Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM A PEDRO ALEIXO PELO TRANSCURSO DO CENTENARIO DE SEU NASCIMENTO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A PEDRO ALEIXO PELO TRANSCURSO DO CENTENARIO DE SEU NASCIMENTO.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2001 - Página 18957
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, PEDRO ALEIXO, POLITICO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), EX VICE PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DEMOCRACIA.
  • REGISTRO, LANÇAMENTO, SELO POSTAL, COMEMORAÇÃO, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), CENTENARIO, PEDRO ALEIXO, POLITICO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente do Senado Federal, Senador Edison Lobão; estimada amiga Heloísa Aleixo Lustosa - perde-se no tempo a minha amizade com ela e com seu marido, Carlos; Professor Maurício Aleixo, que divide as pontas, ele como filho, com a neta de Pedro Aleixo, e, como o pai, também catedrático em Direito Penal; meu querido amigo, padre e professor, José Carlos Brandi Aleixo, Doutor em Ciências Políticas, meu velho amigo - nossa amizade tem sido suficientemente forte para vencer o tempo, a distância e o silêncio; eminente Ministro Carlos Mário Velloso, espécie de eterno Presidente do Supremo Tribunal Federal, também mineiro como o Dr. Rondon Pacheco, como Israel Pinheiro Filho, meu colega na Assembléia Nacional Constituinte, e como nosso Afrânio Rodrigues, Diretor dos Correios, que esteve conosco; nosso Professor Orlando Vaz, amigo de Pedro Aleixo; familiares, amigos, parentes, o protocolo exige, numa solenidade como esta, que se faça um discurso por escrito e o impõe, até porque não se deve perder, com o tempo, o registro feito.

            Sempre me rebelei contra esse formalismo. O bom discurso seria feito na ardência do acontecimento. Mas vejo que hoje tenho razão. Hoje, foi bom que eu não o trouxesse por escrito, curvando-me ao protocolo, porque eu seria obrigado - e trouxe aqui apenas umas coincidências que preciso ler - a rasgar cada folha, uma a uma, em papel bem miúdo, depois de ter ouvido o discurso de Francelino Pereira: denso, escorreito, histórico, a não permitir que nenhum outro, depois dele, pudesse aqui se perfilar para trazer tópicos, acontecimentos e a realidade, sobretudo, da vida do grande homem público.

            Portanto, estou certo, Sr. Presidente: foi bom que não o fizesse. Mas há de se perguntar, então: por que vem à tribuna? Imaginem-me imprensado entre um que se fez mineiro pelo coração, por todas as dádivas que o Estado lhe deu, e outro que vai me seguir aqui, também mineiro e ex-Governador. Ao primeiro, eu já disse, pelo que fez, eu estaria mal situado. Mas eu direi que, depois, o terceiro, o Senador Arlindo Porto, corrigir-me-á as falhas e suprirá as lacunas. No entanto, talvez, S. Exªs não pudessem dar o testemunho que dou, porque nenhum viveu o que vivi.

            Quando cheguei aqui, em 1967, moço, com 30 anos, via aquele homem que, à distância, eu já admirava, o que o convívio ampliou: Pedro Aleixo na Presidência das nossas sessões do Congresso. Eu olhava para aquele homem, àquela altura mais moço do que sou eu hoje, e dizia: “Como pode um jovem como ele, aos 21 anos, ter concluído o seu curso de Direito e, depois, aos 26 anos, ter sido Professor da Faculdade de Direito do seu Estado?”. Ora, mais tarde, ele tinha sido Catedrático. Eu olhava para Pedro Aleixo com uma admiração enorme e, aos poucos, fui dele me aproximando.

            Ao seu lado, no dia em que mataram o estudante Édson Luís Souto -presidia ele a reunião do Congresso -, fui para a tribuna. Naquela altura, não havia vagas na Universidade, e, por um instante, eu disse que o Governo acabava de resolver o problema dos excedentes. Parei e, antes que chegasse a vaia de toda a sessão do Congresso, dos que ali estavam, disse que estava sendo resolvido o problema das vagas com o assassinato de estudantes na rua. Pedro Aleixo me chamou para o seu lado e disse que relembrava, diante dos moços que se rebelavam, o que ele tinha sido na sua mocidade: um rebelde íntegro, um rebelde contra todas as formas de desonestidade, um rebelde contra o que conspirava contra a democracia. E as suas lições me foram apontando caminhos e indicando soluções.

            Quando vinha para cá hoje, Sr. Presidente, notei a primeira coincidência e porque estava eu inscrito para dar este depoimento. Saía de casa, e a chuva forte, os grossos pingos d’água, a manhã enfarruscada e acizentada lembravam-me um desses dias amazônicos, com aquela folharada úmida pelo chão, dias capazes de pôr teias de aranha na alma. Era como eu me sentia ao me encaminhar para o Senado.

            Já que sou do Amazonas, já que na minha terra os rios, desde a cabeceira, vão cavando os seus próprios leitos, estou aqui eu, como o rio, contornando as minhas dificuldades de orador para atingir o destino do que quero dizer, porque todos os rios, à medida que as dificuldades vão surgindo à sua frente, sabem contorná-las para atingir o objetivo. Pretendo fazê-lo.

