Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Importância da implementação de uma política de saneamento básico no País.

Autor
Ricardo Santos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo Ferreira Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SANITARIA.:
  • Importância da implementação de uma política de saneamento básico no País.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2001 - Página 19029
Assunto
Outros > POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, SANEAMENTO BASICO, PAIS.
  • REGISTRO, SITUAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, EQUIVALENCIA, NIVEL, DESENVOLVIMENTO, PAIS, COMENTARIO, DADOS, ESTUDO, PRECARIEDADE, SANEAMENTO, BRASIL.
  • CRITICA, SETOR PUBLICO, INEFICACIA, PROMOÇÃO, POLITICA, SANEAMENTO BASICO, REGISTRO, AUSENCIA, ATUAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, SETOR.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, SANEAMENTO BASICO, DISTRIBUIÇÃO, AGUA POTAVEL, COLETA, LIXO, CONSTRUÇÃO, ESGOTO, OBJETIVO, MELHORIA, BEM ESTAR SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os debates que vêm sendo suscitados pelo Projeto de Lei nº 4.147, do Poder Executivo, sobre as diretrizes nacionais para uma política de saneamento básico, particularmente na Câmara dos Deputados, onde o projeto está sendo analisado, nos estimularam a trazer algumas contribuições sobre o tema, que deverá merecer, em breve, a apreciação desta Casa.

            Vários Parlamentares, nos últimos anos, têm-se manifestado sobre o assunto, reclamando a necessidade de uma política nacional de saneamento básico, e não apenas isso, apresentando projetos de lei que tratam do tema, muito embora não tenham sido apreciados, em toda a sua plenitude, pelo Congresso Nacional.

            A prestação de serviços regulares e eficientes de saneamento básico é condição indispensável ao bem-estar social e importante requisito ao bom funcionamento da economia. Mais que isso, pode-se afirmar, sem qualquer receio de contestação, que a qualidade e a abrangência desses serviços nos dão uma boa medida do grau de desenvolvimento dos vários países do mundo.

            A ninguém é dado desconhecer a estreita relação entre os índices de saneamento básico e as condições de saúde pública. Ao reduzir a incidência e a prevalência de moléstias infecciosas e parasitárias, o saneamento propicia notável redução dos índices de morbidade e mortalidade, além de economia para o sistema de saúde, com a diminuição do consumo de medicamentos e das internações hospitalares.

            Essas considerações, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vêm a propósito do impasse a que chegamos no Brasil, onde o setor público tem sido impotente para promover maior abrangência dos serviços de saneamento, e a iniciativa privada encontra-se inibida na realização de investimentos necessários, fundamentalmente pela ausência de uma legislação que assegure a participação privada na prestação desses serviços de utilidade pública.

            Evidentemente, os problemas ligados ao saneamento básico afetam mais intensamente os países em desenvolvimento e aqueles de maior pobreza.

            Recente relatório produzido pela Organização Mundial de Saúde revelou que 40% da população mundial não tem aceso aos serviços de saneamento básico e que 18% não dispõem de água potável. Aqui, comprova-se a vinculação do saneamento básico com as condições socioeconômicas dos povos: 98% das pessoas carentes desses serviços vivem em países em desenvolvimento.

            Em artigo publicado na revista Ecologia e Desenvolvimento, no começo deste ano, o pesquisador Álvaro Neiva destaca que “essa precariedade é responsável pela maioria dos quatro bilhões de casos de diarréia que matam 2 milhões e 200 mil pessoas - geralmente crianças com menos de 5 anos -, anualmente, no mundo inteiro”.

            A preocupação com as condições sanitárias é de alcance mundial, tanto que, na Cúpula do Milênio, realizada no ano passado em Nova Iorque, os 150 países ali representados assumiram compromissos de reduzir à metade, até 2015, o número de pessoas sem acesso a água potável e ao saneamento básico, e de universalizar esses serviços até 2025.

