Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM A PEDRO ALEIXO PELO TRANSCURSO DO CENTENARIO DE SEU NASCIMENTO.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A PEDRO ALEIXO PELO TRANSCURSO DO CENTENARIO DE SEU NASCIMENTO.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2001 - Página 18951
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, PLENARIO, FAMILIA, PEDRO ALEIXO, POLITICO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, PEDRO ALEIXO, POLITICO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), REGISTRO, BIOGRAFIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA.
  • ANALISE, HISTORIA, BRASIL, IMPEDIMENTO, POSSE, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PEDRO ALEIXO, EX VICE PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, DISCORDANCIA, ATO INSTITUCIONAL, REGIME MILITAR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Senador Edison Lobão, discípulo de Pedro Aleixo, como jornalista e como homem público, Sr. Padre José Carlos Brandi Aleixo, Srª Heloísa Aleixo Lustosa, Sr. Maurício Brandi Aleixo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário da Silva Velloso, Sr. Governador Rondon Pacheco, Dr. Orlando Vaz, advogado e professor mineiro, Sr. Presidente da Empresa dos Correios e Telégrafos de Minas Gerais, Sr. Israel Pinheiro Filho, filho do construtor de Brasília e representante do Governador Itamar Franco.

            Desde logo, o meu abraço de estima e de apreço ao Padre José Carlos Aleixo e a Heloísa Aleixo Lustosa, filhos de Pedro Aleixo, a Marisa Aleixo e a Eliana Aleixo, filhas de Heloísa, a Maurício Aleixo, filho de Pedro Aleixo, e a Lúcia Aleixo, filha de Maurício.

            Faço, preliminarmente, a leitura de um documento, que, num quadro pequenino, está na casa onde nasceu Pedro Aleixo, no distrito de Bandeirantes, Município de Mariana - casa que visitei a sós e, depois, em companhia da família.

             “O infante Pedro Aleixo ainda era muito pequenino, tanto que para transportar o menino foram feitos dois balaios de taquara, tipo berçário. O que iria servir para transportar o menino, foram feitos dois balaios de taquara, tipo berçário (...) O que iria servir para transportar a criança foi forrado e acolchoado, tendo na parte superior a forma de aba, para que o menino fosse protegido do sol. No outro foi colocada uma pedra, semelhante ao peso da criança, para contrabalançar. Os balaios foram alçados em um arreio, tipo cangalha, e colocados no dorso de uma egüinha mansa e boa de sela, a qual foi puxada por um dos empregados”. Levou um dia de viagem entre Bandeirantes e Ouro Preto, passando por Mariana e Passagem, através de trilhas, à procura de caminhos, nos vales e nos sopés das montanhas. Hoje, pelo asfalto, menos de meia hora de automóvel.”

            Estas minhas palavras, na comemoração do centenário de Pedro Aleixo, nascem dos seus mais íntimos companheiros de viagem, principalmente dos filhos Heloísa, Maurício, José Carlos e Sérgio, que estão aqui entre nós, no plenário do Senado da República. Ouso incluir-me entre os mais próximos amigos da família. Fui, há poucos dias, à casa e ao trabalho de cada um, em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília. Conversamos demoradamente, rememorando a trajetória de vida do cidadão, do homem público e do estadista Pedro Aleixo, desde Bandeirantes, em Mariana.

            Nós nos conhecemos em 1944, logo que cheguei, pela primeira vez, em Belo Horizonte, e de onde nunca mais saímos. Dali para frente, nós o acompanhamos bem de perto na vida pública e no convívio com a família, lá na rua Antônio de Albuquerque, esquina com a rua Rio de Janeiro, em Lourdes. A capital, sucessora de Ouro Preto e, à época, “a mais nova noiva da República”, ainda era pequena, mas os seus homens, grandes. Os homens públicos, incorruptíveis, os mais respeitados do País. Sabíamos de Pedro Aleixo e de Milton Campos, para não citarmos outros tantos nomes de Minas, pelo que líamos e ouvíamos lá no Nordeste distante.

            A Inconfidência Mineira, em Ouro Preto, onde fora batizado, era a maior paixão e a grande lição de Pedro Aleixo. Sua vida foi tão límpida quanto a de Milton Campos, cujo centenário de nascimento comemoramos aqui, nesta Casa, em novembro do ano passado.

