Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM A PEDRO ALEIXO PELO TRANSCURSO DO CENTENARIO DE SEU NASCIMENTO.

Autor
José Alencar (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: José Alencar Gomes da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A PEDRO ALEIXO PELO TRANSCURSO DO CENTENARIO DE SEU NASCIMENTO.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2001 - Página 18959
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, PEDRO ALEIXO, POLITICO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ADVOGADO, ESCRITOR, PROFESSOR, JORNALISTA, EX-DEPUTADO, EX VICE PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DEMOCRACIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Exmº Sr. Presidente do Senado Federal, Senador Edison Lobão; Revmº Padre José Carlos Aleixo; Ilmª Srª Heloísa Aleixo Lustosa; Ilmº Sr. Dr. Maurício Aleixo; ilustres membros da família do eminente homenageado aqui presentes; Exmº Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário da Silva Velloso; Ilmº Sr. Dr. Rondon Pacheco, nosso saudoso e ilustre Governador de Minas Gerais; Ilmº Sr. Dr. Israel Pinheiro Filho, representando S. Exª o Governador Itamar Franco nesta solenidade; Ilmº Sr. José Maria Moreira, Diretor da Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, aqui presente; Srªs e Srs. Deputados; Srªs e Srs. Senadores; senhores convidados; senhoras e senhores, com esta magna sessão solene, o Senado da República reverencia hoje a memória de um ilustre patrício, um político de presença transcendente na atividade pública brasileira do século XX. Essa figura humana extraordinária legou-nos, como mensagem à posteridade, registros inolvidáveis de sua vida digna e exemplar.

            O jeito de ser de Pedro Aleixo encontra definição perfeita nas palavras com as quais o grande escritor e tribuno Paulo Pinheiro Chagas o saudou, em 1974, em sua chegada à Academia Mineira de Letras.

“Vosso nome soa ao jeito de um toque de rebate de um convite ao diálogo, de uma luz repentina de liberdade, tudo a mostrar, como no verso do poeta, que tendes sido, para o Brasil, em mais de uma oportunidade, o clarim, a clareira, o clarão.

            Mestre do Direito, orador eletrizante, de presença estelar nos julgamentos do Tribunal do Júri, Pedro Aleixo foi também escritor, educador, jornalista. Em todas essas funções, deixou cintilantes vestígios de sua passagem entre nós.

            Na vida pública, político por vocação, político compenetrado de sua apaixonante missão, Pedro Aleixo documentou, com exemplos notáveis, algo a ser fixado indelevelmente na consciência cívica da Nação: a verdadeira fonte da política está contida na grandeza do espírito humano.

            A fidelidade a nobres e grandes ideais assinalou, desde o começo, o seu itinerário.

            Assumiu posições de claro destemor cívico, diante de situações em que a dignidade humana esteve colocada sob pressão.

            Esse episódio aconteceu em 1937. Acabara de ser eleito Presidente da Câmara dos Deputados. Dedicara-se com paixão à feitura de uma Carta Magna que representava, na ocasião, avançado processo na institucionalização democrática. Inesperadamente, com o Estado Novo, o Congresso teve as portas cerradas. O que fez Pedro Aleixo? Ele próprio explica, em entrevista dada ao jornal O Globo, edição de 13 de março de 1945:

Sem dispor de forças para qualquer reação material, no mesmo dia 10 de novembro, enviei ao Senhor Presidente da República o meu protesto contra os atos que acabava de praticar.

            Da mensagem encaminhada a Getúlio Vargas, constavam os seguintes dizeres:

Com amarga surpresa, verifiquei hoje que o edifício da Câmara dos Deputados foi ocupado por forças armadas. Divulgou-se, logo depois, que o Governo da República havia expedido decreto de dissolução do Poder Legislativo. Não conheço os fundamentos de tão graves atos. Impedida materialmente de funcionar e tomar conseqüentemente qualquer deliberação sobre assuntos de tanta relevância, a Câmara dos Deputados não pode levar a Vossa Excelência o pensamento da maioria, senão da totalidade dos seus membros. Por isso, na qualidade de Presidente da Câmara dos Deputados - poder que se constituiu nas mais puras fontes da vontade do povo brasileiro -, sinto-me no dever de levar até Vossa Excelência o meu protesto contra os referidos atos e espero que o Brasil saberá fazer justiça à honestidade, à fidelidade, à lisura, à operosidade e ao patriotismo de seus legítimos representantes.