            Os índices brasileiros de cobertura sanitária não se distanciam dos indicadores médios da América Latina, que, por sua vez, ocupa posição intermediária entre os continentes de países mais desenvolvidos e os de maior pobreza. Na cobertura de abastecimento de água potável, a América Latina tem um índice de 85% dos domicílios, situando-se entre os países africanos (média de 62%) e a América do Norte (100% de cobertura).

            No Brasil, assinala Álvaro Neiva, 39 milhões de pessoas, ou 23% da população, não desfrutam de qualquer sistema de saneamento básico em seus domicílios, enquanto 22 milhões de habitantes, correspondentes a 13% da população, não têm acesso à água potável.

            Se considerarmos, em conjunto, o abastecimento de água potável, o esgotamento sanitário e a coleta de lixo, a população beneficiada, evidentemente, será ainda menor. A Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD), do IBGE, demonstra que apenas 53,8% das moradias, em 1992, e 62,3%, em 1999, dispunham desses serviços. Embora os números revelem uma razoável melhoria na prestação desses serviços -- entre 1992 e 1999 --, é de se notar que a carência de saneamento no Brasil exige providências efetivas e urgentes.

            Essa precariedade se destaca, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando se analisa a questão sanitária espacialmente. Na zona rural, por exemplo, existem nada menos que 6 milhões de domicílios, onde se concentram 75% da população do campo, sem acesso à água potável.

            O índice de 62,3% de domicílios com acesso à rede de abastecimento de água, ao esgotamento sanitário e aos serviços de coleta de lixo, conforme revelou a pesquisa do IBGE, para o ano e 1999, retrata a média nacional. Contudo, se considerarmos as médias regionais, verifica-se, como previsível, que os índices acompanham todos os demais indicadores que fazem do Brasil um País de contrastes. Essa média sobe a 85,5% na Região Sudeste; cai para 53,5% na Região Sul; desce a 40,5% no Centro-Oeste; desce ainda mais para 32,5% nos Estados do Nordeste e despenca para 13,6% na Região Norte, onde a oferta desses serviços -- reconheçamos -- é extremamente deficiente em conseqüência das longas distâncias e da baixa densidade demográfica.

            O acesso aos serviços de saneamento, analisado por Unidade Federativa, vai apontar contrastes ainda maiores: 91,1% de domicílios atendidos no Estado de São Paulo e 1,3% no Estado do Amapá. No Espírito Santo, esse índice está em torno de 71%, um pouco acima da média brasileira, mas bem abaixo daquela observada para o Sudeste (85,5%).

            Esse quadro somente pode ser revertido cm a adoção de medidas efetivas que visem a reduzir drasticamente a participação dos domicílios desassistidos dos serviços sanitários, num primeiro momento, buscando-se, como escopo último, a universalização do acesso ao saneamento básico, aí entendidas a oferta regular de água potável, o esgotamento sanitário, a drenagem de águas pluviais e a coleta e tratamento de lixo.

            Quanto a este último item - a coleta e tratamento de lixo - é imperioso reconhecer alguns esforços, no âmbito governamental e nas iniciativas da própria sociedade, que tem contribuído para minimizar as graves conseqüências do acúmulo de resíduos sólidos. Entre essas iniciativas destacam-se a da coleta seletiva do lixo, que já vem sendo implementada em muitos Municípios brasileiros, e a da reciclagem de boa parte dos materiais, que, até há pouco tempo, eram considerados inservíveis.

            De fato, o País começa a despertar para esse problema e já se destaca, no cenário mundial, pelo elevado índice de reaproveitamento do alumínio, da ordem de 70%; seguindo-se o vidro, com 35%; o papel, com 32% de reaproveitamento; o aço, com 18%; e o plástico, com 12%.

            As ponderações até aqui colocadas dão-nos a exata dimensão da importância de implementarmos uma efetiva política de saneamento básico e que venha a gerar efeitos altamente positivos na qualidade de vida da população brasileira.

