Discurso durante a 106ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da autonomia orçamentária da Defensoria Pública, no bojo da reforma do Judiciário.

Autor
Luiz Otavio (S/PARTIDO - Sem Partido/PA)
Nome completo: Luiz Otavio Oliveira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Defesa da autonomia orçamentária da Defensoria Pública, no bojo da reforma do Judiciário.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2001 - Página 19663
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, IMPORTANCIA, AMPLIAÇÃO, ANALISE, PROJETO, REFORMA JUDICIARIA, MELHORIA, AGILIZAÇÃO, TUTELA JURISDICIONAL.
  • LEITURA, TRECHO, DISCURSO, MARCO AURELIO MELLO, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEFESA, ASSISTENCIA JUDICIARIA, PESSOA CARENTE.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, DEFENSORIA PUBLICA, NECESSIDADE, AUTONOMIA FINANCEIRA, AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, EFICACIA, ASSISTENCIA JURIDICA, POPULAÇÃO CARENTE, ESPECIFICAÇÃO, PRESO, PREVENÇÃO, MOTIM, PRESIDIO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LUIZ OTÁVIO (Sem Partido - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna hoje para pleitear por aqueles que não possuem condições financeiras para ter acesso à justiça e, conseqüentemente, dependem da Defensoria Pública, instituição que, apesar de já ter prestado incomensuráveis serviços àqueles que têm sede de justiça, necessita de melhor estrutura organizacional, com independência operacional, administrativa e financeira.

            Tramita nesta Casa o Projeto de Reforma do Poder Judiciário. A sociedade espera, ansiosa, por melhoria e agilidade na prestação jurisdicional.

            A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, no exame inicial do projeto, vem ouvindo os especialistas e notáveis de toda a sociedade, no intuito de garantir a participação e o reconhecimento de todos. Reconheça-se, por oportuno, a pesquisa democrática do eminente Presidente daquela Comissão.

            A Reforma do Judiciário não pode ser reduzida a um mero “rearranjo funcional” da burocracia dos Tribunais. Ela há de criar condições para que o esforço da prestação jurisdicional vença os obstáculos que sempre enfrentou.

            A morosidade e a efetividade das decisões - aí estão as liminares e os precatórios a desafiarem soluções para a ordem institucional - e outros fatores pedem a nossa reflexão acurada.

            Solicito a atenção desta Casa para o problema do acesso à Justiça. O Brasil vivencia índices sociais que envergonham as nações democráticas. Segundo números do IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a concentração de renda no Brasil faz com que os 10% dos mais ricos da população tenham renda 28 vezes superior à dos 40% mais pobres. Essa equação constrange-nos perante sofridas nações africanas, que melhor do que nós sabem distribuir sua renda.

            Ao apreciar o Projeto de Reforma do Judiciário, o Senado não pode desconsiderar essa estado de coisas. Nesse sentido e em boa hora, o insigne Senador Bernardo Cabral - presença em nosso Parlamento e motivo de orgulho não somente para o seu Estado, o Amazonas, mas também para toda a Amazônia -, como Relator, fez ouvir em audiência pública, em 21 de agosto último, alguns representantes da Defensoria Pública. Compareceram a Presidente do Colégio Nacional de Defensores-Gerais, Condege, Defensora Nívea Rolim, a Procuradora-Geral da Defensoria de Mato Grosso do Sul, Defensora Nancy Carvalho, e o Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos, Anadep, Defensor Roberto Freitas Filho.

            Participei daqueles trabalhos, e, na exposição, ficou evidente a importância e a necessidade da Defensoria Pública como instituição do Estado a serviço do carente.

            Repito, por oportuno, o trecho do discurso de posse do Exmº Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Marco Aurélio Mello, referindo-se ao tema:

...é tempo de proporcionar-se, aos menos afortunados, de maneira iniludivelmente eficaz, a assistência jurídica integral e gratuita. É tempo de a população já poder dispor dos essenciais serviços da Defensoria Pública nos Estados e no âmbito da União, em moldes satisfatórios.

            Também no seu discurso de posse, o Exmº Sr. Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Paulo Costa Leite, proclamou:

Em tema de acesso ao Judiciário, porém, é fundamental que se organize a Defensoria Pública.