            Pedro Aleixo nasceu em Bandeirantes, sob os cuidados dos parentes de Úrsula, no dia 1º de agosto de 1901 e, meses depois, mudou-se para Ouro Preto, onde residiam os seus pais. Fez o curso primário e parte do secundário em Ouro Preto, no Colégio Malheiros. O Dr. Ricardo Fiúza, que guarda hoje as atas daquele colégio, contou a Maurício Aleixo que, em uma argüição do menino Pedro Aleixo, o professor, impressionado com a lucidez e a desenvoltura, declarou: "Olhem, prestem atenção, este menino ainda será Presidente do Brasil." O vaticínio realizou-se de certa forma, pois Pedro Aleixo assumiu a Presidência por quatro dias, em 1967, em substituição ao Presidente Costa e Silva. Mas o frustrante e o ainda doloroso na sua história que não assumiu, de fato, como de direito devia.

            A casa do pai, José Caetano Aleixo, em Ouro Preto, no Largo da Matriz de Antônio Dias, tombada como todo o casario central de Ouro Preto, tem beleza e história. No teto, pinturas originais, hoje restauradas. Outras pessoas, caras a Minas e aos mineiros, também moraram lá. É o caso de Guignard, o pintor Alberto da Veiga Guignard. Nessa casa funciona, hoje, a Fundação de Arte de Ouro Preto, a Faop, cedida em comodato pelo Padre José Carlos, herdeiro de Pedro Aleixo. Antes, ela foi vendida e, mais tarde, readquirida por Pedro Aleixo, que pensou em utilizá-la como residência da família nos fins de semana. Heloísa Aleixo, aqui na mesa, sempre a filha querida, relata: “Quando Milton Campos assumiu a presidência de uma fundação para acolher Guignard - grande artista, mas boêmio e desprendido de bens materiais - pediu ao papai que cedesse a casa para Guignard morar. Ali, ele pintou um retrato meu, de uma das janelas, com a vista de Ouro Preto. Esse quadro me dá muita alegria.” Essas foram as palavras de Heloísa.

            Pedro Aleixo nasceu em família de bem, no coração aurífero de Minas. Seu pai, José Caetano Aleixo, um dos signatários do manifesto de criação do Partido Republicano Mineiro, o PRM, casou-se duas vezes. Do primeiro casamento, com Francisca, nasceram Antônio Aleixo e João Aleixo. Do segundo, já viúvo, com Úrsula, nasceram Pedro, Alberto, Lindolfo, Josefino e Úrsula, o mesmo nome da mãe. José Caetano era um próspero comerciante atacadista em Ouro Preto, fornecedor de mercadorias para várias cidades próximas. Sua mãe, Úrsula, era de Bandeirantes, distrito de Mariana, cidade histórica, primeira capital de Minas, vizinha de Ouro Preto.

            Devo lembrar que este orador, então Governador, consagrou a data de 16 de julho como o “Dia de Minas Gerais”, comemorativo do nosso Estado.

            Todos os filhos de José Caetano Aleixo têm sua história de vida edificante de acordo com a vocação e atribuições de cada um.

            O destino do primeiro irmão,

            Antônio Aleixo

            Médico de renome, Antônio Aleixo, irmão mais velho de Pedro, estudou Medicina na Bahia e no Rio, e especializou-se em doenças da pele, sífilis e lepra, dedicando-se totalmente à profissão. Hoje, em muitas cidades do Brasil, alguns hospitais levam o seu nome.

            Gravemente enfermo aos 30 anos, em Belo Horizonte, Antônio Aleixo fez uma retrospectiva de sua vida e concluiu humildemente que precisava viver um pouco mais para cumprir a sua missão terrena. Cristão, pediu a Deus mais um tempo de vida para ultimar o seu destino. Completamente curado, concluiu ter sido sua cura a resposta divina. Dedicou-se aos pobres e nunca mais tomou qualquer medicamento.

            Antônio Aleixo é o nome da minha rua em Belo Horizonte, entre a rua da Bahia e a Avenida Olegário Maciel, ligada à Praça Carlos Chagas. A rua, em Lourdes, no centro urbano e da alma de Belo Horizonte, fica hoje entre arranha-céus e é coberta de árvores e de flores. Vai do Palácio da Liberdade, do Governo de Minas, ao Palácio da Inconfidência, da Assembléia Legislativa, ligando dois Poderes do Estado: o Executivo e o Legislativo.

