Discurso durante a 108ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários à valorização do Congresso Nacional a partir da limitação das Medidas Provisórias.

Autor
Sérgio Machado (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: José Sérgio de Oliveira Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • Comentários à valorização do Congresso Nacional a partir da limitação das Medidas Provisórias.
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2001 - Página 20997
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, LIMITAÇÃO, EMISSÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), RETOMADA, FUNÇÃO LEGISLATIVA, CONGRESSO NACIONAL.
  • COMENTARIO, HISTORIA, CRIAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ESPECULAÇÃO, FUNCIONAMENTO, GOVERNO FEDERAL, EXECUTIVO, IMPORTANCIA, REFORÇO, DEMOCRACIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            LIMITAÇÃO DAS MPs e VALORIZAÇÃO DO CONGRESSO

            O SR. SERGIO MACHADO (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais do que um assunto ordinário da pauta legislativa, a regulação das medidas provisórias é um imperativo para que o Congresso Nacional retome para si a responsabilidade para a qual foi concebido: a de legislar.

            É urgente e relevante que o Parlamento limite com clareza a utilização de MPs. Para isso, a disposição de levar a termo essa reforma, consubstanciada nas aprovações realizadas até aqui, deve ensejar um esforço pluripartidário. Se há divergências - embora todas tenham as mesmas intenções reformistas -, elas não parecem, nem devem, ser insuperáveis.

            Para o Congresso, as mudanças significam uma nova fase nas suas relações com o Executivo, o fortalecimento do poder legislador desde a invenção das MPs na Constituição de 1988.

            Quando a proposta que ora debatemos entrar em vigor, além de restringir os temas que podem ser abordados por essa via, as medidas provisórias passarão a vigorar por 60 dias, prorrogáveis por 60 dias, sem reedição. Ou seja, o Executivo será desestimulado a ir reeditando indefinidamente seus textos e não pode mais modificar o texto original, o que fazia com freqüência. Depois desses 120 dias, se a MP não for votada, ela "tranca" a pauta da Câmara ou do Senado.

            Claro que há nisso um risco, já existente no sistema ainda vigente que não foi eliminado: Como corrigir os efeitos da MP, enquanto ela esteve valendo, se vier a ser rejeitada? Diz a nova regra que o Congresso disporá sobre o assunto. Mas é possível uma saída, sem criar uma imensa confusão?

            São situações a que apenas a experiência futura e a maturidade do nosso sistema democrático irão responder. E, francamente, acredito que as soluções encontradas serão apoiadas pela sociedade e atenderão às necessidades da maioria.

            Afinal, a solidez do Estado de Direito democrático depende da supremacia da Constituição e de suas Leis. A lembrança recente das violações destes instrumentos demonstra que o caminho mais rápido para se chegar ao autoritarismo é o da desmoralização do ordenamento jurídico-constitucional. A sobreposição do Executivo sobre o Legislativo acaba atingindo, também, o Poder Judiciário e toda a ordem interna !

            O historiador Edward H. Carr, no conhecido e consagrado livro Vinte Anos de Crise, analisando a situação européia após a Primeira Grande Guerra, advertiu que "nenhuma sociedade política nacional ou internacional pode existir a menos que o povo se submeta a certas regras de conduta".

            Já o grande político Milton Campos, por sua vez, dissertando sobre o papel libertador da lei, dizia: "Por que é que à lei cabe essa missão libertadora? Porque ela significa a regra objetiva que, prevendo e provendo, afasta as soluções casuísticas do arbítrio e da força. Assim se explica, no mais amplo sentido, o princípio da legalidade que não é o fetichismo da lei em si mesma, senão um processo corretivo da imperfeição humana. Sem o império da lei, cairíamos no arbítrio das imprevisíveis decisões dos mais fortes, e seria de novo o absolutismo que é a posição indesviável a que conduz o olímpico desdém pela lei."

            Temos de admitir, neste debate que merece a atenção e a participação de todos os brasileiros, que há decisões de governo que são urgentes. Não é difícil imaginar situações em que a ação do Executivo seja premente e exija a iniciativa de legislar. Foi para momentos graves e excepcionais que o legislador de 1988 concebeu e inscreveu o instituto das medidas provisórias.

