Discurso durante a 105ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância do desenvolvimento do comércio exterior brasileiro no contexto da globalização.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • Importância do desenvolvimento do comércio exterior brasileiro no contexto da globalização.
Publicação
Publicação no DSF de 01/09/2001 - Página 19170
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, CRITICA, OBJETIVO, CRIAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS E COMERCIO (GATT), PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO, INDUSTRIA, PRODUTO AGRICOLA, PAIS EM DESENVOLVIMENTO.
  • ELOGIO, SUBSTITUIÇÃO, ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS E COMERCIO (GATT), IMPLANTAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), IMPORTANCIA, EFICIENCIA, POLITICA INTERNACIONAL, DESENVOLVIMENTO, COMERCIO EXTERIOR, PRODUTO AGRICOLA, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PSDB - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a globalização é o assunto do momento. A toda hora, e a propósito de qualquer tema - seja cultural, político ou econômico -, lá vem a palavrinha que, de tão comumente empregada, acaba por significar muito pouco. Em alguns campos, e especialmente no que respeita ao comércio internacional, não é todo mundo que sabe o que diz quando menciona esse processo. Chega a ser decepcionante ler, mesmo em nossos principais órgãos de imprensa, algumas tolices que se escrevem como se fossem a voz dos oráculos.

            No entanto, o conhecimento da realidade, das relações de poder e interesse entre as nações que estão em jogo a cada negociação, bem como as regras do próprio jogo, é requisito básico para quem deseja promover a melhoria das posições do País nesse tabuleiro, sobretudo para quem precise acompanhar, na qualidade de parlamentar e fiscal das ações do Poder Executivo, os lances desse verdadeiro xadrez que se desenrola no foro da Organização Mundial do Comércio (OMC). Como esse é nosso papel, gostaria de comentar alguns pontos contidos em uma publicação recente da Secretaria de Política Agrícola, do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, sobre as regras e disciplinas do comércio agrícola internacional.

            Quando consideramos, na verdade, a história recente do comércio internacional de produtos agrícolas - isto é, a conjuntura prevalecente após a Segunda Guerra Mundial -, somos levados a reconhecer que, por esses anos todos, existiu tudo, menos comércio livre global. De fato, quando os países líderes dos aliados, vencedores do conflito, estabeleceram, sobre os escombros de uma Europa arrasada e de uma ordem internacional que ruíra, as bases para a nova ordem mundial, decidiram criar uma estrutura político-diplomática - a Organização das Nações Unidas - e nada menos que três organismos econômicos destinados a fomentar a estabilidade e a confiabilidade dos fluxos internacionais de divisas.

            Esses três organismos são o Fundo Monetário Internacional (FMI), para a regulação fiscal e monetária; o Banco Mundial (Bird), para canalizar recursos destinados à recuperação dos países destruídos pela guerra e, mais tarde, para os países em desenvolvimento; e uma organização internacional do comércio, que não chegou a se constituir à época.

            Em seu lugar, foi assinado um acordo amplo e “provisório”, o chamado Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt), que estabelecia um conjunto de normas para a regulação das relações comerciais internacionais. Entre essas normas, destacavam-se as relativas à interdição de medidas protecionistas, por parte dos países signatários, de seu mercado interno. Especificamente, o recurso a medidas como proteção tarifária ou subsídios aos produtores nacionais estava proibido, a acusação de dumping sendo levantada à menor dúvida.

            “Proibido” quer dizer, proibido para a indústria. Desde o princípio, a agricultura estava fora do acordo e assim ficou até 1994, quando terminou a “rodada Uruguai” de negociações do Gatt, que daria origem, finalmente, à atual Organização Mundial do Comércio (OMC). Trata-se da velha moral do “faça o que digo mas não o que faço”, pela qual os países ricos, ao mesmo tempo em que cortavam as vantagens comparativas da agricultura dos países mais pobres, buscavam impedir que os países em desenvolvimento protegessem suas indústrias incipientes.

            Desde a chamada “rodada Uruguai”, no entanto, as coisas estão diferentes, pelo menos formalmente. Em lugar de um acordo provisório entre partes contratantes, temos uma Organização Internacional a pleno termo, composta por países-membros, no âmbito da qual, em vez das rodadas multilaterais periódicas, passamos a ter um foro permanente de negociação. Mais importante ainda: se o Gatt tratava apenas de mercadorias industriais tangíveis, a OMC trata também de serviços, dos direitos de propriedade e - ponto fundamental - de produtos agrícolas.

            Como resultado das negociações realizadas entre 1986 e 1993 na “rodada Uruguai”, foi assinado um Acordo sobre Agricultura, que define as regras para o funcionamento do mercado agrícola internacional a partir de janeiro de 1995, quando entrou em vigor. Esse acordo prevê quatro tipos de normas: as disposições gerais, aquelas relativas ao acesso a mercados, as medidas de apoio interno e, finalmente, as medidas de apoio a exportações.