            Vê-se que o reconhecimento da importância da Defensoria Pública é ponto pacífico o Judiciário brasileiro. Mas, Sr. Presidente, a manifestação dos Presidentes dos Tribunais Superiores não nos pegam desprevenidos.

            Foi o Parlamento, em sua feição Constituinte, que elevou a Defensoria Pública à condição de função essencial à Justiça. O Senado emprestou valiosa colaboração para a edição da Lei Complementar nº 80, que estrutura e organiza a instituição Defensoria Pública. Mesmo assim, a viabilização do acesso à Justiça para os carentes está a exigir avanços para resolver os entraves não superados.

            A autonomia orçamentária é um desses significativos avanços.

            Na verdade, à Defensoria Pública compete a defesa dos carentes, até mesmo contra o próprio Poder Público. Por decorrência dessa circunstância, a Defensoria há de ter, na independência, um dos pilares de sua atuação.

            Nesses termos, a independência exige um desdobramento de ordem econômica. O curso dos processos exige, não raro, um esforço probatório constituído de perícias, laudos e outros atos, cuja prática demandará um aporte de recursos que os carentes jamais conseguirão fornecer.

            De fato, de nada adiantará a proclamação da independência se não se assegurar um correspondente orçamentário que sirva de garantia à atuação.

            Na realidade, a inexistência da autonomia orçamentária implicará no sacrifício da própria independência funcional.

            O titular da Defensoria Pública da União é submetido à sabatina no Senado, o que torna os Senadores partícipes de sua investidura. É em nome da independência da sua atuação que assim se procede. A ausência da autonomia orçamentária torna inútil ou inócua a participação do Senado. De que valerão os compromissos demonstrados pelo sabatinado se não dispuser do mínimo de recursos para garanti-los?

            Ressalte-se que a autonomia estará, toda ela, vinculada à lei orçamentária, subordinada ao controle do Parlamento e, portanto, do Estado.

            Outros setores da administração não poderão, à custa de seu prestígio, “avançar” sobre os recursos dos carentes que estarão devidamente protegidos em seus respectivos duodécimos.

            Cabe a nós do Senado a grave decisão acerca desse possível avanço. Pela história que cada Senador tem na sua vida e no Parlamento, não guardo dúvidas quanto ao destino da decisão.

            Sr. Presidente, na esfera da União, está em trâmite o concurso público destinado ao preenchimento de vagas e dos cargos recentemente aprovados no Senado. No meu Estado, o Pará, o Governador Almir Gabriel, cuja administração sempre foi direcionada para os mais carentes, vem dando um tratamento especial à Defensoria Pública, fornecendo condições de trabalho dignas, com instalações e equipamentos de qualidade. Do ponto de vista salarial, um grande esforço de melhoria já se nota, tendo ocorrido inclusive a equiparação aos Procuradores de Estado. O Defensor Público em nosso Estado agora recebe a mesma remuneração que o Procurador do Estado, hoje na faixa de R$4 mil. Foi também recentemente autorizada a publicação de edital para a contratação, via concurso público, de mais Defensores Públicos para atuar no Estado do Pará.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das grandes inovações constantes no Projeto de Reforma do Judiciário é a criação do Conselho Nacional de Justiça. Esse novo órgão é, como tudo que é novo, polêmico. Deixo aqui de esboçar um juízo definitivo sobre a sua conveniência e admissibilidade dentro do sistema.

            Todavia, vindo a existir, não há como concebê-lo sem a participação da Defensoria Pública. E a Defensoria é posta na Constituição Federal como função essencial à Justiça.

            Criar um Conselho destinado a colaborar com a administração do Poder Judiciário, procurar uma composição que assegure uma contribuição democrática ao mesmo e excluir dessa composição uma função essencial à Justiça é um contra-senso. Mais que isso, é verdadeira discriminação que, seguramente, o Senado não cometerá.

            Trago a firme convicção de que a Defensoria Pública é a grande ferramenta da cidadania. Ela permite a inserção efetiva do pobre na ordem jurídica. Além de tudo, guarda ainda a Defensoria Pública a vantagem de ser barata para a economia estatal.