            O destino de João Aleixo, o segundo irmão

            O pai, José Caetano Aleixo, homem austero e de posse, mandou o filho estudar Direito em Viena, na Áustria. Mas quando soube que João estava, na verdade, estudando música, cortou-lhe a mesada e o deserdou. E ao descobrir que o filho Antônio Aleixo ajudara o irmão enviando-lhe dinheiro para ele retornar ao Brasil - o que então se fazia de navio - considerou essa ajuda um “crime imperdoável”.

            O sobrinho Maurício Aleixo confirmou essa história que bem ilustra o rigor paterno da época. Mas, “as coisas mudaram, tanto que,” disse Maurício, “ logo depois, eles se reconciliaram - o testamento não foi sequer apresentado, talvez por disposição do próprio José Caetano”.

            Sabemos que a escola antiga destinava-se a formar homens eruditos, intelectuais, e prepará-los para o poder, para o comando da vida política, econômica, social e cultural do Brasil. Os abastados, comerciantes ou não, preferiam educar seus filhos no exterior. João, em Viena, ao preferir o piano ao Direito, rompeu com essa tradição.

            O destino de Alberto Aleixo,

            o quarto irmão

            Com o falecimento de Úrsula, Alberto, irmão de Pedro Aleixo, apareceu, depois de longa ausência, na casa do sobrinho Maurício Aleixo, na rua Espírito Santo, em frente ao Minas Tênis Clube, para propor a venda de sua parte da herança. Maurício consultou os tios e irmãos, e nenhum quis comprar. Ante a insistência do tio, Maurício se dispôs a comprar, mas as suas economias não cobriam o valor da herança, avaliada em seis mil cruzeiros. Só dispunha de quatro mil. Travou-se, então, entre eles um diálogo extraordinário: Maurício Aleixo querendo pagar o justo preço e Alberto querendo receber apenas o que precisava, bem menos. Alberto só precisava e só aceitava três mil: “Você, Maurício, não pode me forçar a receber mais do que preciso.” Ele queria o dinheiro para restabelecer a circulação do jornal A Voz Operária, órgão do Partido Comunista, que funcionava na rua Álvaro Alvim, na Cinelândia, no Rio, do qual Alberto era tipógrafo. O certo é que o jornal voltou a circular. Comunista convicto, Alberto tinha verdadeira paixão por Stalin, que foi premier e presidente da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e, por isso, deu o nome de Stalínea a uma de suas filhas. Com a Revolução de 1964, Alberto foi preso no Rio de Janeiro. Ficara muito doente. Seu advogado pediu ao juiz que permitisse levá-lo para casa, pois o seu estado de saúde era precário. Quando o promotor discordou, alegando que, se ele tinha saúde para proceder de maneira subversiva, teria saúde também para suportar os ônus do seu “crime’. Alberto morreu no Hospital Souza Aguiar, no Rio, a sós.

            O destino de Lindolfo, Josefino e Úrsula, os três irmãos mais jovens.

            Lindolfo possuía uma gráfica e depois serviu à imprensa oficial do Governo de Minas, na Avenida Augusto de Lima até a aposentadoria. Josefino, dermatologista, seguiu com êxito a profissão do irmão Antônio Aleixo. Úrsula, trazendo o nome da mãe, foi uma professora exemplar. Os três viveram bem em Belo Horizonte, em convívio fraternal, traduzindo sempre o sentimento da família Aleixo, todos admiradores de Pedro, o terceiro filho de José Caetano e futuro estadista da República.

            O contexto de Pedro Aleixo.

            Nasceu, portanto, no seio de uma família honrada mineira. Uma família republicana desde a primeira hora, filho de pai rigoroso e de uma mãe piedosa, entre irmãos que se destacaram pela fortaleza de suas personalidades e de suas convicções. A inclinação de Pedro para a política manifestou-se bem cedo, no agitado ambiente da casa de negócios de seu pai, onde o fogão estava permanentemente aceso, freqüentada dia e noite por outros comerciantes e seus tropeiros. Entre as montanhas, Ouro Preto é quase sempre de clima muito frio. Ali se distraíam oferecendo uma pataca ao menino Pedro, então com 4 anos de idade, para que fizesse discursos. Pedro, pequenino, subia numa das enormes mesas do armazém e a todos encantava com a sua oratória precoce. Maurício Aleixo, que ouviu essa história da avó Úrsula, observa que a facilidade de falar era praticamente inata em Pedro Aleixo, seu pai. Disse Maurício: ”Um dos primeiros albores de sua consciência e de seu destino”.