            Em outubro de 1943, como um dos redatores e signatários do célebre “Manifesto do Mineiros”, voltou a reafirmar, em novo gesto público de coragem cívica, a sua crença nos valores da democracia. A resposta dos adversários foi incontinenti. Demitiram-no do cargo que ocupava no Banco Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais. Mas o Manifesto produziu os frutos desejados. Foi o ponto de partida do movimento da redemocratização.

            Dezembro de 1968. O destino, com suas engrenagens caprichosas, coloca em xeque, novamente, as convicções democráticas de Pedro Aleixo. Deixemos que o respeitado jornalista Carlos Chagas conte a história:

O Dr. Pedro [disse Carlos Chagas] foi a única voz discordante no Conselho de Segurança Nacional, dia 13, contra a decretação do AI-5. Chegou a ser agredido pelo Ministro da Justiça quando discursava sugerindo o Estado de Sítio e não a volta à exceção. Gama e Silva indagou se ele duvidava das mãos honradas do Presidente Costa e Silva, a quem caberia executar o Ato. Sua resposta veio pronta, contundente - “das mãos honradas do Presidente Costa e Silva, jamais. Eu tenho medo é do guarda da esquina...”

            O jornalista Carlos Chaga ainda com a palavra:

Depois da exposição do Vice Pedro Aleixo, contra o AI-5, o Presidente pediu que todos ouvissem outra vez seus argumentos, que tinham sido gravados e foram repetidos. Apesar disso, optaram pelo horror. Durante alguns meses, o Dr. Pedro se manteve à sombra, mas, em maio de 1968, convocado por Costa e Silva, centralizou entendimentos e composições para o fim da exceção.

            Senhoras e Senhores, o que aconteceu depois, passou a fazer também parte da História. Representou novo teste para as convicções humanísticas e democráticas do valoroso homem público, cujo centenário de nascimento estamos a celebrar.

            Pedro Aleixo atirou-se, com incomum disposição, à tarefa que lhe foi delegada por Costa e Silva. Viu ali a grande chance da redemocratização, alimentada em esperanças e sonhos. Faltava uma semana para a reabertura do Congresso. Já estava programado o envio do projeto da nova Constituição, em cuja elaboração tanto se empenhara, que viria a extinguir o Ato Institucional nº 5. Eis que, implacavelmente, o destino urdiu uma nova armadilha para obstruir irremediavelmente as alvissareiras e animadoras ações em desdobramento. O Presidente Costa e Silva foi acometido de enfermidade fatal. Pedro Aleixo foi impedido de assumir. Os militares ordenaram sua prisão domiciliar. Pedro Aleixo manteve um diálogo altivo com os ministros militares, mas acabou afastado da presidência. O imbatível guerreiro da causa democrática não esmoreceu. Lançou-se, em seguida, na difícil missão de fundar um partido. A tudo enfrentou e acabou deixando o partido organizado.

            Recorro a Carlos Chagas, outra vez, para tomar emprestada uma frase em que sintetiza magistralmente a conduta ilibada do cidadão Pedro Aleixo:

            “Homens como o Dr. Pedro já não se fazem mais. É uma pena.”

            É uma pena mesmo!

            Srªs e Srs. Senadores, Pedro Aleixo nasceu em Mariana, antigo distrito de São Sebastião, hoje conhecido por Bandeirantes, a 1º de agosto de 1901. Faleceu em Belo Horizonte, no dia 3 de março de 1975. Era filho de José Caetano Aleixo e Úrsula Martins Aleixo. Casado com D. Maria Stuart Brandi Aleixo, teve quatro filhos: Heloísa, Maurício, José Carlos e Sérgio.