            A título de exemplo, cita-se, rapidamente, a atuação do setor carcerário da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Ali um grupo de Defensores, em constante e efetiva atuação, vem conseguindo um volume de livramentos condicionais em torno de 400 por mês. Essa cifra é fator primordial na pacificação do sistema no Rio, que não registra rebeliões de porte. Além das vidas humanas, que não podem ser avaliadas, bem se sabe o custo financeiro dessas rebeliões, seja para a sua repressão, seja para a recuperação dos estragos.

            É importante dizer que temos sido provocados constantemente com as questões das rebeliões nas penitenciárias estaduais. O Estado de São Paulo é um exemplo que mostra o que tem acontecido não só com o menor infrator mas também com aqueles que já foram condenados ou que têm sua prisão decretada judicialmente.

            Portanto, é importante e necessário não só a construção de novas penitenciárias, não só a efetiva diminuição do número de encarcerados, mas principalmente o trabalho que a Defensoria Pública faz e continuará a fazer, agilizado, acompanhado pari passu, desde a entrada do pedido de prisão até o acatamento da sentença, que deverá ser sempre feita com base na legalidade.

            Existem pessoas que poderiam estar livres e outras que até já cumpriram a pena, mas só a Defensoria Pública, que defende o cidadão que não tem como pagar um advogado, pode realmente diminuir essa pressão que existe dentro do sistema carcerário.

            Todos os dias, assistimos, obrigatoriamente, a episódios tristes nos canais da televisão. O noticiário nacional tem sempre reservado um lugar para matérias sobre rebelião em penitenciária. Isso é impressionante. Assisto a alguns jornais, principalmente ao Jornal Nacional, e todos os dias tenho certeza de que logo chegará a notícia de uma rebelião em uma penitenciária, em uma instituição para menores infratores, até em penitenciária de segurança máxima. As fugas são diárias e causam inquietação e dificuldades até para Estado.

            Voltarei a tratar desse tema nesta Casa, destacando a terceirização do sistema penal. Nos Estados da Amazônia, como o Pará, por exemplo, onde há 2 mil presos, não há instalações suficientes. Devemos construir mais penitenciárias e distribuí-las em vários Municípios. Quanto ao custo, não só administrativo mas também manutenção, coordenação e fiscalização das Polícias Civil e Militar, teremos, brevemente, uma definição para esse problema.

            Ainda com relação à Defensoria Pública, as políticas alternativas de acesso à Justiça, fortemente marcadas pelas manchas do assistencialismo ou do improviso, após o consumo de volumosos recursos públicos, sempre se mostram ineficazes. Nesse sentido, cumpre lembrar a política de mutirões, cuja incapacidade para solucionar o problema carcerário é indiscutível e que, mesmo assim, tem sido, muitas vezes, a principal linha de ação do Estado.

            Por tudo isso, acredito que a organização da Defensoria Pública, com as melhorias de que ela necessita, será uma das grandes contribuições que se dará na reforma do Judiciário para que o acesso à Justiça deixe de ser uma promessa distante e passe a ser uma perspectiva real para todo cidadão.

            Sr. Presidente, foi uma satisfação ter participado de audiência pública, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que contou com a presença de autoridades do Poder Judiciário, como os Ministros Presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, bem como de membros da Ordem dos Advogados do Brasil e, principalmente, com esses lutadores, os Defensores Públicos. Durante essa audiência pública, assistimos a exemplos enfocados pelas lideranças sindicais da categoria, escutamos a explanação de membros das lideranças nacionais da Defensoria Pública sobre o trabalho eficiente, respeitado, sério e honrado do Defensor Público.

            Os mais necessitados, os brasileiros que moram na Amazônia e, em especial, no Estado do Pará sabem o que é precisar da Justiça. Necessitados de um advogado, não têm recursos para pagar essas despesas - isso acontece até mesmo com quem já cumpriu pena -, encontram na Defensoria Pública o socorro.

            Portanto, a Defensoria Pública merece o respeito e a consideração desta Casa e do Congresso Nacional.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


            Modelo15/11/2412:44



Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2001 - Página 19663