Discurso durante a 102ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Repúdio ao despacho do Ministro Sidney Sanches, que solicitou ao Senado Federal licença para processar S.Exa. por crime de difamação, tendo em vista declarações a respeito da atuação da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. JUDICIARIO.:
  • Repúdio ao despacho do Ministro Sidney Sanches, que solicitou ao Senado Federal licença para processar S.Exa. por crime de difamação, tendo em vista declarações a respeito da atuação da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2001 - Página 18685
Assunto
Outros > SENADO. JUDICIARIO.
Indexação
  • ELOGIO, OBRA LITERARIA, JOSE SARNEY, SENADOR, APOIO, PRONUNCIAMENTO, ASSUNTO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • COMENTARIO, PRIORIDADE, URGENCIA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DECISÃO JUDICIAL, DENUNCIA, DIFAMAÇÃO, AUTORIA, ORADOR, SOLICITAÇÃO, SENADO, LICENÇA, AÇÃO JUDICIAL.
  • REITERAÇÃO, DECLARAÇÃO, OMISSÃO, CORRUPÇÃO, SECRETARIA DE ESTADO, SEGURANÇA PUBLICA, ESTADO DO PARANA (PR), REGISTRO, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), DROGA, CONFIRMAÇÃO, CRITICA, ORADOR.
  • CRITICA, JUDICIARIO, DEMORA, DENUNCIA, CONCLUSÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO, DESRESPEITO, DIREITOS, ORADOR, EXERCICIO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, MANDATO PARLAMENTAR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Depois do pronunciamento do Senador José Sarney, neste fim de tarde e com a mínima presença dos Srs. Senadores, eu quase me sinto intimidado para trazer ao plenário a minha palavra.

            O Senador José Sarney é, sem a menor sombra de dúvida, um dos grandes intelectuais vivos do Brasil hoje. Recomendo aos que se empolgaram com a tranqüilidade, precisão e racionalidade da sua intervenção, propondo uma ação positiva a respeito do problema racial, uma ação positiva para encaminhar a solução de um dos aspectos do problema racial no Brasil, os que se encantaram com o seu tranqüilo e eficiente pronunciamento, que dêem uma passada numa livraria e adquiram os seus dois últimos livros, O dono do mar e Saraminda. Saraminda, seguramente, é um dos melhores livros que já li, diante dos quilômetros de páginas de literatura que percorri. O Senador José Sarney, com esses dois últimos livros, inaugura um período novo da literatura brasileira e deixa o meu pobre e admirado “Gabo”, Gabriel Garcia Marquez a pedir desculpas e ter que se esforçar um pouco mais para superar essas obras.

            Vim à tribuna hoje, por incrível que pareça, para fazer o elogio do Supremo Tribunal Federal e do Ministério Público. Fui homenageado com dois atos ímpares do Ministério Público Federal e do Ministro Sydney Sanches . O Ministro Sydney Sanches recebeu uma denúncia do Ministério Público Federal contra mim classificada como difamação no dia 20 de agosto e, mesmo tendo na sua mesa, alguns milhares de processos não resolvidos, o Ministro Sydney Sanches me homenageou com uma prioridade absoluta. No dia 22 de agosto, dois dias depois de ter recebido a denúncia do Ministério Público, assinada pelo Sub-Procurador Haroldo Ferraz da Nóbrega e aprovada pelo nosso grande Geraldo Brindeiro, deu um despacho nos seguintes termos:

Oficie-se ao Senado Federal, com solicitação da licença a que se refere o § 1º do art. 53 da Constituição Federal, ficando a partir desta data suspenso o curso do prazo de prescrição da pretensão punitiva enquanto durar o mandato, nos termos do § 2º do mesmo artigo e na conformidade de precedente do Plenário desta Corte. Em 22 de agosto de 2001.

            Que bom se o Ministro Sydney Sanches agisse com tanta rapidez diante dos milhares de processos que dormitam em seu gabinete. Mas o Ministro manifestou um apreço especial pela pessoa deste Senador. E despachou o processo, determinando ao Senado que concedesse a licença para me processar. Processar a respeito de que, Sr. Presidente? Processar-me porque eu teria declarado ao jornal Folha de Londrina, em 1999, o seguinte:

O Senador Roberto Requião, em sua passagem pelo Norte, foi cáustico e impiedoso com o Governo: disse que a Secretaria de Segurança Pública é corrupta e frouxa. E mais, que a Divisão de Narcóticos anunciada na área cria dúvida, já que não se sabe se vai ser “a favor ou contra” as drogas. Quando afirmativa desse tipo é feita é porque o Governo perdeu aquele mínimo de auto-respeito. A alegação de que não se deve polemizar porque isso só beneficia o senador é meio discutível e revela escapismo.