            José Caetano Aleixo e sua família acompanharam o movimento da fundação de Belo Horizonte, na nova Capital, onde Pedro Aleixo entraria de fato na política, para a qual parecia tão naturalmente inclinado. Lá ele terminou o curso secundário e estudou Direito. Como advogado, ele conheceu a pobreza, a miséria e as dificuldades de muitas famílias e bairros de Belo Horizonte. Aí pensou: “Não só na advocacia devo atuar.” Ingressou no jornalismo e fundou, ao lado de Juscelino Barbosa e Álvaro Mendes Pimentel, o Estado de Minas, um jornal que iria acompanhar a adolescência e a modernidade de uma cidade de então com pouco mais de 30 anos, hoje, com mais de dois milhões e meio de habitantes de todas as condições culturais e sociais. Daí para a política foi um pulo, começando como vereador de Belo Horizonte, em 1927.

            Nessa ocasião, Pedro Aleixo teve a oportunidade de liderar a campanha eleitoral e utilizar, pela primeira vez, o voto secreto em eleição para preenchimento de uma vaga no Conselho Municipal. O seu candidato, vitorioso, foi Magalhães Drumond, que hoje dá nome a uma rua que fica entre a Avenida do Contorno e a rua Primavera, em Santo Antônio, na capital mineira. Pela primeira vez, elegia-se alguém pelo voto secreto. Pedro Aleixo, pela sua liderança, recebeu uma estátua do símbolo da Revolução Francesa, de 75 cm de altura, com o lema “Jour de Gloire”(Dia de Glória), carinhosamente guardada, hoje, no escritório de Maurício Aleixo, na rua Espírito Santo. Uma relíquia da glória de Pedro Aleixo.

            Como professor, advogado, jornalista e político, Pedro era um cultor da língua portuguesa e um severo analista dos textos que chegavam às suas mãos. Tinha uma grande consciência dos problemas sociais, era rigoroso consigo mesmo, especialmente na administração dos bens públicos. Dizia: “Você deve administrar os bens públicos com o mesmo cuidado com que normalmente você administra os bens próprios, sabendo que não são próprios”. Quando, na Câmara dos Deputados, votava contra o aumento aos parlamentares e era voto vencido, devolvia a parte dos seus proventos que havia sido acrescida. Entregava o dinheiro à Tesouraria, que lhe emita o respectivo recibo sem alarde.

            Quando Ministro da Educação, no Governo Castello Branco, designou seu filho caçula, Sérgio, de 25 anos, que lhe fazia companhia em Brasília, para secretário de gabinete, sem que este auferisse desse emprego qualquer remuneração. Essa situação fez com que os jovens aceitassem o primeiro emprego, oferecido pelo Hebert Magalhães Drumond, que presidia o Tribunal Regional do Trabalha, em Belo Horizonte, na rua Curitiba, e deixasse o convívio do pai, indo viver na capital de Minas Gerais. Esse episódio bem demonstra a postura de Pedro Aleixo contrária ao nepotismo, uma praga ainda muito praticada entre nós no Judiciário, no Legislativo e no Executivo, enfim, no Parlamento Brasileiro. É uma erva daninha que ninguém destrói, ontem, hoje, infinitamente.

             

            Três amigos

            Com Milton Campos

            Pedro Aleixo teve muitas amizades que seguiam ou extrapolavam as linhas político-partidárias. Uma delas foi a de Milton Campos, padrinho de batismo de Maurício Aleixo e de casamento de Zélia, sua esposa, fundador e correligionário da UDN. Outra, também exemplar, foi a de Juscelino Kubitschek, padrinho de batismo de Sérgio Aleixo e seu adversário do PSD. A amizade com Milton Campos era a mais antiga, porque foram colegas no curso de Direito. Foram também companheiros de profissão, de escritório, no edifício Mariana, em Belo Horizonte, de vida parlamentar e no magistério. Ambos assinaram o famoso “Manifesto dos Mineiros”, em 1943.