            O modelo de gestão ainda dominante no Brasil, no que tange ao saneamento básico, concentra a prestação dos serviços nas companhias das 27 Unidades Federativas e em cerca de 1.800 sistemas municipais -- estes últimos quase sempre na forma de administração direta. Esse modelo vem procurando acompanhar a demanda de serviços decorrente do crescimento da população brasileira, que, como se sabe, vem experimentando intenso processo de urbanização.

            Entretanto, esse sistema, já há alguns anos, vem dando sinais de exaustão, e o lado mais visível dessa realidade se percebe, conforme já salientamos, na redução da capacidade de o Poder Público bancar novos investimentos.

            Além disso, as ineficiências do sistema de saneamento básico no Brasil têm sido ressaltadas por pesquisadores e técnicos diversos. Há cerca de dois anos, em consistente artigo publicado na Revista do BNDES, a analista Terezinha Moreira diagnosticava a má qualidade dos serviços nessa área, destacando o nível médio de perdas físicas e comerciais superior a 45%; indicadores operacionais e gerenciais insatisfatórios; precariedade no atendimento rotineiro; reduzidos níveis em coleta e, especialmente, em tratamento de esgotos.

            Informações recentes têm evidenciado a necessidade de investimentos da ordem de R$ 40 bilhões, nos próximos 15 anos, para universalizar a oferta dos serviços de saneamento à população urbana brasileira.

            Não se pode, em absoluto, acreditar que governantes, políticos, empresários e sanitaristas tenham ignorado as necessidades do setor. Basta dizer que numerosos projetos que tratam desse tema têm sido apreciados nas duas Casas do Congresso Nacional. Somente quatro propostas, entretanto, abordam a questão de forma mais abrangente, visando à implementação de uma política nacional de saneamento básico.

            O grande impasse em que hoje entrava a discussão e a implementação dessa política concentra-se, especialmente, na titularidade dos serviços de saneamento. O respeito à autonomia municipal e a importância da descentralização dos serviços de saneamento não pode ofuscar a realidade de que esses serviços envolvem, em muitos casos, territórios circunvizinhos, ultrapassando os limites da municipalidade e, até mesmo, fronteiras dos Estados federados e, em outros casos, municípios pobres que, isoladamente, não terão meios para viabilizar os investimentos necessários à melhoria das condições sanitárias da sua população.

            A questão da titularidade dos serviços de saneamento é a maior razão pela qual os citados projetos não têm sido apreciados com a presteza que todos desejam e que as demandas sanitárias da população requerem. A primeira dessas proposições, por ordem cronológica de apresentação, é a de autoria do atual Ministro e então Senador José Serra. Trata-se do PLS nº 266, de 1996, que delega aos Estados o poder concedente dos serviços quando sua execução envolver interesses comuns de dois ou mais municípios, ou quando se tratar de sistemas integrados de saneamento.

            Por prever a estadualização dos serviços nessas situações, o projeto em tela foi interpretado como uma tentativa de privatização do setor, dado que a iniciativa privada não teria maiores interesses em operar sistemas de saneamento em escala reduzida. No entanto, é mister esclarecer que o projeto do então Senador José Serra deixa a critério dos Poderes Públicos (Estados e Municípios) a opção pela gestão pública ou privada.

            Com posicionamento semelhante, porém condicionando a questão do saneamento ao contexto de uma Política Nacional de Recursos Hídricos, o PLS nº 560, de 1999, de autoria do Senador Paulo Hartung, foi apensado ao PLS nº 266, do Senador José Serra, já referido. O Senador Paulo Hartung prevê o compartilhamento dos serviços entre municípios limítrofes, quando necessário, reservando aos Estados, no entanto, a operação dos sistemas de esgotos quando as municipalidades não tiverem condições de atender adequadamente à população.

            O terceiro projeto relativo à política nacional de saneamento foi apresentado no ano passado pelos Deputados Sérgio Novais e Maria do Carmo Lara. No PLC n.º 2763, esses Parlamentares enfatizam a responsabilidade prioritária dos municípios pela operação dos serviços, quando esses se circunscreverem à sua jurisdição, e prevê a cooperação entre Estados e Municípios, e mesmo da União, quando os interesses envolvidos ultrapassarem os limites municipais ou mesmo o âmbito estadual.