            Seus primeiros estudos foram feitos no Colégio Malheiros, em Ouro Preto. Freqüentou, já na capital mineira, aulas no Ginásio Mineiro e Colégio Caetano de Azevedo Coutinho. Bacharelou-se em Direito pela Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais, em 1922. Recebeu, na colação de grau, o prêmio “Rio Branco”, conferido aos melhores alunos de cada turma. Cinco anos mais tarde, ingressou no corpo docente da Faculdade de Direito, da hoje Universidade Federal de Minas Gerais.

            Sua brilhante carreira como jurista teve início no conceituado escritório do Dr. Abílio Machado. Na formação de um escritório de advocacia que fez história na vida forense brasileira, juntou-se a diletos companheiros e amigos: Milton Campos, José Maria Alkimin, Teófilo Cruz, João Evangelista Pinheiro, Caio Nogueira, Hélio Hermeto, Fabrício Soares e Aminthas de Barros. Atuava, a essa época, na imprensa, no Diário da Manhã. Em 1927, com Juscelino Barbosa e Álvaro Mendes Pimentel, fundou o jornal Estado de Minas. Dirigiu esse importantíssimo órgão de comunicação social, cuja história se associa à história do desenvolvimento de Minas, até sua incorporação aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. A essa organização esteve ligado durante toda a sua vida. Paulo Cabral de Araújo aponta-o como um dos pais do Estado de Minas, jornal líder em Minas Gerais e um dos mais conceituados matutinos da imprensa nacional.

            Participante ativo da Aliança Liberal, elegeu-se à Câmara dos Deputados, mas seu mandato não foi homologado pela Comissão de Reconhecimento de Poderes.

            Eleito, mais tarde, num processo despojado de vícios feudais, Deputado à Assembléia Geral Constituinte, desempenhou papel relevante na elaboração da Constituição brasileira de 1934, notadamente no capítulo dos direitos e garantias individuais. Liderou a bancada da maioria entre 1935 e 1936. Em maio de 1937, seus pares escolheram-no Presidente da Casa. Estava no exercício do cargo quando, a 10 de novembro do mesmo ano, em conseqüência da implantação do Estado Novo, o Congresso foi fechado.

            Retomou o exercício de sua banca de advocacia, tendo sido eleito Presidente do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Recolheu-se, de algum modo, a um voluntário ostracismo político. Mas isso não o impediu, em outubro de 1943, de ajudar a elaborar e subscrever o célebre “Manifesto dos Mineiros”, documento símbolo na luta pela redemocratização.

            Com a queda do Estado Novo, elegeu-se Deputado pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Teve decisiva participação no projeto da Constituição do Estado. Entre 1949 e 1950, ocupou a Secretaria do Interior e Justiça no Governo Milton Campos. Integrou, depois, candidato a Vice, a chapa liderada por Gabriel Passos, da então UDN - União Democrática Nacional, que disputou o Governo de Minas Gerais.

            Eleito Deputado Federal para o período 1959-1963, assumiu em 1961 a liderança do Bloco UDN-PL e, mais tarde, a liderança da Oposição, durante o Governo JK.

            No período presidencial subseqüente, foi Líder do Governo Jânio Quadros na Câmara dos Deputados. Com a renúncia do Presidente, voltou a liderar a Oposição.

            Quando da crise militar em torno da posse do então Vice-Presidente João Goulart, teve participação destacada nas articulações políticas desencadeadas com o propósito de superá-la, o que acabou acontecendo com a adoção do sistema parlamentarista de governo. Reeleito Deputado Federal, desenvolveu linha oposicionista ao novo governante.

            Na administração Castelo Branco, foi Líder, mais uma vez, da bancada situacionista. Assumiu, adiante, por curto espaço de tempo, o Ministério da Educação e Cultura. De volta à Câmara, presidiu a Comissão Especial do Congresso responsável pela redação final da Constituição de 1967.