            Entre as disposições gerais o Acordo prevê, em seu artigo 15, um tratamento mais favorável a ser concedido aos países em desenvolvimento e aos mais atrasados. Os países em desenvolvimento estão sujeitos a apenas dois terços dos compromissos exigidos dos países desenvolvidos, enquanto os países mais atrasados ficaram isentos de qualquer compromisso. Além disso, eles são favorecidos por terem um prazo maior de implementação dos compromissos.

            Um outro dispositivo do Acordo - o artigo 12 - prevê a proibição a todos os países de impor restrições ou proibir a exportação de produtos alimentícios sem a tomada em conta dos impactos sobre os países importadores. Países pobres e importadores líquidos de alimentos, particularmente, terão um tratamento especial por parte dos países desenvolvidos, de modo a atenuar os efeitos da liberalização dos mercados sobre seus sistemas de abastecimento doméstico.

            As normas relativas ao acesso a mercados, por sua vez, têm como metas a eliminação de todas as formas de barreira não-tarifária e a redução geral dos níveis tarifários. As barreiras não-tarifárias deverão sofrer, progressivamente, um processo de “tarifização”, pelo qual essas barreiras serão transformadas em um “equivalente” tarifário, isto é, uma tarifa que produza o mesmo efeito protecionista. Foi salvaguardada, porém, a possibilidade de exceções em casos específicos.

            Dada a diversidade das políticas agrícolas internas dos países-membros da OMC, foi necessário estabelecer normas e disciplinas específicas para a harmonização internacional dessas políticas.

            Desse modo, o Acordo classifica as políticas de apoio interno em dois tipos, conforme os efeitos que elas têm sobre o funcionamento dos mercados. Haveria as políticas que implicam distorções desprezíveis no comércio e as que têm efeitos significativamente distorcedores. As primeiras, denominadas políticas de caixa verde, por serem genéricas e não destinadas a setores específicos, são permitidas. Essas medidas caracterizam-se por serem implementadas por programa governamental financiado por recursos públicos e por não implicarem transferência de recursos dos consumidores aos produtores. Políticas destinadas a sustentação de preços, porém, não serão consideradas de caixa verde, estando sujeitas a redução e eliminação pelos termos do Acordo.

            O Acordo define como subsídio à exportação os seguintes tipos de medidas: subsídios diretos à produção agrícola para exportação; venda de estoques públicos a preço inferior aos do mercado; subsídios diretos à exportação; medidas de redução de custos de comercialização para exportação; subsídios ao frete interno e subsídios a produtos agrícolas incorporados a produtos para exportação.

            Os compromissos nessa área são de redução do valor monetário dos subsídios e da quantidade subsidiada de produto. Os percentuais de redução, mais uma vez, são diferentes para os países desenvolvidos - mais altos - e para os países em desenvolvimento e atrasados. O Acordo proíbe, além disso, o uso de outros tipos de subsídio.

            A implantação da Organização Mundial do Comércio representa um grande progresso em relação ao antigo Gatt, tanto pela maior rapidez com que as questões passaram a ser tratadas quanto pelo fato de se tratar de uma organização internacional, não mais um simples acordo. A vantagem principal, sobretudo para um país de grande potencial de produção agrícola como o Brasil, porém, reside no fato de que as mercadorias agrícolas passaram a ser tratadas nos mesmos moldes liberalizantes com que já se tratavam os produtos industriais.

            Apesar dessa vantagem teórica, é preciso estar atento. Os países ricos deverão tentar tudo o que estiver ao seu alcance para manter protegidos seus agricultores, mesmo se países como o Brasil forem capazes de colocar a menor preço o mesmo produto nos portos de destino. Aproveitar as novas regras de comércio “livre” exigirá competência de nossos negociadores nos foros internacionais, caso contrário seremos facilmente vítimas de acusações de estarmos violando alguma das cláusulas acordadas na OMC. O caso Bombardier versus Embraer deve servir como lição também para os que trabalham na área do comércio agrícola internacional.

            Srs. Senadores, a hora pode ter soado para o grande salto do Brasil agrícola. Temos de aproveitar, como disse, essa oportunidade. Para isso teremos de investir, é certo, na qualidade e produtividade de nossa agricultura, mas sobretudo precisaremos de competência por parte de nossos negociadores, oficiais e privados, no âmbito do comércio internacional.

            Governo e as classes produtoras não poderão vacilar, pois comércio internacional é uma verdadeira guerra, e como tal é compreendida pelas nações ricas e poderosas. Abrir espaço nesse campo é nosso desafio para o século que se inicia, o século da globalização.

            Muito obrigado.


            Modelo15/3/243:17



Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/09/2001 - Página 19170