            Em Minas, não se fala de Milton Campos sem falar de Pedro Aleixo. Os mineiros praticamente os confundem na mesma imagem, na mesma vocação, no mesmo destino. Uma amizade que cresceu e se fortaleceu no tempo, apesar dos estilos diferentes. Eleito Governador de Minas, Milton Campos fez de Pedro Aleixo seu Secretário do Interior e Justiça. Era a figura maior do novo governo. A malícia da cidade, uma só. Para falar com o Governador Milton Campos, dizia-se: “é preciso falar primeiro com Pedro”. A amizade e o respeito entre ambos eram evidentes, tanto que, se disputavam o mesmo cargo, votavam um no outro.

            Maurício Aleixo, sempre ao lado do pai, espantou-se ao vê-lo votar em Milton Campos na eleição de 1954. Relata Maurício: “meu pai percebeu o meu espanto e disse: ‘é exatamente isto - nós devemos, por uma questão de consciência, votar naquele candidato que consideramos o melhor. Por isso, não voto em mim. Voto no Milton’. Ainda sorriu prá mim e falou: ‘Olha, eu tenho a impressão que o Milton, por amizade, vota em mim também’. Vim depois a ter a confirmação. O Caio, meu colega de turma, que morava em frente a Milton Campos, na rua Tomás Gonzaga, nº 271, viu o Dr. Milton distribuir cédulas de Pedro Aleixo aos eleitores.” Ambos disputavam, então, o mesmo cargo.

            A dor maior de Milton Campos - já o disse em discurso em sua homenagem, aqui, desta tribuna - foi o tormento que viveu Pedro Aleixo na Vice-Presidência, seu amigo, compadre e irmão, colega de advocacia no edifício Mariana, em Belo Horizonte, aliado inseparável nas lutas libertárias desde os bancos universitários - sem dúvida, por longos anos, seu mais autêntico companheiro de viagem - impedido de assumir a Presidência da República.

            Com JK

            JK e Pedro Aleixo, adversários inconciliáveis nas tribunas do povo, foram bons amigos. Convidado pelo interventor Benedito Valadares, em nome de Getúlio Vargas, para prefeito de Belo Horizonte em 1938, Pedro Aleixo recusou e não revelou o convite a ninguém.

            Mais tarde, em 1940, dois anos depois, Benedito fez o mesmo convite a Juscelino, que, então, consultou Pedro Aleixo: “Eu estou recebendo do Benedito um convite para ser prefeito de Belo Horizonte. Pergunto se a nossa amizade continuará se eu aceitar o convite.” Pedro Aleixo respondeu: “Ficaremos em campos políticos opostos, mas a nossa amizade continua”. Com o nascimento de Sérgio, o filho caçula de Pedro, Juscelino entrou eufórico na Casa de Pedro, dizendo: “Pedro, Pedro, estou sabendo que nasceu aí o meu afilhado”. Pedro respondeu: “Isso mesmo.” Juscelino acrescentou: “E padrinho manda alguma coisa?” Pedro: “Manda tudo.” Juscelino: “Então, nasceu Pedro Aleixo Filho.” E Pedro: “Menos no nome!” Enquanto isso, JK, prefeito de Belo Horizonte, inovador, otimista, tomado pela modernidade, projetava-se em Minas. E todos nós, Pedro Aleixo à frente, o combatíamos. No fundo, todos nós admirávamos JK.

            Hoje os tempos são outros. Tudo mudou. Os políticos já não conversam mais. A mídia, avassaladora, chega a todos os rincões. Invade a privacidade e tudo revela aos olhos do povo, sejam fatos ou versões. Denuncia a exclusão social e desnuda a corrupção. A democracia e a sociedade assim se fortalecem com liberdade de expressão. Exatamente como pregava o homenageado de hoje, o estadista Pedro Aleixo.

            A História com Magalhães Pinto

            Homens de temperamentos distintos, Pedro Aleixo e Magalhães Pinto tinham como ponto em comum a crença na liberdade e na democracia. O próprio Magalhães, ao definir o seu relacionamento com Pedro Aleixo, lembra que a amizade dos dois fora selada por ocasião do “Manifesto dos Mineiros”, de que foram subscritores. Estiveram juntos na fundação da UDN, no Governo Milton Campos, no Movimento de 1964 e no Governo Costa e Silva. O vínculo de amizade entre os dois mineiros ilustres foi lembrado pelo filho de Pedro Aleixo, José Carlos Brandi Aleixo, aqui na mesa, que pediu a Magalhães para prefaciar o primeiro volume do livro “Pedro Aleixo: testemunhos e lições”. Respeitavam-se mutuamente sem jamais abdicar do direito de discordar.

