Discurso durante a 101ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem pelo centenário de nascimento do jornalista e escritor cearense Jáder de Carvalho.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo centenário de nascimento do jornalista e escritor cearense Jáder de Carvalho.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/2001 - Página 18528
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, JADER DE CARVALHO, JORNALISTA, ESCRITOR, ESTADO DO CEARA (CE), PAI, CID SABOIA DE CARVALHO, EX SENADOR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Ceará comemora, neste ano de 2001, o centenário de nascimento de um de seus mais diletos filhos. Jornalista, advogado, romancista e poeta, Jáder de Carvalho, nascido a 29 de dezembro de 1091, em Quixadá, inscreveu seu nome, de forma definitiva, na História de nosso Estado. Ao falecer, em 1985, aos 84 anos, deixou não apenas magnífica obra intelectual -- materializada, entre outras realizações, na publicação de mais de trinta livros e na fundação de três jornais --, mas, acima de tudo, o exemplo notável de quem fez de toda a vida palco incessante de luta pela justiça e pela liberdade.

            Jáder de Carvalho foi essencialmente um libertário, alguém que, desde cedo, traçou itinerário de vida, rigorosamente identificado com o combate às mazelas sociais e a toda e qualquer forma de injustiça, do qual jamais se afastou. Com efeito, do quase menino de 19 anos que se iniciava no jornalismo -- atividade à qual se dedicou com desmedida paixão -- ao octogenário que ainda encontrava disposição e força para participar de campanha eleitoral, encontramos alguém que fez das causas sociais a razão de ser de toda a sua existência.

            De sua biógrafa, a jornalista Ângela Barros Leal, recolho o que me parece ser a precisa, sintética e verdadeira definição de nosso personagem: “Polêmico, contraditório, romântico, panfletário. Os adjetivos não dão conta do homem Jáder de Carvalho. Nele, conviviam o poeta lírico e o romancista revolucionário, o advogado de causas perdidas e o jornalista demolidor. Uma história marcada por brigas e abraços largos. Tiros e poemas. Delicadezas e prisões”. Encerro aqui os conceitos que a biógrafa Ângela Barros Leal teve a ocasião de emitir sobre a rica personalidade de Jáder de Carvalho. Ou, como lembrou seu filho, o ex-Senador Cid Sabóia de Carvalho, realçando a característica maior do pai: “alguém que lutou pelas liberdades por toda a vida”.

            Assim era Jáder, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Como jornalista afirmativo, de combate, jamais abriu mão de suas convicções. Idéias nascidas e consolidadas a partir de leituras que, como fazia questão de ressaltar, foram decisivas para sua formação. Entre essas, destaque todo especial para os grandes clássicos portugueses, franceses e russos. A esse respeito, lembro seu depoimento esclarecedor, prestado em 1974: “A vida difícil chegava, às vezes, a me atormentar. Foi quando me voltei para a literatura de revolta, liderada por Máximo Gorki, e dentro de pouco tempo eu estava de cabeça virada, isto é, tinha trocado as idéias pacíficas do sertão pelas idéias das guerras sociais, das quais nunca me afastei”.

            A esse tipo de literatura, Jáder agregou a leitura dos clássicos do materialismo dialético. Justamente a partir dos contatos com o textos de Marx, Engels e Lênin é que se decidiu pela fundação de seu primeiro jornal, A Esquerda, em 1928. Com linha editorial claramente definida, o jornal se prestava ao combate à “carcomida” República Velha, trabalhando vigorosamente em prol do movimento que desembocaria na Revolução de 1930.

            Como jornalista, no entanto, Jáder de Carvalho orgulhava-se principalmente de ter sido o fundador do Diário do Povo, em 1947, idealizado ao tempo em que lecionava História do Brasil no Liceu do Ceará. Embalado pela crença de dispor do essencial - “sonho, coragem e companheiros” -, foi recrutar entre seus alunos aqueles que o auxiliariam na feitura de seu jornal, autêntica trincheira de luta pelas causas nas quais acreditava. Simples era o critério para a escolha dos jovens colegas: “ter paixão jornalística, ser bom aluno de História e ser de briga”.

            A que vinha o Diário do Povo? Que compromissos ideológicos e filosóficos sustentavam aquele sonho, somente encerrado em 1963? O próprio Jáder de Carvalho, anos mais tarde, responderia: “O Diário do Povo nasceu para defender os oprimidos, para lutar pelo pão do povo. Nasceu e viveu para lutar pela liberdade de expressão do pensamento. Se chegou a ser violento e forte, a ponto de eu receber agressões pessoais, é porque a verdade às vezes é tão crua que só pode ser dita sob metáforas. E eu nunca usei metáforas, sempre disse a coisa em linguagem direta. E essa linguagem direta tanto trouxe perigo para meu jornal quanto para minha pessoa”.

            Realmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dificuldades da mais variada natureza é que não faltaram a Jáder de Carvalho. Recorrentes crises financeiras, muitas vezes originadas na escassez de anunciantes, mesclavam-se a constantes perseguições políticas. No “Estado Novo” de Vargas, por exemplo, chegou a ser preso, em 1944, por sua veemente defesa da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, ao lado das forças antifascistas, os Aliados.

            Sua presença no jornalismo cearense não ficou restrita aos jornais por ele criados. Vamos encontrar a sua forte personalidade a se mostrar por inteiro nas páginas de O Povo, de seu amigo Demócrito Rocha, assim como nas da Tribuna do Ceará e do Nordeste, este um jornal católico, a receber a colaboração de um marxista.

