Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM A PEDRO ALEIXO PELO TRANSCURSO DO CENTENARIO DE SEU NASCIMENTO.

Autor
Arlindo Porto (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/MG)
Nome completo: Arlindo Porto Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A PEDRO ALEIXO PELO TRANSCURSO DO CENTENARIO DE SEU NASCIMENTO.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2001 - Página 18962
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, PEDRO ALEIXO, POLITICO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ADVOGADO, JORNALISTA, PROFESSOR, EX-DEPUTADO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DEMOCRACIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ARLINDO PORTO (PTB - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Edison Lobão; familiares do homenageado presentes a esta sessão nobre, a quem quero cumprimentar, na pessoa da Srª Heloísa Aleixo Lustosa, do Padre José Carlos Brandi Aleixo e do Dr. Maurício Brandi Aleixo; Sr. Ministro Carlos Mario Velloso, Presidente do Supremo Tribunal Federal; Sr. ex-Governador de Minas, Dr. Rondon Pacheco, e Sr. Deputado Israel Pinheiro, representante nesta solenidade do Governador de Minas Gerais; Srªs e Srs. Senadores, Srs. Deputados, amigos e admiradores do grande brasileiro e insigne mineiro Pedro Aleixo, o Senador Bernardo Cabral quebra o protocolo, mas, de forma irretocável, sucede o Senador Francelino Pereira nesta tribuna, pela clareza de suas colocações, pelos depoimentos e testemunhos - que não posso dar, porque não convivi com Pedro Aleixo. Isso, sem dúvida, aumenta a nossa responsabilidade.

            Lerei o discurso que preparei, para não ser envolvido excessivamente pela emoção e pela responsabilidade que tenho como um dos representantes do Estado de Minas Gerais, ao lado de Francelino Pereira e José Alencar.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, passados 26 anos de ausência de Pedro Aleixo, aqui estamos reunidos para, por dever de justiça, homenagear sua memória e, mais do que isso, reavivar sempre a força de seu exemplo. Somente instituições merecem comemorações de centenário. E Pedro Aleixo se fez uma legenda da vida pública brasileira, inscrevendo-se na lista dos mais ilustres filhos que Minas Gerais ofereceu ao Brasil.

            Por suas convicções, talento, fé e princípios inabaláveis, fez-se um homem síntese do século XX. Esculpiu-se nos ensinamentos da libertária história de sua terra e trouxe consigo, espalhando pelo cenário nacional, as mais caras tradições forjadas nas Minas Gerais. Entre elas e, em primeiro lugar, o acendrado amor à liberdade.

            A arquitetura e o ar místico de Mariana e da Ouro Preto de sua juventude moldaram-lhe o caráter. Avivaram-lhe a fé e a religiosidade cristã que sempre o marcaram, tornando-o não apenas o Bom Samaritano, que acolhia crianças e carentes na Fundação São José, por ele mantida com os parcos recursos obtidos do magistério e de uma banca de advocacia - dativa, em grande número dos casos. Tornaram-no, também, um apóstolo da liberdade, um evangelista da democracia.

            E como os primeiros cristãos que precisaram esconder-se nas catacumbas para professar sua fé, por várias vezes optou Pedro Aleixo por retirar-se voluntária e dignamente da vida pública, para persistir na luta perene em defesa da democracia e da construção de um Estado democrático de direito, em que pudesse brilhar a liberdade dos homens.

            Por isso mesmo, como os primeiros cristãos e os antigos inconfidentes mineiros, foi perseguido, traído e esbulhado em seus direitos, em seus sonhos. Nem por isso deixou, por um só instante, de lutar pelos seus ideais, por suas convicções, pela liberdade e pela democracia. Não conseguiram remover-lhe a fé.

            Ao comemorarmos o centenário de nascimento do menino de São Sebastião, hoje Bandeirantes, então distrito de Mariana, indispensável se torna lembrarmos fatos que marcaram a vida do filho do comerciante José Caetano Aleixo e de Úrsula Martins Aleixo: seus estudos nos colégios Caetano Azevedo e Malheiros, em Mariana, de onde se transferiu para a histórica e barroca Vila Rica; e

a matrícula no curso de Matemática da Escola de Minas, em Ouro Preto, sem que se fizesse engenheiro.