            Na verdade, todos nós ficamos logo próximos da ínclita geração de Pedro Aleixo e Milton Campos e, pouco depois, também da de Magalhães Pinto, de estirpe diversa, mas aliado valoroso nas lutas pela derrubada do totalitarismo do Estado Novo. Eram, porém, no imaginário de Minas e nas lides políticas, bastante diferentes. Todos éramos companheiros de todos. Magalhães foi Secretário da Fazenda no Governo de Milton Campos e, depois, Ministro das Relações Exteriores no Governo de Costa e Silva. Foi, ao lado de Berenice, sua esposa, padrinho de casamento de Heloísa e Carlos Lustosa. No recôndito de sua formação, Pedro Aleixo nunca superou sua resistência a Magalhães Pinto. E, surpresa para muitos até hoje: não votou em Magalhães Pinto para o Governo de Minas em 1960. Repito: nunca superou sua resistência a Magalhães Pinto. E, surpresa para muitos até hoje: não votou em Magalhães para o Governo de Minas em 1960. Di-lo melhor em nossa conversa Maurício Aleixo: “No Foro de Debates Políticos, organizado pelo jornalista Felipe Drumond, no antigo prédio da Assembléia Legislativa, na rua dos Tamoios, ele perguntou a meu pai: ‘Dr. Pedro, para encerrar e para acabar com a boataria que corre pela cidade, gostaria que o senhor dissesse de público se votou ou não votou no Dr. José de Magalhães Pinto.’ Pedro Aleixo não esperava aquela pergunta e disse: Não votei, mas dei ao Dr. José de Magalhães Pinto as razões pelas quais não votaria nele. Ele concordou comigo.’”

            No primeiro trimestre de 1960, fomos a São Paulo - Magalhães Pinto, José Aparecido de Oliveira, Orlando M. de Carvalho e este que está falando - para um encontro de natureza política na bela residência de Roberto de Abreu Sodré, que viria a ser governador de São Paulo e Ministro das Relações Exteriores. Ali se debatia a inusitada candidatura de Jânio Quadros à Presidência da República e, na tessitura das diferentes alianças, as eleições para os governos dos Estados, especialmente Minas Gerais.

            Magalhães Pinto, nosso candidato ao Governo de Minas, tinha como vital sua aproximação com Jânio Quadros. Repentinamente, um murmúrio no salão de Abreu Sodré: Magalhães recebera uma carta de Pedro Aleixo pedindo-lhe que desistisse da postulação ao Governo de Minas. Entendia Pedro Aleixo que o apoio antecipado do PL de Raul Pilla à candidatura de Magalhães Pinto traduzia uma forma concreta de pressão sobre a UDN. Dizia Pedro Aleixo, dirigente udenista, que esse apoio visava tornar aquela candidatura de Magalhães Pinto um fato consumado. Na volta ao hotel, redigimos a carta-resposta, em que Magalhães Pinto concordava em desistir, manifestando, porém, a expectativa de novos entendimentos em torno do assunto. Foi este orador quem trouxe a carta-resposta a Pedro Aleixo, em Brasília. Mais precisamente, no antigo Brasília Palace Hotel e em seu apartamento, na 105 sul. Conversamos longamente - Pedro Aleixo e este orador -, entre recordações e análises da evolução dos fatos políticos do Brasil e de Minas. Não conversamos sobre a carta. A aliança de Jânio com Magalhães Pinto tornou suas candidaturas imbatíveis. Tudo mais a História registra.

            O abuso do poder econômico

            Pertencente a uma geração de políticos mineiros que faziam restrições ao poder econômico, a posição de Pedro Aleixo era clara: o direito de propriedade deve sempre respeitar o interesse social. Junto com Milton Campos e outros mineiros notáveis de seu tempo, Pedro Aleixo integrava um grupo de liberais profundamente sintonizados com o pensamento cristão. Neles, o liberalismo e o cristianismo convergiam de forma inovadora na superação das divergências entre essas duas doutrinas, nos tempos que antecederam aquela geração, ou seja, nos tempos do liberalismo dominante.