            Depois do discurso do nosso colega e companheiro Francelino, que também guarda em si todos os sintomas de honradez de homem público, só coincidências me trariam aqui, Sr. Presidente. São algumas coincidências, e tive o cuidado de alinhá-las. A primeira é essa chuva amazônica de que falei e a minha chegada em 1967, quando ele, como Vice-Presidente da República, presidia o Congresso Nacional.

            Depois, em 1969, reside o testemunho que me trouxe à tribuna. Em 1969, editado o Ato Institucional nº 5 e reunido, portanto, o Conselho de Segurança Nacional - e, nesta platéia, há alguém que dele tomava parte como testemunha -, uma lista de Parlamentares e homens públicos era levada ao julgamento do Conselho. Entre os que figuravam na lista, lá estava o meu nome, como Deputado Federal. Uns diziam que eu havia sido incluído porque havia tomado parte de uma passeata em defesa da Universidade de Brasília, quando todos, de braços dados, não permitimos que os estudantes fossem apedrejados. Tomamos jatos de água, foi lançado sobre nós gás lacrimogêneo. E, realmente, todos que lá estávamos fomos cassados.

            No dia do julgamento, o grande Pedro Aleixo foi o único, não diria nem que teve a coragem, mas que teve a dignidade de se pautar contra a edição desse Ato e votar contra a cassação dos meus direitos políticos por dez anos, que acarretou a perda do meu mandato de Deputado Federal e da função de Professor da Faculdade de Direito do Distrito Federal.

            Este é o depoimento que me faz vir aqui. Que nenhum outro orador, por certo, poderia fazer, porque não encontro aqui no Senado ninguém que, àquela altura, tivesse sido cassado pelo Ato Institucional nº 5 para que pudesse dizer o que é a envergadura moral de um homem. Não importa que o seu passado já tenha aqui sido descrito com todas as honrarias do que foi, fundador de várias instituições - jornais, instituto dos advogados -, membro de academias, o que importa é dizer que num momento como aquele, difícil, árido, alguém tenha se insurgido contra um poder, que era forte, que eliminava todas as camadas sociais com uma simples assinatura. Pois Pedro Aleixo fez isso!

            É mais uma coincidência entre mim e o grande Pedro Aleixo.

            Logo após, Sr. Presidente, ele, que tinha um carinho especial pelo meu filho pequeno - chamava-o de secretário -, fez chegar ao conhecimento de minha mulher e ao meu a sua eterna solidariedade. Episódio que, mais tarde, já faz alguns anos, contei ao Padre Aleixo. Ele ficou surpreso por eu ter conhecimento daquilo. Acontece que, naquela reunião do Conselho de Segurança Nacional, estava um jovem militar, filho de um dos homens públicos mais corretos deste País, que me relatou o episódio nas minúcias, porque o seu avô havia sido uma espécie de guru na minha carreira política. Era mais uma coincidência.

            Depois, eu fico imaginando, já ao concluir este meu depoimento, que bela coisa um homem religioso como Pedro Aleixo ser filho de José Caetano e Úrsula Maria, José e Maria! Que coisa fantástica que os seus pais carreguem os nomes de José e Maria! E, mais fantástica ainda: que faz com que o filho seja um religioso.

            Ora, são tantas as coincidências que cercam a vida de Pedro Aleixo que eu não saberia, dentre as que aqui procurei alinhar, como é que um homem, falecido em 1975, continua sendo cultivado não apenas pelos seus conterrâneos - o que seria um preito pelo menos de gratidão e reconhecimento ao homem público que foi -, mas por brasileiros País afora. Como eu, que faço questão de registrar a minha admiração neste pálido discurso, bem o sei - amazonense, eu não poderia trazer outra coisa senão uma tosca maloca verbal como esta, quem sabe coberta pelas palhas de uma espontaneidade que aqui me traz. Já rasguei todas as folhas do discurso imaginário que teria que aqui realizar, pelo que disse o Senador Francelino. Mas S. Exª me deixou uma ponta final, até pela gentileza de quem é grande, não quer completar tudo.

            A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos manda registrar o centenário de Pedro Aleixo com a edição de um selo comemorativo. Isso dá idéia de que Pedro Aleixo tem uma audiência marcada com a posteridade. Ninguém o arrancará mais daí, não tem como. Se não vivesse ele na memória de todos nós, se não tivesse, como homem público, sido apeado pelo Ato Institucional nº12 e impedido de assumir as funções de Vice-Presidente da República, de onde saiu para a casa de Heloísa, certo de uma coisa: carregava no corpo e na alma as cicatrizes orgulhosas do dever cumprido.

            Esse foi Pedro Aleixo.

            Ele me traria à tribuna para dar este depoimento, para dizer que, talvez, quem sabe, um dia todos nós pudéssemos, como foi feito hoje pela manhã na missa que aqui se realizou, balbuciar, devagar e sempre, a prece da nossa saudade.

            Muito obrigado. (Palmas.)


            Modelo15/18/241:50



Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2001 - Página 18957