Discurso durante a 106ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Incoerência do pensamento econômico de Fernando Henrique Cardoso.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Incoerência do pensamento econômico de Fernando Henrique Cardoso.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2001 - Página 19654
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, INCOERENCIA, IDEOLOGIA, NATUREZA ECONOMICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, POLITICA, PRIORIDADE, IMPORTAÇÃO, EFEITO, CRESCIMENTO, DIVIDA EXTERNA, BRASIL.
  • CRITICA, DESPESA ORÇAMENTARIA, GOVERNO FEDERAL, PUBLICIDADE, POLITICA MONETARIA, REAL, BRASIL.
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, HISTORIA, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, COMENTARIO, OPOSIÇÃO, DEFLAÇÃO, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, afirmou o Presidente Fernando Henrique Cardoso lá do trono da Presidência da República: “Não é preciso ter lido nada que li para sentar nesta cadeira”. Talvez a consciência desguarnecida, in albis, seja mesmo preferível a uma falta de consciência sistemática que a esperteza, muito mais que o amor à verdade, o desejo de se aproximar do real e de conhecer a realidade para transformá-la, seja capaz de fazer.

            O Presidente Fernando Henrique Cardoso, que perdeu tantas grandes oportunidades de ficar calado, devia ter estudado um pouco mais aquela que Keynes chamou de “ciência perigosa”. A economia, dizia o lorde inglês - o maior economista ortodoxo do século XX -, é uma ciência muito perigosa. Eu diria perigosíssima, senhor lorde, principalmente quando é posta na cabeça de algumas pessoas que perderam os rumos em que se deve assentar o conhecimento humano: a probidade, a honestidade, a intransigente obediência aos princípios básicos da solidariedade humana, do respeito ao próximo.

            Quando as pulsões narcísicas impulsionam um ser humano que conjuga narcisismo e volantè de puissance, narcisismo e ambição individual, insaciável, os resultados podem ser e são catastróficos.

            Acompanhei o caminhar do Professor Fernando Henrique Cardoso. Para falar a verdade, não sou um ser muito partidário, que não tenho objetivos individuais e esterilizei, ao longo de minha vida, o narcisismo.

            Quem de nós conseguiu chegar ao Senado Federal sem ter escutado centenas ou milhares de vezes de alguém, de algum eleitor, de algum admirador: “O senhor deveria ser Presidente da República”. Todos cansamos de ouvir essa frase. Ouvi-a milhares de vezes, mas entra por um ouvido e sai por outro. Se eu fosse embarcar nesses encômios, nesses elogios, eu correria o risco de me perder num narcisismo inconseqüente. Mas precavi-me, há muito, contra essa desgraça, não apenas eu, mas principalmente os cidadãos que pretendem chegar aos postos de comando, aos postos de decisão em relação a importantíssimos problemas internos e internacionais.

            O Presidente Fernando Henrique Cardoso declarou-se um adepto do método de Marx, das categorias marxistas, da forma de análise que Marx adotou. Portanto, escreveu nesse mesmo livro sobre escravidão e capitalismo que era um ser radical sob a conceituação que Marx faz do termo - ser radical é penetrar até as raízes dos problemas, onde se encontra o homem perdido, o homem desprezado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e o homem marginalizado e enganado por falsas promessas.

            Ultimamente, com sua simpatia pessoal irresistível, tem afirmado Sua Excelência, o Presidente da República, que é preciso “exportar ou morrer”. Não há como permitir que, com uma dialética destrambelhada, o Presidente, com a mesma cara, com o mesmo otimismo aparente, com o mesmo sorriso irresistível, dirija um País no sentido diametralmente oposto do adotado nos quatro primeiros anos de seu Governo. Naquele período, era “importar ou morrer”. Precisávamos importar tudo, não importava o quê - carro, geladeira, chocolate, tecido, sapato. O que importava era importar - ou morrer.

            Agora, seremos mortos, de acordo com a promessa presidencial. Refiro-me àqueles que escaparam da enchente das importações subsidiadas pelo câmbio criminoso do Sr. Gustavo Franco, que pretendia colocar R$0,58 valendo US$1. Essa era a sua proposta inicial. Assim, importaríamos tudo o que o mundo tivesse de sobra para enviar-nos e a preço de banana, com o câmbio subsidiado pelo Governo. Não restaria pedra sobre pedra da indústria nacional. Os empregos dos trabalhadores seriam fechados mais do que foram, e as empresas nacionais faliriam em maior número do que o Real conseguiu fazer.

