Pronunciamento de Pedro Ubirajara em 27/08/2001
Discurso durante a 101ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Considerações sobre a questão dos conflitos agrários provocados pela disputa de terras, envolvendo índios e produtores rurais, ressaltando a importância da apreciação urgente dos projetos de lei sobre o assunto, que tramitam no Congresso Nacional.
- Autor
- Pedro Ubirajara (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
- Nome completo: Pedro Ubirajara de Oliveira
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA INDIGENISTA.
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).:
- Considerações sobre a questão dos conflitos agrários provocados pela disputa de terras, envolvendo índios e produtores rurais, ressaltando a importância da apreciação urgente dos projetos de lei sobre o assunto, que tramitam no Congresso Nacional.
- Publicação
- Publicação no DSF de 28/08/2001 - Página 18534
- Assunto
- Outros > POLITICA INDIGENISTA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
- Indexação
-
- REGISTRO, REUNIÃO, FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), DEBATE, CONFLITO, TERRAS, INDIO, PRODUTOR RURAL, AUSENCIA, PROVIDENCIA, EXERCITO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), POLICIA, PREVENÇÃO, VIOLENCIA, AUTORIA, COMUNIDADE INDIGENA, CRITICA, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), INFLUENCIA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO.
- NECESSIDADE, TRAMITAÇÃO, MATERIA, ATUAÇÃO, LEGISLAÇÃO, POLITICA FUNDIARIA, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, DEFESA, REGIME DE URGENCIA, ANEXAÇÃO, PROJETO DE LEI, ANUNCIO, AUDIENCIA PUBLICA.
- PROPOSTA, AUTORIA, ORADOR, AMPLIAÇÃO, ABRANGENCIA, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, POLITICA INDIGENISTA, REGIÃO AMAZONICA, INCLUSÃO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS).
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. PEDRO UBIRAJARA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a esta tribuna para tratar da questão dos conflitos agrários provocados pela disputa de terras envolvendo índios e produtores rurais. O assunto não é novo na Casa, mas merece a atenção de todos em função dos inúmeros interesses envolvidos.
Recentemente, tive a oportunidade de participar, juntamente com o Senador Juvêncio da Fonseca e com os Deputados Federais Waldemir Moka, Manoel Vitório e Nelson Trad, de encontro promovido pela Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul - Famasul, que reuniu produtores rurais e a bancada federal para sensibilizar a classe política quanto ao assunto.
Em ressonância, no último sábado, a Famato - Federação da Agricultura de Mato Grosso realizou em Cuiabá um evento similar, onde o assunto foi novamente debatido. Segundo relato do Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Indígenas da Confederação Nacional da Agricultura, Leôncio de Souza Brito, o evento contou com grande participação de produtores que relataram suas dificuldades, ensejando, assim, os motivos para renovar o assunto nesta Casa.
Na reunião ocorrida na Famasul, tomamos conhecimento que recentemente o Prefeito do Município de Antônio João, Dácio Queiroz, ficou refém de índios Guarani-Caiuás por mais de 40 horas, enquanto o fotógrafo que o acompanhava era espancado. Os índios reivindicavam parte da fazenda Fronteira, de propriedade do Prefeito.
Também, semanas atrás, os produtores de Antônio João voltaram a manifestar preocupação com o grande movimento na aldeia Campestre. O clima de hostilidade na região é latente, e, por isso, antecipadamente, já foi comunicado o fato aos comandantes dos quartéis do Exército, à Funai e às Polícias Federal e Civil. Contudo, ainda não se viu qualquer solução ou medida preventiva para evitar o confronto, que poderá ocorrer, provavelmente, com o uso de armas.
Durante aquele encontro, ficou evidente a grande preocupação dos produtores rurais com a ação de organizações não-governamentais, que, de forma articulada, estão atuando para influenciar na alteração da legislação indígena.
