, é a necessidade de melhoria da qualidade de vida da população que, muitas vezes, sobrevive em condições miseráveis. A outra, um pouco mais velada, mas não menos importante, é o imperativo da ocupação do nosso vasto território, para honrar o trabalho e a memória do Barão de Rio Branco.

            A necessidade de ocupar civilmente o território nacional e de promover o desenvolvimento do País por inteiro ocupou as mentes de dois dos maiores presidentes do Brasil, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck de Oliveira. Getúlio foi o patrono da Marcha para o Oeste, que teve prosseguimento pelas mãos de JK com a construção de Brasília e a ligação entre a nova capital e Belém, para mencionar apenas duas das obras mais emblemáticas do Governo Kubitscheck.

            Também foi dele a iniciativa pioneira das políticas de desenvolvimento regional, com a criação da Sudene, que tanto contribuiu para o desenvolvimento do Nordeste brasileiro. De lá para cá, vários outros mecanismos foram implementados com o objetivo de integrar Norte, Nordeste e Centro-Oeste ao ritmo de crescimento das regiões Sul e Sudeste do País.

            A necessidade da instituição desses mecanismos e da criação de uma política consistente de desenvolvimento regional é indiscutível.

            O SR. PRESIDENTE (Lindberg Cury) - Senador Iris Rezende, a Presidência interrompe o pronunciamento de V. Exª a fim de prorrogar a sessão, porque também fará uso da palavra o Senador Freitas Neto.

            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Serei breve.

            A falta dessa ação e a injustiça econômica e social podem nos levar a graves problemas que já se evidenciam em forma de violência urbana e guerra fiscal, para citar apenas dois.

            A primeira, a violência urbana, nos aponta, entre outras coisas, a péssima distribuição da renda nacional. Os 10% mais ricos detêm 50% da renda, e os 50% mais pobres ficam com apenas 10% do bolo. Isso faz com que o Brasil esteja entre os três países com pior distribuição de renda no mundo, ainda que seja um dos dez mais ricos do Planeta.

            A segunda, a guerra fiscal, revela a tentativa desesperada e desordenada dos diversos Estados de atrair investimentos para os seus territórios, o que pode constituir ameaça à solidariedade nacional, a exemplo do que andou acontecendo com o Sul do Brasil, não faz muito tempo, em movimento de tendência separatista.

            Fenômeno semelhante se manifestou na Itália, na Suíça e na Holanda, quando do aumento das disparidades inter-regionais, aguçadas pela recessão ocorrida entre 1990 e 1993. Esta, certamente, terá sido uma das razões que levaram a União Européia a desenvolver políticas de desenvolvimento regional, com o objetivo de melhorar as condições econômicas das regiões menos desenvolvidas de seus Estados-Membros.

            Sr. Presidente, ao todo, seis fundos diferentes concedem apoio financeiro com direcionamento regional dentro da política estrutural de desenvolvimento da União Européia, com recursos que representam, em média, um terço do orçamento comunitário. Entre 1994 e 1999, as verbas desses fundos somaram cerca de US$170 bilhões.

            É interessante observar que, guardadas as devidas proporções, a situação do Brasil é similar à da União Européia. Estados ricos convivem com Estados pobres, fazendo parte de uma União que se mantém por um pacto federativo.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, essas desigualdades se evidenciam, naturalmente, na participação das regiões brasileiras na formação do PIB nacional. Dados do IBGE revelam como isso ocorreu no período entre 1985 e 1997. A Região Sudeste teve a sua participação no PIB nacional reduzida de 60,15% para 58,57%. A Região Sul diminuiu de 17,36% para 17,1%. O Centro-Oeste teve o crescimento mais expressivo, passou de 4,8% para 6,24%. A Região Nordeste teve queda de 14,1% para 13,08%. E a Região Norte cresceu de 3,38% para 4,42%.

            Essa alteração pequena, como se vê, ocorreu apesar de todos os programas de desenvolvimento regional em andamento: Sudene, Sudam, Fundos Constitucionais do Norte, do Nordeste e do Centro Oeste. Apenas para dar uma idéia do volume dos recursos que movimentam, segundo dados publicados em um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, somente no período de 1995 a 1997, foram aplicados, por meio desses programas, um total de R$23,2 bilhões. Desse montante, 51%, ou seja, R$11,9 bilhões, foram destinados à Região Norte; 40%, ou seja, R$9,3 bilhões, ficaram com o Nordeste; e 6,7%, ou seja, R$1,5 bilhão, com o Centro-Oeste.

            Se mesmo um volume considerável de recursos como esse promove transformações tão lentas, resta aos Governos estaduais apenas o recurso à guerra fiscal, de efeitos colaterais nocivos para a busca do desenvolvimento econômico e social.

            Levantamento realizado pela Folha de S.Paulo, e publicado em fevereiro passado, mostra que oito Estados pesquisados renunciaram a R$39 bilhões para conseguir atrair 3.340 empresas e gerar 522 mil empregos. São Paulo fala de uma perda de R$16 bilhões nos últimos 11 anos, o que teria reduzido sua participação na arrecadação do ICMS brasileiro de 43,37% para 37,4%.

            De 1970, pico da concentração econômica, para cá, houve no Brasil um movimento da melhor distribuição da atividade industrial. É o que nos mostra estudo mais recente realizado pelo Professor Clélio Campolina Diniz, Titular do Departamento de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais e especialista na matéria.

            A participação da Região Norte no valor de transformação industrial total do País passou de 0,8%, em 1970, para 3%, em 1999. Nesse mesmo período, a fatia do Nordeste cresceu de 5,7% para 8,3%. A participação da Região Centro-Oeste aumentou de 0,8% para 1,8%, e a da Região Sul foi de 12% para 20,2%. Enquanto isso, a Região Sudeste teve seu quinhão reduzido de 80,7% para 66,8%.