            Portanto, não há dúvida alguma de que foi aumento do endividamento decorrente desse sistema, desse modelo que priorizava as importações sobre as exportações que fez aumentar a dívida externa exponencialmente, e o limite a este Governo, aos seus efeitos demagógicos foi imposto não pela razão pura ou impura dos Governantes brasileiros, não pela comiseração diante dos empresários nacionais, que foram destruídos e tiveram que se vender ao capital estrangeiro a preço de banana. À certa altura do andamento da carruagem, parece que os ares pré-eleitorais da primeira reeleição despertaram o Governo Fernando Henrique Cardoso e ele próprio.

            Então, ele que dizia que ia tudo muito bem - Dr. Pangloss - no melhor dos mundos, declara ele: Temos agora o Programa Prá Frente Brasil, Levanta Brasil, Avança Brasil... São tantos que nem sei qual foi o primeiro, em qual deles ele falou que havia alguns setores destruídos, mas que seriam recuperados. Enquanto ele dizia que havia três ou quatro setores destruídos em uma entrevista que concedeu à revista Esquerda 21, o Ministro Francisco Dornelles já detectava mais de 30 setores que poderiam ainda ser recuperados.

            Todos sentimos o que foi essa loucura importadora. Então, o senhor é contra a importação? Eu não sou contra a importação e nem contra a exportação. Sou contra as formas pelas quais esses fenômenos têm sido conduzidos na economia capitalista ao longo do tempo. Não pode haver dúvida para aqueles que não encostaram, não fecharam os livros, não falaram para esquecer tudo o que escreveram, para aqueles que continuaram tentando decifrar os hieróglifos da vida e do mundo.

            De algumas coisas, de alguns vícios do pensamento custamos tanto a nos livrar! Somos escravos desses vícios, os “idolas” do Bacon, de tal forma que nós, países dominados, tivemos sempre um vício: aprendemos a, criticamente, importar medidas que os países dominadores, depois imperialistas, impõem sobre nós. E o Plano Real é a prova disso. Os Estados Unidos disseram que ele não duraria três meses; o FMI também - isso foi publicado há pouco tempo. E o grande milagre foi ter anestesiado de tal forma o povo brasileiro que, no último ano, foram gastos R$480 milhões em publicidade. E quem não gosta da democracia? Mas uma democracia em que um só pode falar!? Quatrocentos e oitenta milhões de reais para a mídia se abrir, enquanto nós outros, pobres cidadãos que vamos morrer, pobres cidadãos mortais, ficamos aí amordaçados, querendo nos livrar de outras leis de mordaças.

            E o que acontece? Não quero deixar de colocar aquilo que me trouxe aqui.

            Durante 300 anos, houve uma ideologia dos comerciantes, dos mercadores: o mercantilismo, que durou 250 anos na Inglaterra. O mercantilismo é a expressão da voz dos comerciantes que se haviam enriquecido a tal ponto que chegavam perto da orelha do soberano e começaram, então, a tecer a sua ideologia, a defender os interesses das suas companhias de navegação: Misselden, Mallynes e tantos outros, todos diretores e donos de companhias de navegação. Então, eles diziam: “Se nós exportarmos, Majestade, beneficiaremos todos os trabalhadores ingleses, que terão mais oportunidade de trabalho, trabalhando para a exportação. Se nós exportarmos muito, Vossa Majestade terá ouro, que entrará na Inglaterra como diferença entre os valores exportados a mais do que os importados”. E assim por diante. Era todo um sistema ideológico, uma advocacia a favor das exportações.

            Então, o Presidente Fernando Henrique Cardoso é, no mínimo, um mercantilista. Ele não aprendeu com Marx, porque talvez não tenha lido ou tenha esquecido o livro em que este economista aborda muito bem questões que tangenciam a obra Filosofia da Miséria, de Proudhon. Em resposta a Proudhon, escreveu Miséria da Filosofia. E lá, ele ensina o óbvio: do ponto de vista do exportador, quanto mais exportar, melhor, mais ele enriquece, mais aumenta sua receita. Do ponto de vista do exportador, quanto mais exportar, melhor. Isso é óbvio! Mas esse ponto de vista não pode ser generalizado. Do ponto de vista do todo, aumentar as exportações é uma loucura! O país que tem superávit de exportação transfere riqueza líqüida para o exterior. Se a Inglaterra exportasse realmente um valor superior ao de suas importações, estaria sendo explorada pelas suas colônias.

            Então, Sua Excelência deve saber que a ideologia tem essa função de obscurecer e de colocar o mundo de cabeça para baixo. Do ponto de vista da nação como um todo, do ponto de vista da totalidade, não há nada pior do que exportar, do que ter saldo de exportação. É isto o que nos aconselha: exportar ou morrer.