            Em 1917, depois de passar pelo Colégio Mineiro, ingressou na Faculdade Livre de Direito de Belo Horizonte. Até a sua formatura, em 1922, em plena ebulição da Semana da Arte Moderna - divisor de águas da cultura brasileira -, Pedro Aleixo aliou sua diligência no estudo do Direito ao cultivo das letras e ao exercício da liderança, que lhe era natural.

            Antecipando o homem multifacetado, de inúmeras atividades e talentos, dedicava-se à literatura, iniciava-se no exercício do jornalismo e fazia política. Mereceu, assim, distinções acadêmicas, como o Prêmio Rio Branco, conferido pela Faculdade ao aluno que mais se distinguia, ao mesmo tempo em que liderou o Centro Acadêmico e dirigiu a Revista Acadêmica.

            Tidas como odiosas, as comparações, muitas vezes, são indispensáveis. É importante lembrar que Pedro Aleixo não se distinguiu em uma classe qualquer. Entre outros valores, com ele se formaram vultos como José Maria Alkimin, Amintas de Barros, Hélio Hermeto, João Evangelista e o seu grande amigo e companheiro Milton Campos, com quem foi trabalhar na banca de Abílio Machado.

            Mas já estava, então e para sempre, consagrado à sua missão de vida: a luta pela liberdade como direito fundamental da pessoa humana. Levou essa bandeira para todas as frentes de batalha que enfrentou. Seja no exercício da advocacia, como advogado brilhante, orador convincente no júri e autor de outras peças jurídicas luminares, seja na prática do jornalismo inovador e combativo, seja como político probo que se destacava, cativante e combativo na tribuna, tanto quanto preciso e douto nos inúmeros e históricos pareceres que contribuíram para o arcabouço legislativo ainda hoje vigente.

            Destaque também como professor, talvez o título que mais lhe agradava, a conduzir jovens para a senda do Direito e da Justiça, deles recebendo o julgamento definitivo pela qualidade de suas aulas, por sua autoridade moral, pelo exemplo que molda o caráter, pela profissão cotidiana de sua fé.

            Pouco depois de formado, funda, com Álvaro Mendes Pimentel e Juscelino Barbosa, o jornal Estado de Minas, cuja moderna sede, recém-inaugurada em Belo Horizonte, merecidamente levou o nome de Pedro Aleixo.

            O jovem advogado e jornalista se elege, em 1927, o mais votado Conselheiro Municipal de Belo Horizonte. Em 1928, conquista a livre-docência do Direito Penal da Faculdade de Direito.

            Em todas as tribunas, a defesa da democracia e de eleições livres. Milita na Aliança Liberal e emula a Revolução de 1930, ano em que padeceu o primeiro esbulho político. Apesar dos votos obtidos, não teve o mandato de Deputado reconhecido pelas discricionárias Câmaras Revisoras. Presidiu, então, o Conselho Consultivo de Minas Gerais, criação da Revolução de 30, e também a Comissão de Revisão Administrativa do Estado. Paralelamente, integrava-se à Legião de Outubro, idealizada pelos tenentistas, com a preocupação de institucionalizar os ideais do movimento que levou Getúlio Vargas ao poder.

            Eleito constituinte em 1933, destaca-se na elaboração do capítulo "Dos Direitos e Garantias Individuais" na Constituição de 1934 - luta de uma vida. Na sua defesa, disse:

Os governantes, nessas normas, hão de encontrar o limite de seu poder; os governados farão delas a armadura defensiva de seus direitos.

            Prorrogados os mandatos, em 1935 assumiu a liderança da Maioria. Em maio de 1936, foi reconduzido à liderança, para, em maio de 1937, eleger-se Presidente da Câmara dos Deputados.