            Os números, Sr. Presidente, do emprego industrial revelam a mesma tendência. De 1986 a1997, eles cresceram de 2,6% para 2,9% do total nacional da Região Norte. No Nordeste, o aumento foi de 10,7% para 12,1%. No Centro-Oeste, o crescimento do percentual de participação nesse período foi de 2,1% para 3,7%. E na Região Sul, de 19,4% para 22,9%. No Sudeste, houve queda de 75,3% para 65,9% nesse período.

            O fato de maior destaque nesse processo, segundo o Prof. Clélio Diniz, foi a reversão da polarização industrial das áreas metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo, com reduções respectivas de suas participações no valor de transformação industrial nacional de 16% para 8%, e de 44% para 21%, no período entre 1970 e 1999.

            Esse processo beneficiou, em sua primeira fase, a maioria dos Estados e regiões brasileiras. Contudo, o chamado núcleo duro da indústria - mecânica, química, de material elétrico, eletrônico e de transportes - se concentrou na macrorregião que vai do centro de Minas Gerais ao nordeste do Rio Grande do Sul, chamada pelo especialista de novo polígono industrial.

            Apesar dessa tendência à desconcentração, segundo um estudo da Secretaria de Política Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, dos quase R$228 bilhões de investimentos previstos para o período de 1997 a 2000, a Região Sudeste deveria ficar com 58,8%, ou seja, R$134 bilhões.

            Os projetos para o Nordeste somam 21,4% do total (R$48,8 bilhões). Depois, vem a Região Sul com 13,6% do total (R$30,8 bilhões). O Norte vem com 3,9% (R$8,8 bilhões) e o Centro-Oeste com 2,3% (R$5,2 bilhões). Como se vê, Sudeste e Sul ainda continuam abocanhando a maior parte dos investimentos, quase 73% do total previsto para o período.

            Assim, é fundamental acabar com a guerra fiscal e discutir um novo pacto federativo fundado numa melhor distribuição da renda e da capacidade produtiva nacional, levando-se em conta as vocações regionais. Nesse particular, avultam as responsabilidades do Governo Federal e do Congresso Nacional, mercê das possibilidades que têm de mediação dos interesses das Unidades da Federação e das obrigações a que estão sujeitos pela nossa Constituição.

            Com efeito, a Carta Magna estabelece o princípio de que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Mais adiante, no art. 3º, determina como um dos objetivos fundamentais de nosso País “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais regionais”.

            Além disso, no art. 43, a Constituição atribui à União poderes para “articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”. Esse artigo também fixa diretrizes para ação nesse mister e as modalidades de incentivos regionais. Em palavras mais simples, a redução das desigualdades e o desenvolvimento regional são responsabilidades da União.

            Em contrapartida, cabe aos Estados realizar investimentos em infra-estrutura, criando condições duradouras de atração de capital. Estudo recente elaborado pela Revista Amanhã e pela Simonsen Associados criou um ranking dos Estados mais competitivos do ponto de vista de atração de novos investimtos. Além da guerra fiscal, há o que a revista define como uma competição silenciosa que se estabelece todas as vezes que as empresas traçam estratégias mais consistentes e de mais logo prazo para decidir onde farão seus investimentos.

            Nessa guerra contam indicadores de potencial de mercado e de facilidades operacionais. Conta, portanto, a qualidade das estatísticas em áreas tão diversas como educação, consumo, transporte, saúde e telecomunicações, para cuja melhoria a atuação dos Estados é decisiva.

            Assim, um novo pacto federativo, com a participação dos Estados e do Governo Federal e papéis previamente acordados e claramente definidos para todos, seria o caminho para uma política de desenvolvimento regional séria e consistente, que ajudasse a uniformizar o desenvolvimento econômico e social do País.

            Mikhail Gorbachev, em seu livro Perestroika - Novas Idéias para o meu País e o Mundo, criou uma metáfora feliz para mostrar a interdependência dos países do mundo moderno, nestes tempos de globalização, e a conexão necessária entre o fracasso e o sucesso de um e o êxito e a desgraça dos demais.

            O líder russo associou os países a alpinistas em escalada, todos amarrados à mesma corda. A queda de um iria levar à de todos. A escalada só pode ser bem sucedida em regime de ampla colaboração. Já tivemos mostras inequívocas de que Gorbachev sabia do que estava falando com as crises econômicas de seu próprio País, do México, da Ásia, do Brasil e, agora, da Argentina, que afetam o mundo inteiro.

            Se isso é verdadeiro para o concerto das nações, imaginem para um país que vive em regime federativo como o nosso. Não é mais possível que a prosperidade chegue apenas para alguns. Se é verdade que o sol nasceu para todos, é preciso também que todos tenham o seu quinhão de sombra.

            É fundamental que haja melhor distribuição de renda no Brasil para que se crie o tão famoso mercado interno de que falava Celso Furtado. Da mesma forma, é imprescindível que se desconcentre a produção geograficamente para que se desconcentrem emprego, renda e, por fim, o consumo.

            Também é necessário que o crescimento econômico seja promovido com a ajuda de uma reforma tributária eficaz, que faça justiça social e sirva para promover a melhoria da qualidade de vida da população. Será uma política fiscal digna desse nome que, a um só tempo, contribuirá para promover o desenvolvimento econômico e a justiça social, dando condições ao Estado de cumprir o papel constitucional que dele se espera.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


            Modelo15/18/2411:13



Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2001 - Página 18911