            Foi escolhido, mais tarde, pelo Colégio Eleitoral, Vice-Presidente da República, companheiro de chapa do Presidente Costa e Silva. Quando se propôs, no âmbito do Governo, a edição do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, foi o único membro do Conselho de Segurança Nacional a opor-se à medida. Em julho de 1969, presidiu uma comissão de juristas incumbida de preparar a reforma constitucional. Seu trabalho foi marcadamente voltado para a preocupação de introduzir dispositivos que desfizessem as regras vigentes de autoritarismo, com a reabertura imediata do Congresso.

            Em fins de 1969, o então Presidente da República, Marechal Costa e Silva, foi acometido de enfermidade fatal. Pedro Aleixo, nos termos da legislação vigente, assumiria as funções. Os Ministros militares da época impediram-no de fazê-lo.

            Rompendo com o oficialismo, retornou a suas atividades profissionais em Minas Gerais. Criou o PDR - Partido Democrático Republicano. Voltou à cátedra universitária e a sua banca como criminalista renomado.

            Em 1972, foi eleito para a Academia Mineira de Letras.

            Fundou e manteve, com recursos pessoais, a Fundação São José, dedicada à infância abandonada. Sua atuação em favor dos excluídos sociais alcançava, também, o Abrigo Monsenhor Artur de Oliveira, antiga Casa do Pequeno Jornaleiro, e a Santa Casa de Misericórdia da Capital de Minas.

            Srªs. e Srs. Senadores, o político e mestre do Direito, Pedro Aleixo, apostou o tempo todo na democracia, nas liberdades fundamentais, nos direitos humanos. A prática democrática representou sempre, para ele, um estado de espírito indissociável das coisas fecundas realizadas na vida comunitária. Partilhou da idéia de que - esta frase é dele - “a democracia é um regime de convivência e não de exclusão, baseando-se na liberdade como meio de chegar à ordem”, conforme a pregação do mestre Tristão de Athayde.

            Pertencem-lhe estes preciosos conceitos:

A sociedade deverá ser reajustada pelo direito, mas o direito não é apenas lei escrita nos códigos e documentos legislativos. É preciso que se acate a Constituição, porque ela é sempre a limitação do arbítrio e a defesa do homem: mas é preciso aperfeiçoá-la, ao mesmo tempo, ao ideal e à realidade para que os seus quadros não se quebrem por falta de seiva idealista e de correspondência com o real.

            A probidade e os princípios éticos no trato da coisa pública, o sentimento nacional e a sensibilidade social foram traços dominantes em seu lendário percurso de cidadania.

            Quando o despotismo vetou a sua assunção à Presidência da República, zelosamente promoveu a devolução ao Erário da diferença de vencimentos que lhe havia sido creditada em conta bancária. O fez sob o argumento de que, se a função tinha sido declarada oficialmente vaga, essa função não fora, por razões que violentaram sua vontade, de fato exercida, não se justificando, por conseguinte, a remuneração.

            Oh, meu Deus! Que saudade desses tempos e de homens assim. Que falta estão nos fazendo gestos dessa natureza. (Palmas.)

            Na partilha dos bens que conseguiu agregar por força de trabalho executado com honradez, propriedades e valores, até mesmo a casa em que morou, construída segundo um projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, foram doados a uma instituição de amparo à criança. Como fundador e mantenedor, prestou ajuda devotada, anos a fio, a essa instituição. Os amigos lembram que ele nunca se valeu eleitoralmente desse trabalho de benemerência social.

            Esse Pedro Aleixo que hoje estamos homenageando foi, em suma, um cidadão brasileiro que descobriu - na fecundidade do trabalho, na utilização inspirada dos prodigiosos dons de inteligência e criatividade com que foi aquinhoado, na visão humanística e espiritual que trazia consigo das pessoas e das coisas - um modo digno, o mais digno, de amar sua pátria e de servir sua gente.

            Muito obrigado.


            Modelo15/6/243:27



Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2001 - Página 18959