            Essa preocupação social vinha de dentro dele próprio e se manifestava no seu comportamento como cidadão. Jamais apegou-se às coisas materiais. Com os honorários de advocacia, adquiriu duas fazendas, que doou à Fundação São José, por ele criada junto com Juscelino Kubitschek e que até hoje funciona em Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Como pai de família, sua preocupação foi dar a maior riqueza que um pai pode dar aos filhos: educação. Heloísa, a filha, conta: “Papai era, intransigentemente, contra a herança, por entender que o herdeiro se torna um parasita, já que ele não precisa produzir. Por essa razão, sempre foi um defensor de uma forte tributação sobre a herança. Na visão dele, os filhos teriam que estar preparados para construir, cada um, a sua própria vida. Ter um curso superior era uma exigência da qual nenhum de nós poderia fugir”. A cada um dos filhos, Pedro Aleixo destinou apenas uma casa como bem material.

            Quando Pedro Aleixo faleceu, seu patrimônio se resumia a um apartamento em Brasília. A casa em que morava, em Belo Horizonte, já pertencia à Fundação São José. Não é de surpreender, portanto, que as restrições de Pedro Aleixo ao mau uso do poder econômico tenham se manifestado especialmente forte em relação aos juros ou à usura. Em 1962, apresentou um projeto de lei estabelecendo que a taxa de juros não poderia nunca ser superior a 12% ao ano, seja qual for a natureza do contrato, do empréstimo ou da transação.4 Essa antiga proposta está incorporada na Constituição vigente, no § 3o do seu art. 192. Não pegou, mas está lá, no Texto Constitucional vigente.

             

            A Vice-Presidência da República.

            Por que Pedro Aleixo, de convicções democráticas historicamente inabaláveis, aceitou ser o Vice de Costa e Silva? O cientista político José Carlos Brandi Aleixo, seu filho, responde: “Porque, quando Pedro Aleixo aceitou, nós já estávamos no Estado de Direito, e o seu empenho era o de que o País não saísse desse Estado, que não era perfeito porque algumas conseqüências dos atos de exceção ainda perduravam. Mas o Presidente da República não dispunha de nenhum ato de exceção para governar”. O que imperava naquele momento era a Constituição de 1967, votada em janeiro pelo Congresso.

            Anteriormente, José Maria de Alkmin, amigo de longa data do Presidente Castello Branco, que o chamava pessoalmente de “meu cabo”, foi eleito Vice-Presidente da República para, aos olhos da Nação, compor, à visão dominante na época, o quadro político nacional. O imaginário era que ele jamais assumiria a Presidência. No caso de Pedro Aleixo, o imaginário era que, agora, teremos um Vice que assumirá a Presidência da República.

            O Impedimento de Pedro Aleixo.

            Quando os ministros militares chamaram o Vice-Presidente ao Rio de Janeiro para conversar, por causa da doença de Costa e Silva, Pedro Aleixo pediu à filha Heloísa para encontrar-se com ele no aeroporto Santos Dumont. A partir desse momento, arma-se uma operação de despistamento. Heloísa não encontra o pai no Santos Dumont. Vai, então, ao Galeão. Também não o encontra. “Ninguém”, disse-nos ela, “dava qualquer informação sobre a chegada dele”. Na verdade, já havia chegado e já estava reunido com os ministros militares no Ministério da Marinha. Mais tarde, “ele foi para minha casa e ali ficou preso”, diz Heloísa, que de tudo ficou então sabendo. Maurício Aleixo: “Meu pai disse aos militares que o Presidente Costa e Silva também desejava revogar o AI-5. Os militares disseram: ‘Mas ele é militar, e o senhor, não.’ Meu pai disse: ‘Se este é o fundamento, não temos mais o que conversar. Gostaria de voltar para Brasília, mas, antes, preciso encontrar minha filha.’”. Padre José Carlos: “Foi uma pena, porque a posse do meu pai na Presidência da República facilitaria o retorno rápido ao Estado de Direito, que não foi possível”.

            Não dá para esquecer jamais a profissão de fé no povo e na democracia expressa por Pedro Aleixo, em célebre discurso na Assembléia Legislativa de Minas: “Se, amanhã, as instituições democráticas periclitarem, se as liberdades públicas forem conspurcadas, se a imprensa voltar a ser amordaçada, se o povo for escorraçado das praças públicas, não precisam indagar meu paradeiro. Na primeira trincheira que se rasgar na generosa terra de Minas, aí me encontrarão lutando pelo Brasil livre”.

