Discurso durante a 107ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à memória e ao legado do sociólogo Herbert de Souza, pelo transcurso do quarto ano de seu falecimento.

Autor
Maguito Vilela (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Luiz Alberto Maguito Vilela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória e ao legado do sociólogo Herbert de Souza, pelo transcurso do quarto ano de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/2001 - Página 20782
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, HERBERT DE SOUZA, SOCIOLOGO, ELOGIO, ATUAÇÃO, COMBATE, FOME, MISERIA, BENEFICIO, SOCIEDADE, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o último mês de agosto marcou a passagem dos quatro anos da morte do sociólogo Herbert de Souza, nosso queridíssimo e saudoso Betinho. Precursor da luta organizada contra a fome no Brasil, em vida Betinho nos deu o exemplo de como combater esse mal que assola vários países do mundo: deixar de lado a conversa e realmente trabalhar. Os discursos acadêmicos a respeito da fome e da miséria podem até convencer platéias de estudiosos, mas não resolvem o problema de quem sente na barriga a dor de não ter o que comer.

            A Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, movimento criado pelo Betinho, sempre teve no trabalho prático sua filosofia. Betinho nunca negou a tese de que é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe. De que é preferível o emprego do que a doação do alimento. Mas nunca se escorou nessas teses para justificar a omissão.

            Se o emprego é inacessível, a educação não chega a quem precisa e se as mudanças estruturais levam demasiado tempo para serem implementadas, é preciso agir e agir com rapidez, porque a fome não espera: ela envergonha, humilha e mata.

            E assim ele fez. Comandou campanhas memoráveis de distribuição de alimentos. Defendeu e difundiu o seu projeto, que se multiplicou Brasil afora. Em Goiás, inspirado na obra de Betinho, implantamos um programa social que atendia mensalmente 150 mil famílias com a distribuição de cestas básicas, pão e leite, isenção do pagamento de água e energia para as famílias mais pobres daquele Estado.

            Em outros Estados, como no Maranhão, por intermédio da Governadora Roseana Sarney, na Paraíba, com o grande Governador José Maranhão, e no Distrito Federal, por intermédio do Governador Joaquim Roriz, surgiram programas semelhantes, num exemplo de solidariedade que provou ser possível reduzir o sofrimento daqueles que pouco ou nada tem para comer.

            A morte prematura de Betinho deixou uma lacuna enorme, mas seu exemplo e seu trabalho continuam muito vivos. Os comitês Pela Vida, comandados agora por seu filho, Daniel de Souza, já somam 500 apenas no Rio de Janeiro. A arrecadação de cestas básicas cresceu de 60 mil para 150 mil na última campanha Natal sem Fome. E os projetos inspirados no exemplo de Betinho se multiplicam pelo País afora.

            Trago essas informações desta tribuna na tarde de hoje não apenas para homenagear a memória e o legado de Betinho, que fez da sua vida um permanente servir ao próximo; não apenas para relembrar os quatro anos do passamento do grande brasileiro que foi o sociólogo Betinho, mas principalmente para mostrar o quão atual é o exemplo deste sociólogo extraordinário e o quanto o Brasil está precisando de, com vontade política, mirar-se em seu exemplo para implantar em todo o território nacional um programa verdadeiro de combate à fome e à miséria.

            Um programa que não tenha medo do patrulhamento acadêmico, mas que pense fundamentalmente em acudir quem está em situação de desespero, sem ter o que comer e sem condições de alimentar sua própria família.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, atualmente existem famílias em todo o Brasil, em todos os Estados brasileiros, em todas as regiões brasileiras passando todo o tipo de necessidade. Aqui mesmo, a dez quilômetros do Palácio do Planalto, a dez quilômetros do Congresso Nacional, ali, no lixão de Brasília, há milhares de crianças, de homens, de mulheres e de idosos disputando o lixo com os ratos e com outros animais. São seres humanos, irmãos nossos, vivendo do lixo de Brasília. Em São Paulo, também há muitas famílias vivendo do lixo da cidade. No Rio de Janeiro também.

            Trata-se de uma situação triste, lamentável; uma situação que tem que provocar indignação em todos nós.

            Portanto, precisamos, sem dúvida nenhuma, tomar providências seriíssimas. Não são poucos os brasileiros nessa situação, volto a repetir. Números da Fundação Getúlio Vargas, divulgados em março, apontam que 29% da população brasileira vive abaixo da linha de pobreza - 29% dos brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza! -, a maioria convivendo diariamente com o fantasma da fome.

            Se esse não é um argumento convincente, talvez o seja a forte escalada da violência no País, alavancada justamente pelas distorções sociais ostentadas pelo Brasil de hoje. Vejam alguns exemplos do aumento da violência, extraídos apenas dos jornais de hoje:

-     no Distrito Federal, os chamados seqüestros-relâmpago viraram moda. A Polícia Civil registrou, apenas nos últimos seis meses, nada menos do que 70 seqüestros-relâmpago, um a cada três dias, com muitas vítimas;

-     em todo o País, aumentou em mais de 25% o número de assaltos a agências lotéricas, muitos deles também com vítimas fatais. Em Goiânia, ontem, um dono de agência lotérica foi ferido à bala durante um assalto. Uma professora também foi ferida à bala.

-     Em Porto Alegre, um jovem tenista de 15 anos - uma promessa do tênis brasileiro -- foi morto por uma bala perdida de um policial que participava de uma ação, na tentativa de evitar um roubo de carro.

            Os exemplos são, portanto, incontáveis. Os crimes são cada vez mais numerosos e cada vez mais bárbaros. Se hoje se mata por um par de tênis, amanhã vai-se matar por um pedaço de pão.

            A lembrança de Betinho é importante neste momento, pois nos ilumina as ações e nos aponta o caminho. É preciso vontade política e coragem cívica para se enfrentar o problema com ações concretas e objetivas.

            Aqui, no Congresso, tentamos dar uma contribuição com a aprovação do Fundo de Combate à Miséria. Mas mesmo essa iniciativa teve seus objetivos desvirtuados. Os recursos não estão sendo investidos como deveriam, em programas objetivos de combate à fome.

            Mas nunca é tarde para promover mudanças de rumos. O exemplo de Betinho continua vivo para que o País possa nele mirar-se e acudir seus famintos. Se não socorrermos emergencialmente aqueles que não têm condições sequer de comer direito, certamente não iremos diminuir a violência que assusta e amedronta a Nação brasileira.

            Como Governador de Goiás - repito - tive a oportunidade de ter muitos encontros com o nosso saudoso e querido Betinho. Estive no Rio de Janeiro várias vezes, onde conversamos e mostramos a ele todos os nossos programas sociais. Betinho sempre demonstrou a sua preocupação com os mais pobres, com os mais humildes, com aqueles que realmente necessitam urgentemente do apoio do Poder Público e da sociedade como um todo.

            Por isso, deixo aqui registrada a minha homenagem àquele grande sociólogo, àquele grande brasileiro Betinho, que há quatro anos nos deixou, mas que também deixou a todos nós, à sociedade brasileira, os melhores exemplos de vida.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo112/27/244:51



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/2001 - Página 20782