            No artigo 62, a Constituição prevê que, em caso de "relevância e urgência", o presidente da República poderá editar MPs com força de lei. A Carta dá a medida dessa relevância e dessa urgência ao determinar que, na hipótese de uma MP ser editada durante recesso do Congresso, este seja convocado em caráter extraordinário para apreciar a medida.

            Mas, mesmo com a subjetividade dos conceitos de relevância e urgência, poucos serão capazes de afirmar que o atual uso do mecanismo é o mais apropriado. Se analisarmos a evolução do processo legislativo pelo Executivo, veremos que o ex-Presidente José Sarney editou 147 MPs; Fernando Collor, 160; Itamar Franco, 505; e o Governo atual, 5377 - aí incluídas, claro, as reedições de medidas já existentes.

            O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso tem admitido o exagero e apóia a limitação do uso das MPs, num gesto elogiável e democrático que todo Chefe de Estado deveria ter.!

            Diante desta realidade, o Executivo tem sido acusado como o principal responsável por tal distorção. Mas seria, porém, injusto dizer que é o único. Ouso dizer que a distorção só chegou ao ponto a que chegou porque nós congressistas, nossas lideranças partidárias, enfim, o Congresso Nacional, como esfera fundamental do Poder, permitiu. Num certo sentido, o Legislativo renunciou, em parte, a legislar, transferindo algumas iniciativas ao Executivo !

            O sucesso das alterações, portanto, somente virá se houver, concomitantemente, uma mudança nos hábitos do Parlamento brasileiro, de nós parlamentares e de nossas normas de funcionamento no processo legislativo. Em suma, tudo vai depender - aí é que reside a nossa responsabilidade - da disposição do Congresso de fazer a sua parte...

            Esperamos, sinceramente - e creio eu ser este um dos objetivos de nosso esforço - que o resultado mais notável da proposta seja uma drástica redução no número de medidas provisórias. As conseqüências desta importante mudança deverão ser sentidas pelos diversos setores envolvidos.

            Em primeiro lugar, o Executivo só deverá enviar uma MP para o Parlamento quando tiver razoável confiança de que a base governista vai se mobilizar para aprová-la. É certo que o Governo perde poderes, mas é preciso enfatizar que a grande facilidade para legislar pode ser contraproducente, não só para a democracia como também para o próprio Executivo.

            Em segundo lugar, a limitação das medidas provisórias vai ampliar o campo de ação do Legislativo, gerando novas possibilidades e responsabilidades para os parlamentares, assim como para os partidos. Um comportamento ativo do Congresso Nacional será imprescindível, sob o risco de concorrer para a instalação de graves impasses.

            Quando setores governamentais não envolvidos diretamente no processo legislativo sugerem as alterações que acabam se tornando leis, geralmente não precisam se preocupar com os aspectos políticos das medidas que concebem, tendem a ser pródigos na sanha legiferante. Não raro, geram desgastes desnecessários para a sociedade e para o próprio Governo.

            Tudo leva a crer que a aprovação definitiva da limitação do uso das MPs vai reintroduzir a parcimônia na ação destes segmentos. Restituem-se, assim, a relevância e a urgência previstas pela Constituição como requisitos necessários para que se edite uma MP. É a democracia quem ganha.

            As lições fornecidas pela história mundial, e pela brasileira, devem ser constantemente lembradas e ensinadas às gerações presentes e futuras. Em entrevista recente a um jornal paulistano, o professor Boaventura de Sousa Santos disse que "o fascismo social emerge se a democracia deixa de ter capacidade de redistribuição". Por mais que alguns queiram negar, a política ainda é fundamental na neste processo, em cujos alicerces está a administração do Estado.

            Continua atual a advertência de Denis Diderot, segundo a qual de certos governos "toda inovação deve ser temida". Certamente - digo eu - este não é o nosso caso. Vamos mostrar que aprendemos satisfatoriamente os ensinamentos do regime democrático e fornecer à sociedade brasileira este instrumento que, com certeza, irá fortalecer o Congresso, garantir as condições de governabilidade ao Executivo e colaborar no aperfeiçoamento de nossos instrumentos legais.

            Era o que tinha a dizer. Muito Obrigado.


            Modelo15/4/245:23



Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2001 - Página 20997