            Como dissemos nas homenagens a Milton Campos nesta Casa, o brusco e inusitado impedimento a Pedro Aleixo de assumir a Presidência da República trouxe a palavra de Milton Campos a esta Casa, em apoio ao amigo e Vice-Presidente da República. Foi aqui que Milton Campos produziu a sua última manifestação política de amor e respeito ao princípio da legalidade democrática. Milton indagava: “Mas por que se lançou mão de um processo inédito, quando a Constituição, nesse particular bem fundada na tradição republicana e na natureza das coisas, previu processo certo e prudente? (....) “Era muito claro o art. 79 da Constituição: ‘Substitui o Presidente, em caso de impedimento, e sucede-lhe, no de vaga, o Vice-Presidente’. (...) “Por que então complicar e transformar em crise problema tão simples e de solução natural tão claramente prevista”? (....) Teria sido, na expressão de Milton Campos, “a humilde e severa submissão à lei”.

            Numa entrevista, em fevereiro de 1975, Pedro Aleixo contou: “Não assumi a Presidência da República porque eu havia sido, naquele tempo, como sou até hoje, intransigentemente impugnador do AI-5. Considerei que o AI-5 não era uma providência de natureza salvadora. Ele representava o êxito de uma conspiração que se fazia contra a democracia entre nós”.

            Como nos disse Dom Luciano Mendes de Almeida, Arcebispo de Mariana, a bravura de Pedro Aleixo, discordando do AI-5, “permanecerá em nossa história como sinal de coragem e dignidade para as gerações futuras”. Dom Luciano foi o oficiante da missa em homenagem ao Centenário de Pedro Aleixo, celebrada na matriz de Mariana, em presença de todos os filhos e deste orador, no dia 1º de agosto corrente. Ao nosso lado, o Padre José Carlos Brant Aleixo chorava; as lágrimas escorriam pelos olhos e pelo rosto.

            No dia do AI-5, 13 de dezembro de 1968, derrotados fomos todos nós, quando defendemos a inviolabilidade do mandato do então jovem Parlamentar Márcio Moreira Alves, o Marcito.

            O AI-5 nos pareceu, naquele momento, ‘um ato cortante de quase selvagem crueldade’. Pensamos que outra não teria sido a dor de quem presidiu a fase inaugural da Revolução de 64, Humberto de Alencar Castello Branco, se tivesse escapado do acidente com o pequeno avião em que vinha da fazenda de sua amiga, a escritora Rachel de Queiroz, em Quixadá, rumo a Fortaleza, no Ceará, em julho de 1967. (...) O impedimento de Pedro Aleixo ainda hoje é sofridamente lembrado em Minas Gerais pelos mineiros de todas as gerações. Pedro Aleixo tornou-se, definitivamente, um símbolo da resistência democrática em Minas e no Brasil.

            Apreço ao Congresso Nacional.

            O que Pedro Aleixo queria, acima de tudo, era franquear a política a todos. Não queria um mundo com o povo sem liberdade e sem o direito de votar. As ruas não o perturbavam. Ao contrário, atraíam-lhe a palavra, o gesto, agasalhavam-lhe a oratória incandescente, vibrante, verdadeira, que convence e vence. Era assim na tribuna do júri, na tribuna parlamentar, na cátedra do Direito Penal, nos palanques das campanhas eleitorais e no combate às ditaduras.

            Pedro Aleixo sempre teve um grande apreço pelo Congresso Nacional, instituição que, ao longo de sua vida política, viu fechada arbitrariamente algumas vezes. Em 1937, ele era Presidente da Câmara dos Deputados, quando esta Casa foi fechada pelo golpe do Estado Novo, em 10 de novembro. Trinta e um anos mais tarde, em 1968, então como Presidente do Congresso Nacional, papel que lhe cabia como Vice-Presidente de República, o Congresso foi novamente fechado no rastro do AI-5. Referindo-se a esses dois momentos de sua história pessoal, Pedro Aleixo disse ao jornalista Carlos Castello Branco, o reinventor do jornalismo político no Brasil: “A poucas pessoas acontece serem colhidas pelo raio duas vezes na vida”. Ele estava no mesmo lugar, na linha sucessória.

            Muito obrigado.

 

            


            Modelo15/19/246:39



Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2001 - Página 18951