            Isso foi transcrito pelo jornalista Luiz Geraldo Mazza. Ao ser ouvido o responsável pela coluna onde foi publicada a ofensa, diz que apenas relatou matéria publicada no mesmo jornal, na qual consta que o Senador Roberto Requião disse expressamente que o comando da Secretaria de Segurança Pública é frouxo e corrompido. Reitero a afirmação. Logo após, a CPI do Narcotráfico chegou ao Paraná. O Secretário foi demitido, o Diretor-Geral foi preso, três ou quatro delegados foram presos, e presos se encontram até hoje. E eu, neste momento, ao fazer a denúncia, apenas exercitava o meu direito de crítica, previsto na Constituição da República.

            O Procurador Haroldo, que encontrou tempo para fazer esta denúncia, não encontrou tempo, até agora, para fazer a denúncia dos ladrões dos precatórios, da CPI da qual fui Relator no Congresso Nacional. Falta tempo para uma coisa; sobre tempo para outra. E o Procurador-Geral, Geraldo Brindeiro, assina essa barbaridade.

            Vamos lá. Vou tentar, do meu patamar de modestos conhecimentos jurídicos, ensinar algo ao Ministro Sanches, ao Geraldo Brindeiro e ao Subprocurador. Há uma diferença muito grande entre inviolabilidade material, que é o direito de o parlamentar dizer aquilo que queira no exercício do seu mandato, criticando governos e tentando corrigir rumos da administração pública, e imunidade processual. Imunidade processual refere-se à proibição de se abrir um processo quando um crime comum é cometido por um parlamentar. Depende de autorização da Casa para que esse parlamentar seja processado pelo Supremo Tribunal Federal. No entanto, inviolabilidade material é algo extremamente diferente.

            Diz o art. 53: “Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos.” Por exemplo, tenho aqui um acórdão, cujo Relator é o Ministro Nelson Jobim, de 15 de outubro de 1997, do mesmo tribunal a que pertence o meu amigo, Ministro Sydney Sanches, que me homenageou com essa fantástica velocidade - que, cá entre nós, Sr. Presidente, este despacho, sim, difama-me, porque deu espaço para que jornais do País inteiro dissesse que o Supremo Tribunal Federal pediu licença para me processar. E quando o povo ouve falar em um processo, já imagina que está diante de um parlamentar corrupto. Mas, vamos lá.

Acórdão.

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em determinar o arquivamento do Inquérito, por entender inviável o pedido de licença prévia, por se tratar de imunidade material.”

            Exerci o meu direito de crítica e fui fulminado por um Procurador da República preguiçoso, que até hoje não deu conta do recado da CPI dos Precatórios, não envolveu numa denúncia nenhum dos grandes especuladores do mercado e os ladrões do dinheiro público, mas encontrou tempo para fazer uma denúncia por difamação contra quem a ninguém difamou porque, Sr. Presidente, a inépcia da denúncia é absoluta, porque não me refiro, não me referi na ocasião, mas posso fazê-lo agora, à pessoa do Secretário. Disse na Secretaria de Segurança Pública. Disse também que a tal Divisão de Narcóticos poderia ser contra ou a favor das drogas. Posteriormente, a CPI do Narcotráfico provou que a Divisão de Narcóticos era a favor do narcotráfico, que a polícia do Paraná havia substituído os traficantes e distribuía drogas nas escolas e para a população. E a polícia caiu quase que totalmente diante da pressão da opinião pública. Então, denúncia inepta, materialmente inepta.

            Vamos lá, vamos agora para a provocação. Quero dizer desta tribuna que o Ministério Público Federal do Brasil é frouxo, como disse a respeito da Secretaria de Segurança do Paraná, quanto à sua coordenação, à sua direção, e que, além de ser o Ministério frouxo porque não enfrenta os poderosos, os especuladores financeiros, tenho dúvidas se, no caso da CPI dos Precatórios, o comando do Ministério Público Federal trabalhou a favor do interesse público ou a favor dos ladrões do dinheiro público, que até agora não receberam uma denúncia e não foram processados.