            Encaminhado pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em fevereiro último, o PL n.º 4.147 (Mensagem nº 147/01, da Presidência da República), em discussão na Câmara dos Deputados, faz nítida opção pela estadualização da competência na prestação dos serviços de saneamento básico que excedam os interesses locais. Além disso, prevê a “interação harmônica dos diversos agentes públicos e privados que prestam serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, em âmbito estadual e municipal”. Em essência, e considerando a questão do poder concedente, o Projeto do Executivo Federal adota a proposta original do Ministro José Serra, explicitada no PLS nº 266, de 1996.

            O projeto encaminhado pelo Poder Executivo, deve-se ressaltar, não impõe a privatização dos serviços de saneamento básico e dos ativos estatais, mas considera a possibilidade de ingresso de capital privado, em circunstâncias que o tornem conveniente, com fundamento no interesse público. Sem aporte de recursos públicos e privados, o País dificilmente conseguirá alcançar as metas da Política Nacional de Saneamento, que prevêem para o ano de 2010 o abastecimento regular de água potável a 96% da população brasileira e a coleta de esgotos estendida a 65% dos domicílios.

            Quanto à titularidade da prestação de serviços de saneamento, nossa posição é a de que o poder concedente deve continuar com os municípios, como princípio constitucional já estabelecido, acrescentando-se, entretanto, as seguintes considerações:

- Nas áreas geoeconômicas que compõem as regiões metropolitanas com dois ou mais municípios, deve-se buscar a gestão compartilhada entre os municípios envolvidos, com a participação do Estado como articulador das ações integradas de base regional;

- A distribuição de água e a coleta de esgotos permanecem sob competência municipal no seu espaço geográfico, devendo essas atividades, em razão da interdependência entre as etapas do processo de saneamento, ser ajustadas com o Estado;

- Em razão da complementaridade das ações entre Estado e municípios nessas regiões metropolitanas, torna-se necessária a articulação das atividades de produção de água potável, afastamento e tratamento de esgotos;...

            O SR. PRESIDENTE (Moreira Mendes) - Senador Ricardo Santos, peço permissão a V. Exª para interrompê-lo a fim de prorrogar a sessão, de forma a permitir que V. Exª conclua o seu raciocínio e que sejam assegurados, pelo menos, cinco minutos a cada um dos dois Senadores aqui presentes, para seus pronunciamentos.

            O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Estou concluindo.

- para os municípios com serviços de saneamento exclusivamente locais e que apresentem pequena população e baixa capacidade de investimento, o Poder Público - representado pela União, Estado e o próprio Município - deverá atuar de forma conjunta e articulada com o propósito de viabilizar os investimentos em saneamento.

            Essas proposições têm por objetivo contribuir para a definição de uma nova modelagem do setor de saneamento, que pode e deve prever a participação do capital privado. Para isso, o Estado e os municípios devem constituir agências reguladoras nos espaços metropolitanos, nas microrregiões, ou mesmo nas bacias hidrográficas, envolvendo todos os municípios que a integram, a fim de viabilizar os investimentos públicos e privados requeridos e, simultaneamente, assegurar a fiscalização e a participação social no controle dos serviços prestados.

            Srªs e Srs. Senadores, as deficiências estruturais do nosso sistema de saneamento básico, aliadas às circunstâncias de escassez de recursos para investimentos no setor, representam para nós uma grave advertência. Não podemos mais postergar nossas decisões sobre uma questão de tamanho alcance social e de tão significativa repercussão econômica. Assim, apelamos aos nobres colegas Senadores para que, por ocasião da apreciação do Projeto de Lei do Executivo, que esperamos ocorra em breve, nos empenhemos na definição de diretrizes para um modelo de regulação e gestão do setor de saneamento que viabilize a alocação de recursos públicos e a atração de recursos privados que preencham os requisitos de eficiência e eficácia no atendimento às famílias brasileiras.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/18/245:38



Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2001 - Página 19029