Chamam atenção para a Resolução nº 196, da OIT, que está prestes a ser modificada com a influência das Ong’s; alertam para possíveis alterações no Decreto nº 1.775, que regulamenta a demarcação de terras. Observam, ainda, as inúmeras propostas para modificação na Lei nº 6.001, o Estatuto do Índio, e pedem especial atenção para os arts. 231 e 232 da Constituição, que podem ser alterados em função das várias matérias em tramitação no Congresso Nacional.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é justamente a interpretação do art. 231 da Constituição Federal que está propiciando até mesmo alguns exageros. Em meu Município, Aquidauana, índios das aldeias Terenas estão requisitando áreas territoriais que compreendem quase a totalidade dos Municípios de Aquidauana e de Miranda. Em Santa Catarina a situação se repete: os índios requisitam nada mais nada menos do que a extensão territorial da cidade de Chapecó.
Os produtores rurais denunciam que, se algum técnico de uma ONG encontrar numa propriedade osso supostamente de índio, arvora-se no direito de expulsar o proprietário, reivindicando aquela propriedade como sendo terra indígena.
Diante de tudo, permito-me traçar o seguinte paralelo: depois de convivermos com a ameaça do apagão, pela falta de oferta de energia elétrica, caso não seja encontrada uma solução para os conflitos agrários, poderemos testemunhar um novo tipo de apagão no País.
Desta feita, também pela omissão das autoridades, poderemos assistir ao “apagão de vidas”, com os conflitos entre brancos e índios, verificados em várias regiões do País.
Recordo-me de que, em fevereiro último, a Confederação Nacional da Agricultura realizou, em Campo Grande, a primeira reunião nacional sobre questões indígenas, reunindo cerca de 160 representantes de sindicatos rurais de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Pará e Santa Catarina. Todos buscavam soluções para o problema, por meio do cumprimento da legislação ou do diálogo entre as entidades que representam os dois segmentos em conflito.
Do que tenho colhido, entendo que os produtores estão decididos a enfrentar, o mais rápido possível, os problemas emergenciais de forma planejada e pela via jurídica, sem, contudo, abdicarem da possibilidade de enfrentamento direto, a despeito de atitude extrema e abominável.
Só em Mato Grosso do Sul, segundo dados da Famasul, existem cerca de 14 mil hectares de terras invadidas por índios, e as estimativas indicam que mais de 75 propriedades rurais poderão ser invadidas este ano.
A propósito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, repito aqui as palavras pronunciadas pelo Presidente da Famasul, Sr. Léo Brito: “É preciso evitar o conflito, pois a culpa não é dos índios, nem dos produtores, mas de toda a sociedade, que deixou o tempo passar sem providências que beneficiassem tanto o indígena quanto o homem do campo”.
Aproveito para endossar esse entendimento, sob cuja ótica pretendo pautar minha atuação parlamentar.
Por isso, é importante a interpretação do art. 231, da Constituição Federal, em harmonia aos princípios norteadores da Lei Maior, caso contrário, correremos o risco de assistir ao retorno da época da expansão territorial do País, quando os bandeirantes praticamente dizimaram as principais nações indígenas para ocupar suas terras.
Tratei do assunto com o Ministro da Justiça, José Gregori, e partilhamos a mesma preocupação com relação ao assunto. Para S. Exª, a questão somente avançará após a tramitação das matérias alterando a legislação em vigor.
Por isso defendo, em regime de urgência, a reunião de todas as propostas em tramitação nas duas Casas do Congresso, para que encontremos os subsídios necessários para um grande entendimento que permita o fim dos conflitos.
De acordo com levantamento realizado pelo Conselho Indigenista Missionário -- CIMI, existem em tramitação nada mais nada menos que 52 projetos na Câmara dos Deputados e 17 no Senado versando sobre assuntos indígenas.
Uma das propostas, de autoria do Deputado José Carlos Coutinho, alterando a Lei nº 6.001/73, condiciona a demarcação de terras indígenas à aprovação dos Deputados nas Assembléias Legislativas.
