Discurso durante a 108ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do lançamento do livro Escravidão Negra no Tocantins Colonial: Vivências Escravistas em Arraias (1739-1880).

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Registro do lançamento do livro Escravidão Negra no Tocantins Colonial: Vivências Escravistas em Arraias (1739-1880).
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2001 - Página 20996
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REGISTRO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), ESTADO DO TOCANTINS (TO), LANÇAMENTO, LIVRO, AUTORIA, JUCIENE RICARTE APOLINARIO, PROFESSOR, ANALISE, HISTORIA, FORMAÇÃO, BRASIL, UTILIZAÇÃO, MÃO DE OBRA, ESCRAVATURA.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL, AMBITO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PFL - TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a cada momento somos surpreendidos por fatos que demonstram o quanto a consciência da sociedade caminha rapidamente na compreensão e na abordagem de questões que a afetam, abrindo caminhos e perspectivas, que devem, cada vez mais, servir aos governantes, para apontar-lhes novos rumos e políticas adequadas a cada momento ou realidade percebida.

            Quero registrar, nesta oportunidade, pelo seu pioneirismo no caso do Tocantins, mas também pelas fronteiras que abre ao conhecimento da história e do espaço humano brasileiros, o livro lançado na OAB-TO, na última semana pela professora e pesquisadora, paraibana de origem, porém há longos anos radicada no Tocantins, Juciene Ricarte Apolinário. O livro Escravidão Negra no Tocantins Colonial: Vivências Escravistas em Arraias (1739-1800) se concentra na cultura e nas marcas de resistência e de valorização da liberdade, segundo a autora, em contraposição à “perspectiva meramente economicista, que considera o fenômeno da escravidão simplesmente como mão-de-obra”.

            O livro da professora Juciene constitui uma importante contribuição ao estudo da formação do Brasil a partir de uma perspectiva diferente, uma vez que estamos acostumados a ver e a estudar a formação brasileira, ou a influência africana nessa formação, apenas da perspectiva do Nordeste, da Bahia, de Minas Gerais, ou do Rio de Janeiro, ou, ainda, do ponto de vista das migrações européias do sul do País.

            No entanto, Sr. Presidente, a oportunidade em que trago este fato ao conhecimento da Casa, não há como não relacioná-lo à consciência cada vez maior que se forma em relação a temas como a igualdade, ou a discriminação racial, ou o direito dos povos de sociedades exploradas, excluídas e levadas ao extremo da escravidão, em benefício de outros povos, dos povos mais ricos ou mais poderosos, que dominaram o mundo.

            Refiro-me, é evidente, à Conferência Mundial contra o Racismo que se realiza nesta semana em Duban, na África do Sul, promovida pela ONU. Em face dos temas abordados, que extravasam em muito as questões meramente étnicas ou culturais, para assumir dimensões políticas e econômicas, não há como não relacioná-la aos recentes acontecimentos que vêm ocorrendo a cada reunião dos países ricos - como o que se verificou na reunião do G7 em Seatle ou na do G8, em Genebra, ainda recentemente.

            Tanto em um caso, como no outro, revela-se evidente a consciência que cresce nas nações periféricas sobre o fenômeno da exclusão de que são e de que foram historicamente vítimas.

            Uma consciência, Sr. Presidente, nobres Senadores, que se transforma em uma cobrança cada vez mais forte, do débito dos que exploraram, ou que continuam explorando a parcela mais fraca da sociedade.

            Aos ouvidos e mentes mais atentas, não há como passar despercebida a formação dessa consciência cada vez mais universal, a clamar por mudanças e a exigir a reparação pelos crimes do passado, que levaram o mundo a dicotomia atual da extrema pobreza e da extrema riqueza, numa situação que afronta a dignidade humana e que pode levar à ruptura o equilíbrio mundial.

            Este não é um debate que o Brasil estar à margem mesmo porque, o Brasil se põe nitidamente entre as nações periféricas, vítima, agora como no passado, em sua história colonial como em sua história de país independente, da exploração dos mais fortes, das Nações que dominaram ou dominam o mundo. Neste contexto é que se deve situar o fato de que aqui ocorreu o regime escravagista, exercido quer sobre a raça negra, quer sobre a raça indígena.

            Mesmo após a independência, mais de 60 anos decorreram até que a escravidão fosse definitivamente banida no país.

            O Brasil, não há dúvida, tem uma dívida a cobrar dos que no passado e no presente o têm explorado de todas as formas, sem nenhuma espécie de consideração - e o pesado ônus da escravidão, que serviu de instrumento das potências colonizadoras em seu benefício e para o empobrecimento do país, é uma dessas dívidas.

            Mas para que faça jus a esta cobrança, se faz necessário que o Brasil dê sua contribuição também ao pagamento de sua própria dívida, com as parcelas exploradas e excluídas de sua própria população, e a raça negra, como a raça indígena, Sr. Presidente, nobres Senadores, são, no nosso País, os grandes e principais credores.

            Neste contexto, entendem-se propostas como a de privilegiar os descendentes da raça negra - e porque não os indígenas, com prioridade de acesso à Universidade, por exemplo - embora evidentemente melhor seria a adoção de políticas que permitissem que eles crescessem por seus próprios meios, em condições equivalentes aos demais segmentos sociais.

            Espero que essas reflexões, inspiradas por um livro pioneiro no Tocantins, referente a escravidão negra, e pelos temas debatidos na Conferência Mundial contra o racismo, em realização na África do Sul, possam aprofundar este debate na linha de um esforço nacional, em favor da eliminação dos fatores que contribuem para o aumento da exclusão nacional e do resgate da dívida que possui o próprio país com seus cidadãos excluídos, especialmente os descendentes da raça negra e da raça índia, para que venham a ser efetivamente integrados, na sua identidade e na sua cultura, à comunhão nacional.

            Muito obrigado.


            Modelo15/17/244:53



Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2001 - Página 20996