            De sua carreira como homem de comunicação, ficou a lembrança de alguém que “tinha as idéias, escrevia e atuava. Um jornalista combativo, militante e engajado nas causas sociais”, como acertadamente escreveu o jornalista e professor Agostinho Gósson, da Universidade Federal do Ceará e diretor da Rádio Universitária.

            Ainda a propósito dessa fulgurante carreira de jornalista de idéias, de teses e de combate, que foi o apanágio de Jáder de Carvalho, faço minhas as palavras da jornalista e escritora Ângela Barros Leal, que pesquisou intensamente a vida do homenageado e sobre ele afirmou: “Ser jornalista era mais que um destino para Jáder; era um caminho áspero e tentador, uma platéia cativa para seus sonhos justiceiros e impossíveis”.

            Quero aqui ainda mencionar que vários foram os jornalistas, homens públicos forjados nesta escola de Jáder de Carvalho. Correndo o risco de omitir nomes importantes, lembro Doriam Sampaio, jornalista e político; Aquiles Peres Mota, também seu genro, jornalista e político; Lúcio Lima; Olavo Sampaio; Manoel Lima Soares e tantos outros que, ao lado de Jáder, compuseram o Diário do Povo, seguindo aquela tríade de requisitos que ele estabeleceu como critério para recrutar colaboradores, repito: ter paixão jornalista, ser bom aluno de História e ser bom de briga.

            Sonhos impossíveis do nosso inesquecível Jáder. Aí estão, muito provavelmente, os termos que melhor definem a utopia que o conduziu pela vida afora, fazendo dele o eterno cavaleiro andante a bradar contra as injustiças, o Quixote cearense a enfrentar todos os moinhos de vento. Justamente por isso, uma alma dessa natureza também haveria de se expressar pela literatura. Eis, então, que iremos encontrar o Jáder de Carvalho em prosa e verso.

            Ainda que não suficientemente conhecida e merecidamente valorizada, a sua obra poética é riquíssima. Nela se misturam lirismo e romantismo, ora denúncia social, ora a mais pungente manifestação de um sentimento telúrico magnificamente traçado no seu grande poema “Terra Bárbara”, um canto de louvor ao Ceará e aos cearenses. Foi assim com seu primeiro livro de poemas, onde ele cantou o Ceará, o Nordeste e o Brasil: Canto Novo da Raça, de 1927.

            Foi assim com o Terra de Ninguém, visceralmente telúrico, a retratar um Nordeste que somente sobrevivia na memória e na saudade do autor. É exatamente disso que trata seu mais famoso poema, considerado um clássico da literatura brasileira: “Terra Bárbara”, ao qual há pouco me referi.

            Vieram, a seguir, Água da Fonte, cantando o amor às mulheres e a Fortaleza; Cantos da Morte, Alma em Trovas. Toda a Poesia de Jáder de Carvalho é o título dado à reunião de cinco livros em três volumes, publicados em 1974, o segundo dos quais confere ao autor o Prêmio de Poesia Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras. Suas derradeiras publicações poéticas foram “Delírios da Solidão”, “Terra Bárbara” e “Rua da Minha Vida”.

            Também expressiva é sua obra em prosa de Jáder de Carvalho. Textos bem escritos sempre pautados pela consciência crítica a denunciar atos de corrupção, de sonegação, do arbítrio. Assim, a partir de 1937, vão sendo publicados os seus romances: Classe Média; Doutor Geraldo; A Criança Vive; Eu Quero o Sol; Sua Majestade, o Juiz. Publicou, ainda, Antologia de João Brígido, homenagem a um dos seus ídolos do jornalismo, fundador do Jornal Unitário. Com Meu Passo na Rua Alheia, reuniu artigos por ele publicados em jornais, entre 1963 e 1971.

            Também é importante a sua incursão nos domínios da sociologia, professor que foi da antiga Escola Normal, Instituto de Educação do Ceará, destacando-se como um professor dedicado e de grande influência sobre os alunos pelo seu talento e pela sua dedicação.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como representante do Ceará nesta Casa, sinto-me no dever de aqui registrar o centenário de nascimento de Jáder de Carvalho, o que faço com orgulho e elevada satisfação. Sinto-me também feliz por perceber que a gente cearense, por meio de algumas de suas mais expressivas instituições, mobiliza-se no sentido de fazer que, ao longo de todo este ano, a data seja condignamente comemorada. A partir do último dia 6 de junho e até o próximo dia 13 de dezembro, serão lançados livro, CD de poesias de Jáder, além de realização de sessão solene da Assembléia Legislativa e das Academias Cearenses de Letras, de Retórica e de Língua Portuguesa, do lançamento de carimbo postal e de cartão telefônico alusivos à data, de apresentação teatral, da realização de seminário de estudos e da inauguração de seu busto em praça pública.

            Ao encerrar este meu pronunciamento, seguramente muito simples, considerada a imensa dimensão intelectual e humana de Jáder de Carvalho, tenho a certeza de representar o pensamento cearense no que ele tem de mais comprometido com a defesa da vida com dignidade, justiça e liberdade. Porque todas as vezes em que nós, cearenses, falamos desses temas, é também em Jáder de Carvalho que nos espelhamos. Dele, recebemos preciosas lições em termos de coragem, de desprendimento pessoal e devoção às mais justas causas sociais.

            Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado.


            Modelo18/16/245:24



Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/2001 - Página 18528