É evidente que, ao tratar do assunto, é importante tecer considerações sobre os antecedentes na relação branco-índio na história brasileira.
A Constituição de 1988 contempla os povos indígenas e reconhece-lhes sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Até mesmo conceitua como terras tradicionalmente ocupadas pelos índios aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
É importante lembrar que, para os índios, a terra não é apenas suporte para a vida material, meio de subsistência ou fator de produção, mas também é referencial de seu mundo simbólico.
A Constituição estabelece como dever a demarcação das terras indígenas. Essa demarcação é o estabelecimento, pela via administrativa, dos limites do território que os índios tradicionalmente ocupam.
A definição de terra indígena está regulamentada pelo Estatuto do Índio, por decreto e por portaria do Ministério da Justiça.
O processo de identificação é coordenado por antropólogos e envolve conhecimentos técnicos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e fundiária, conforme estabelece o Decreto nº 1.775, pelo qual é garantido o direito de os índios participarem de todas as fases do processo administrativo, mas não assegura esse mesmo direito aos proprietários e produtores rurais.
O número de área total das terras indígenas identificadas no Brasil aumentou substancialmente entre 1981 e 1994. Naqueles idos, havia 308 terras e 40 milhões de hectares reconhecidos, enquanto em 94 esse número passou para 517 e 90 milhões de hectares.
Diante desse quadro, os inimigos dos índios, latifundiários, elites regionais, grileiros, produtores rurais, que antes exploravam uma postura racista, cheia de estereótipos sobre índios preguiçosos e incapazes, justificam agora a invasão das terras indígenas sob o pretexto de que há muita terra para pouca gente.
É uma postura preconceituosa e totalmente equivocada nos seus fundamentos, pois é enorme a concentração da propriedade fundiária, assim como é alto o índice de áreas rurais aproveitáveis e não exploradas. É injusto concentrar as críticas da questão agrária na realidade fundiária indígena.
Na verdade, a situação dos índios também é grave em várias regiões, onde grande parte de seus territórios são contestados. Verificam-se áreas indígenas invadidas, além de existirem aquelas onde não há ainda qualquer proposta de definição territorial pela Funai, em clara omissão na tarefa de intermediar corretamente a solução do problema.
O momento é de tomada de atitude por parte do Congresso Nacional para enfrentar esta situação, assumindo papel de vanguarda para a solução do conflito iminente entre brancos e índios na questão agrária.
Acabo de ser informado que a Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados aprovou requerimento de autoria do Deputado Waldemir Moka, propondo audiência pública para debater a questão das invasões e desapropriação de terras indígenas.
É importante que representantes do Ministério da Justiça e do Desenvolvimento Agrário, da Confederação Nacional da Agricultura, da Fundação Nacional do Índio e de outras entidades como o CIMI - Conselho Indigenista Missionário - sejam ouvidos para apresentarem as suas propostas e posicionamentos, especialmente na CPI das ONGs, instalada nesta Casa.
Portanto, como providência oportuna, proponho a ampliação da área de abrangência e atuação da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar denúncias de irregularidades na atuação das organizações não governamentais, atualmente limitada à Amazônia, para investigação das ONGs que tratam da questão indígena em todo o País.
Solicito à nobre Senadora Marluce Pinto, Relatora da Comissão, e ao nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, Presidente da CPI das ONGs, que considerem o pedido como forma de dar maior transparência à ação de entidades não governamentais, muitas delas mantidas com recursos oriundos do exterior.
Acredito que daí possamos extrair os subsídios para a solução dos conflitos hoje generalizados em todo o território nacional.
Também conclamo os nossos pares para unirmos esforços, objetivando apreciar com urgência os projetos em tramitação na Casa, correlatos ao que ora abordamos.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o problema não é fácil nem de simples resolução. Não se pode afirmar que haja verdade absoluta para qualquer um dos lados. É preciso haver interesse do Poder Público em resolver uma questão que está inquietando o campo e a cidade.
Sr. Presidente, muito obrigado.
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