            Então, vamos morrer, fatalmente. Se conseguimos sobreviver às loucuras do Real I, não escaparemos desta, que é a inversão daquilo que foi feito há pouco tempo: abarrotaram-nos de importações e agora dizem isso, os mesmos que nos sufocaram com importações, que fizeram elevar a dívida externa a quase US$300 bilhões para que importássemos e achatássemos os preços internos. Erigiram a inflação como a única meta a ser combatida. Devemos passar fome, enxugar, importar de tudo, destruindo empregos e indústrias, para achatarmos os preços internos e combatermos a inflação.

            Agora é o contrário: se exportamos, reduzimos a oferta interna. Exportar ou morrer é fazer morrer de novo aqueles que conseguiram se salvar da hecatombe que o FMI achava impossível ser aplicada. Mas o FMI não sabia da paciência, da resistência de parte do povo brasileiro, dos sobreviventes, dos supérstites.

            De modo que então... - e já me avisam que meu tempo acabou -, gostaria apenas de alertar a respeito desse assunto.

            Não sou favorável à inflação! Já escrevi dois livros, o primeiro comecei em 1958, mostrando os males da inflação, do processo acumulativo impulsionado pela inflação por meio de redução de salário, por meio de mecanismos anti-sociais. Inflação, sou contrário a ela! E sou contrário à deflação, porque ela significa crise.

            Bresciani Turroni, Lord Keynes e tantos outros perceberam que toda crise vem acompanhada de queda de preços; caem os lucros, a taxa de juros se eleva, e, caindo os lucros, há pedidos de falência e concordata; ou seja, a taxa de lucro cai, a taxa de juros se eleva, o desemprego aumenta, reduz-se, portanto, o mercado consumidor.

            O Governo, arrecadando menos, tem de gastar menos, aí demitem-se funcionários públicos e enxuga-se a máquina. Essa situação de crise se agrava e os bancos começam a quebrar; os bancos, que pensavam se beneficiar com a elevação da taxa de juros, vêem os seus clientes sumirem; os investimentos caem, a economia se contrai, num círculo perverso.

            Então, a deflação é realmente um mal igual ou pior do que a inflação. E o capitalismo só tem a nos oferecer inflação ou deflação. Aí é que está o mal do sistema, como um todo: só tem a nos oferecer inflação ou deflação, saldo de exportação ou saldo de importação.

            Maurice Dobb, um dos maiores economistas ingleses, escreveu algo a respeito do qual, com muita dificuldade, também concordo. Disse ele que um país se enriquece quando tem déficit na balança comercial. Agora, ninguém vai aceitar pregar déficit. Quando há déficit na balança comercial é porque o país importou um valor superior ao de suas exportações. Então, a riqueza interna aumentou, como ocorreu no Plano Real 1.

            Todavia, para que nós, pobres e explorados, possamos chegar ao ponto de importar mais que exportar, temos que aumentar nossa dívida externa. Sempre tivemos de fazer isso. Dessa forma, é a dívida externa que vai limitar nesse crescimento dependente, sustentado pela dívida.

            Maurice Dobb afirma que devíamos chamar de superávit de importação os nossos déficits comerciais e lutar para ter esse superávit cada vez maior, um superávit de importação sobre exportação. Assim, teríamos um saldo de riquezas positivo. Foi assim que Dr. Shacht e Adolf Hitler conseguiram resolver uma grande parte dos problemas que envolviam a economia alemã, com 44% de desemprego, em 1933, depois de sair de uma dívida externa fantástica, que obrigava a Alemanha a exportar cada vez mais para conseguir recursos em moeda forte e, assim, pagar os juros e o serviço impostos à Alemanha pelo Tratado de Versalles.

            Gostaria que Sua Majestade, o Presidente da República, depois do terceiro mandato que Sua Excelência deseja desfrutar, passasse a vista aqui nestas linhas do professor Maurice Dobb para ver o que ele está fazendo, para entender o que ele fez conosco.

            O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso declarou que o que o Sr. Gustavo Franco fez foi um exagero, aquela taxa de câmbio era um exagero, mas ele não a corrigiu. Quando o processo já estava apodrecendo, lá o Diretor-Gerente do FMI, Michel Camdessus, afirmou: “O Presidente Fernando Henrique Cardoso é responsável pela situação que está ocorrendo no Brasil”. Ele está adiando as medidas necessárias que deveria tomar por causa da sua reeleição.

            É só isso, Sr. Presidente. Muito obrigado.


            Modelo15/17/2411:22



Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2001 - Página 19654