            Pouco depois, a desilusão de um novo esbulho político, com sabor de traição. Com o advento do Estado Novo, dissolve-se o Parlamento. Paladino da liberdade, defensor do Congresso e guardião da Constituição, o cristão volta às catacumbas, o inconfidente cruza de volta as montanhas de Minas. Não sem, antes, deixar o seu brado de revolta e indignação. Com o desprendimento dos que nada temem, com a independência dos que nada devem, com a coragem cívica dos que têm a alma livre, condena o fechamento da Casa do povo. Afronta a ditadura e defende o Parlamento, em suas palavras “o poder que se constitui nas mais puras fontes da vontade do povo brasileiro”.

            Deixa a vida pública, volta à advocacia. Torna-se um dos diretores do Banco Hipotecário do Estado de Minas Gerais, depois Banco do Estado de Minas Gerais. Mas não abandona sua pregação. Em 1938, elege-se Presidente do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, buscando e encontrando uma nova tribuna.

            Em 1938, elege-se presidente do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, uma nova tribuna.

            No início de 1940, fiel aos seus princípios, recusa a Prefeitura de Belo Horizonte. Não aceitaria a nomeação a qualquer cargo público enquanto não se restabelecesse o regime democrático pelo qual continuava a trabalhar.

            Em outubro de 1943, revisa e assina o Manifesto dos Mineiros. Em conseqüência, é punido com a perda do cargo no banco. Começa a derrocada do Estado Novo, que, logo mais, se vê obrigado a aceitar a reorganização dos partidos. Assim, em 7 de abril de 1945, sob a presidência de Pedro Aleixo, funda-se, no Rio de Janeiro, a União Democrática Nacional, a UDN, já tendo o brigadeiro Eduardo Gomes como candidato à Presidência da República.

            Pedro Aleixo fica com a presidência da UDN mineira. Defensor de princípios e não de posições, deixa de se candidatar à Assembléia Constituinte de 1946 para não se prevalecer do cargo. Mas participa da elaboração da constituição estadual como o candidato mais votado de Minas Gerais.

            Milton Campos assume o Governo de Minas Gerais, em 1947, e convoca o diligente e habilidoso colega de juventude, Pedro Aleixo, para coordenador político de seu Governo, como Secretário de Interior e Justiça, cargo e confiança que lhe valeram o apelido de “Pedro Primeiro”. Isto porque, instado a tratativas políticas, Milton Campos teria o hábito de, invariavelmente, dizer: “fale com o Pedro, primeiro...”

            Enquanto Secretário do Interior, Pedro Aleixo, mais uma vez, sacrifica posições pessoais em nome de princípios. Já catedrático de Direito Penal da Universidade Católica de Minas Gerais e plenamente habilitado, deixa de concorrer à mesma vaga, na Universidade de Minas Gerais, novamente para não se valer do cargo. Só em 55, viria a realizar esse sonho, ao ser aprovado com a magnífica e atualíssima tese O Peculato no Direito Penal Brasileiro.

            E quão atual é essa sua tese...

            Derrotado na disputa à vice-governança do Estado, em 1950, refugia-se novamente na advocacia e no magistério, até 1958, quando se elege Deputado Federal. Em agosto de 1960, torna-se líder da UDN, na oposição a Juscelino Kubitschek. E, aqui, mais um pequeno exemplo do gigante moral que foi Pedro Aleixo, relatado pelo então colega Deputado e depois também Senador Passos Porto. Transferido o Congresso para Brasília, em abril, as Mesas do Senado e da Câmara aumentaram o valor do jetton para fazer face à elevação do custo de vida na nova capital. Pedro Aleixo imediatamente identificou a inconstitucionalidade do ato. A Constituição ditava que os subsídios deveriam ser fixados na Legislatura anterior. Sem alarde, não se permitiu ficar com um só vintém do que excedia o mandamento constitucional. Nos pequenos gestos se revelam o grande homem, a intransigência absoluta na defesa de princípios e das leis, da intangência da res publica.

            Quão oportuno é esse exemplo, enfatizado, de maneira muito clara, pelo Senador José Alencar.

            Um ano depois, em 1961, é líder novamente, agora da maioria, em apoio a Jânio Quadros. Mais uma vez, traído pela tentativa de golpe revestida de renúncia, volta à oposição. Aceita, contingencialmente, até o parlamentarismo com João Goulart.