            Vamos mais adiante. Quero ser processado no exercício do meu inviolável direito da inviolabilidade material do meu mandato: o Presidente da República é frouxo, porque não comanda o Brasil mais, e além de frouxo, tenho duvidas se ele serve à Nação ou ao capital especulativo internacional. Tenho dúvidas fundadas. O Armínio Fraga era lugar-tenente do George Soros, comandou o ataque especulativo à Tailândia. O ataque à sua moeda, baht, que deixou dezenas de milhares de tailandeses na miséria da noite para o dia. Acho que o Presidente é frouxo e digo isso da tribuna do Senado e no exercício do meu inviolável mandato e do direito de opinião. Não sei se o Presidente da República defende o Brasil ou, ideologicamente, uma globalização que não interessa à Nação.

            A impressão que tenho é que o Presidente da República é uma espécie de feitor do mercado - e o mercado não conhece cidadãos, mas consumidores. A Nação está sem direção. A direção nacional é frouxa, a direção do mercado é firme: planta-se no Brasil por meio de emendas constitucionais e nomeia o Presidente do Banco Central.

            Pedirei à Mesa que, ainda amanhã, envie o pedido do Ministro Sydney Sanches à Comissão de Constituição e Justiça. Quero saber se posso falar desta tribuna, como o faço agora, ou se tenho de submeter meus discursos ao Brindeiro, ao Haroldo e ao Ministro Sydney Sanches. Senador José Sarney, tenho certeza de que eles poderão melhorar os meus discursos e as minhas palavras, mas não serão discursos meus, nem as palavras serão minhas.

            É preciso que o Congresso Nacional rapidamente decida se estamos sendo submetidos à mordaça e à censura, como o comando do Ministério Público quer submeter o Luiz Francisco, o Guilherme Schelb e as pessoas que estão levantando os grandes problemas do Brasil, ou se existe um Senado corajoso, forte e independente.

            Conversava eu, agora há pouco, com o nosso erudito Luiz Carlos Bello Parga, que me explicava que John Donne, o poeta, posteriormente nomeado pelo Rei Ministro da Igreja Anglicana, era o autor de um célebre poema e considerava que quando morria uma pessoa - um homem, uma mulher - não era apenas ela que morria, era uma parte do mundo que era diminuída, era como se o mar devorasse parte do continente. E John Donne concluía: “Quando os sinos dobram, não mande saber por quem os sinos dobram, os sinos dobram por ti”.

            Essa violência, sem conseqüência, porque naturalmente será arquivada pelo Senado, rapidamente prolatada pelo Ministro Sydney Sanches, serviu para me difamar em toda a imprensa brasileira, servil e serviçal do Governo Federal; e a minha nota explicativa, distribuída à exaustão, não foi publicada em nenhum órgão da imprensa brasileira. O Globo, Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo absolutamente ignoraram as explicações, e passei por difamador, cujo processamento está sendo pedido por um Ministro do Supremo Tribunal Federal. É uma coisa horrível, seguramente estou sendo difamado.

            Mas quero requerer ainda, na condição de Senador neste plenário, que a Mesa convide S. Exª o Ministro Sydney Sanches e S. Exªs os Procuradores Geraldo Brindeiro e Haroldo Nóbrega para virem ao Senado da República explicar-nos qual foi a data da modificação da Constituição, em que momento um discurso de um Senador pode ser objeto de censura, seja pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Ministério Público Federal. Que esse convite seja feito para que eles tenham a oportunidade de, com toda a clareza, demonstrar as suas razões, os motivos doutrinários pelos quais resolveram agora impor a censura a um Senador da República.

            Tenho feito críticas duras ao Presidente da Republica. Semana passada denunciei a interferência do Vice-Presidente Marco Maciel e do próprio Presidente da República sobre Deputados da Assembléia do Paraná, forçando-os a vender o que 98% da população do Estado não quer que seja vendido - a Companhia Paranaense de Energia Elétrica.

            Tenho feito críticas duras em programas de televisão, como o do Bóris Casoy. Parece-me que não gostaram disso, daí a velocidade da retaliação e a tentativa de intimidação. Mas, no Brasil, os Senadores da República têm um suporte moral bem mais sério do que pensam os que querem nos intimidar. Eu, pessoalmente, Sr. Presidente, sou movido a adrenalina, e só isso levanta a minha indignação e me faz ocupar a tribuna para dizer que andou mal o Supremo Tribunal Federal, e muito mal o preguiçoso do Brindeiro e o apedeuta do Haroldo Nóbrega.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ROBERTO REQUIÃO EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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            Modelo15/3/247:24



Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2001 - Página 18685