            Com o retorno ao presidencialismo e a crise que se instala no País, adere definitivamente às conspirações para derrubar o regime. Vitorioso o movimento de 1964, Pedro Aleixo é reconduzido à liderança do Governo na Câmara e, depois, feito Ministro da Educação do Presidente Castello Branco, com quem conspirara. Dá, então, mais um pequeno grande exemplo. Ao deixar a residência oficial, recolhe aos cofres públicos o valor dos copos que havia ali quebrado, em sua curta permanência, pois que sempre preferiu o modesto apartamento na Superquadra 105 Sul.

            Que respeito pela coisa pública, que exemplo para todos nós no passado, no presente e, seguramente, no futuro.

            Indicado pela Arena, em março de 1967, torna-se vice-Presidente da República, mas também amigo e conselheiro do Presidente Marechal Arthur da Costa e Silva. Escaldado pela Revolução de 1930, imediatamente após o 31 de março de 1964, havia assumido as articulações para a volta da normalidade democrática, com a institucionalização dos ideais desta nova revolução e os cuidados para a preservação do Estado de Direito e dos Direitos e Garantias Individuais. Objetivo parcialmente obtido com a Constituição de 1967.

            Foi como vice-presidente que deu uma das demonstrações mais expressivas de seu caráter. Contra todos, em uma atitude que na época era de risco, foi o único membro do Conselho de Segurança Nacional a votar contra o Ato Institucional nº 5. Vale a pena buscarmos o testemunho do jornalista Carlos Chagas, em seu livro 113 Dias de Agonia, mas não o repetirei, pois de maneira enfática e muito clara já foi colocado pelo Senador José Alencar.

            Com essa intervenção, Pedro Aleixo selou seu destino para o que iria acontecer nove meses depois. No dia 29 de agosto de 1969, Costa e Silva adoece. No dia 30, portanto, há exatos 32 anos, os Ministros Militares decidem assumir o Governo, alijando, mais uma vez, aquele mineiro que se fez grande nas derrotas, para preservar os seus princípios. E é por suas atitudes que hoje o estamos homenageando.

            Provocado a voltar a Minas para armar a resistência a este golpe dentro do golpe, Pedro Aleixo, serena e altivamente, aceita abdicar da defesa de um direito seu, para evitar uma luta fratricida. Vai aos seus algozes, no Rio de Janeiro, reafirma sua coragem e retorna às catacumbas, cruza em regresso, mais uma vez, as montanhas de Minas. Seis dias depois, os cargos de Presidente e vice-Presidente são declarados vagos.

            A partir dessa data, Pedro Aleixo, espontaneamente, recolhe aos cofres públicos os vencimentos que ainda lhe foram creditados como vice-Presidente; volta à advocacia e ao magistério, deixa a Arena. Derrotado, o gigante não se curva e inicia nova batalha, seu último sonho: criar um partido político à sombra do período mais feroz da Ditadura, o Partido Democrático Republicano - o PDR. Era preciso restabelecer a Democracia, lutar pela Liberdade e defender os Direitos do cidadão.

            Vai de encontro à censura, condena a pena de morte, defende a plenitude democrática. Sofre perseguições e ameaças. Passa por todos os constrangimentos, mas não desiste. Em março de 1971, lança o manifesto, o programa e o estatuto do PDR. É novamente atingido com novas medidas draconianas, lançadas para impedir o fim do bipartidarismo oficial.

            Depois de uma longa hospitalização em Belo Horizonte, Pedro Aleixo volta para casa, onde veio a falecer no dia 3 de março de 1975. No leito de morte, a derradeira frase reveladora de toda uma vida e de sua profunda fé cristã: “Liberdade, parto para a Liberdade...”

            Termina assim a saga de uma vida. Para concluir, valho-me das palavras dos seus filhos, Padre José Carlos Brandi Aleixo e Maurício Brandi Aleixo, certamente referendadas pelos irmãos Sérgio e Heloísa, e por nós todos, pelo Parlamento brasileiro:

            “A história rende tributo a Pedro Aleixo, que soube sacrificar posições para continuar fiel aos seus princípios.”

            Obrigado.

            (Palmas)


            Modelo15/21/2412:41



Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2001 - Página 18962