Pronunciamento de Marina Silva em 27/08/2001
Discurso durante a 101ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Repúdio pelo assassinato do sindicalista rural Ademir Alfeu Fredericci, no dia 25 do corrente.
- Autor
- Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
- Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SEGURANÇA PUBLICA.
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
- Repúdio pelo assassinato do sindicalista rural Ademir Alfeu Fredericci, no dia 25 do corrente.
- Publicação
- Publicação no DSF de 28/08/2001 - Página 18539
- Assunto
- Outros > SEGURANÇA PUBLICA. MOVIMENTO TRABALHISTA.
- Indexação
-
- REPUDIO, HOMICIDIO, ADEMIR ALFEU FREDERICCI, SINDICALISTA, COORDENADOR, MOVIMENTO TRABALHISTA, DEFESA, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO, RODOVIA TRANSAMAZONICA, ELOGIO, ATUAÇÃO.
- REGISTRO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ENTERRO, SINDICALISTA, REIVINDICAÇÃO, JUSTIÇA, PUNIÇÃO, CRIME POLITICO, PERSEGUIÇÃO, LIDER, TRABALHADOR RURAL, PROVIDENCIA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA).
- DENUNCIA, HOMICIDIO, INDIO, LIDER, TRIBO SUCURU, REIVINDICAÇÃO, RETOMADA, TERRAS INDIGENAS, MUNICIPIO, PESQUEIRA (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).
- PROTESTO, IMPUNIDADE, BRASIL.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou fazer um registro que me causa tristeza. Essa é uma cena que se repete no plenário desta Casa, desde que aqui cheguei em 1995. Infelizmente, já tive oportunidade de fazer várias vezes esse mesmo anúncio, esse mesmo protesto, bem como acompanhar outros Colegas que assim procederam.
Refiro-me ao assassinato, ocorrido na madrugada de sábado, dia 25 de agosto, do sindicalista e coordenador do Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu, Ademir Alfeu Federicci (conhecido como Dema), cuja casa foi invadida. Em luta corporal com um pistoleiro, Dema foi atingido por um tiro na boca e teve morte imediata na frente de seus familiares.
Dema vinha atuando na resistência às barragens no Xingu, junto com comunidades, sindicatos, cooperativas e associações da Transamazônica, esclarecendo os fatos ligados à construção de hidrelétricas na região. Há um mês, mudou-se para Altamira, com a mulher e quatro filhos, para morar numa casa no bairro Brasília, onde foi assassinado.
O corpo foi sepultado neste domingo, 26 de agosto, no km 80, em Medicilândia, na Transamazônica. Comitivas de trabalhadores rurais e representantes de movimentos sociais de toda a região e da capital compareceram e se solidarizaram com a família. Uma carreata pela estrada empoeirada simbolizou a luta desse companheiro, à frente de muitos movimentos, por melhores condições de vida. Durante o curto período de sua existência, de apenas 36 anos, teve a oportunidade de lutar, juntamente com seus companheiros, por uma vida melhor e por um desenvolvimento sustentável também para os trabalhadores rurais. Mais de três mil pessoas estiveram presentes ao sepultamento dele, num ato de protesto, quando pediram justiça e também que as investigações sejam realizadas.
A atuação de Dema vem desde o final dos anos 70, no movimento de base da Igreja Católica. Depois ingressou no movimento sindical rural, no qual se destacou como uma das principais lideranças da Transamazônica. Foi Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Medicilândia e atualmente era coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura - Fetagri.
Foi vereador pelo Partido dos Trabalhadores de 1996 a 2000, sendo um dos principais formuladores das propostas de desenvolvimento definidas pelos movimentos sociais, construindo alternativas ao modelo de colonização implantado pelo Incra, na década de 70.
Recentemente, foi um dos responsáveis pelo SOS Xingu: um chamamento ao bom-senso na construção de barragens na Amazônia. Nesse documento, o movimento denunciava a maneira autoritária e precipitada como o Governo Federal, por meio da Eletronorte, vinha agindo na construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
Os movimentos sociais vêm denunciando desvios de recursos públicos, como os que estão sendo apurados em relação à antiga Sudam. O desmonte do esquema e o poder que esses grupos representam vêm provocando um clima de terror na população e impondo a lei do silêncio. Ao mesmo tempo, cresce a violência em Altamira e na região vizinha, principalmente após o anúncio da construção da barragem. É caótica a situação da segurança pública, e o Estado, completamente omisso, não tem tomado as providências cabíveis para dar segurança aos trabalhadores e às demais pessoas que se sentem ameaçadas.
O Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu não se conforma com o fato de ter perdido uma de suas lideranças mais brilhantes, com apenas 36 anos, em virtude da violência que ali se alastra, a exemplo do que ocorreu em outras regiões onde o progresso foi prometido, mas predominaram a miséria, os assassinatos de trabalhadores rurais e a impunidade.
O movimento dos trabalhadores exige que sejam feitas as devidas investigações referentes a esse assassinato. Exige também que todas as providências sejam tomadas e não seja aceita a tese do latrocínio, porque tem certeza de que houve um crime político de perseguição a um líder dos trabalhadores rurais que estava à frente de um movimento contra a construção das barragens sem nenhum critério e sem nenhum respeito às comunidades. Ao mesmo tempo, denúncias eram feitas sobre o desvio de verbas públicas.
No dia 31 deste haverá um grande ato público, quando será celebrada a missa de sétimo dia em memória de Dema. As comunidades e os movimentos sociais esperam contar com a participação de Parlamentares, de representantes de organizações sindicais. Esperam também que as autoridades do Estado do Pará revejam a sua posição de, de antemão, caracterizar o assassinato bárbaro de Dema como mais um latrocínio. No meu entendimento e, repito, no entendimento do movimento social isso não se justifica.
Lamentavelmente, ano após ano denunciamos o assassinato de líderes rurais, mortes anunciadas. Mesmo assim não são tomadas providências para ao menos tentar impedir que os assassinos levem a cabo os seus intentos criminosos e eliminem vidas pelo simples fato de que essas pessoas têm-se constituído em uma pedra no caminho da corrupção, da falta de democracia e do respeito para com as populações menos favorecidas do nosso Estado.
Registro, ainda, outro fato lamentável: na quinta-feira, foi assassinada uma liderança indígena dos Xucuru, de 53 anos, vítima de uma emboscada quando ia para uma reunião na Funai discutir o processo de retomada das terras dos índios no Município de Pesqueira, cidade do agreste. Em 1999, Francisco de Assis Araújo, o Chicão, foi morto na mesma região.
“Foi mais uma tragédia anunciada, mais uma página de sangue e vergonha para o nosso País”, afirmou o Deputado Fernando Ferro, do PT de Pernambuco. S. Exª disse que há uma lista de marcados para morrer e que a Comissão de Direitos Humanos já havia alertado o Governo Federal sobre a tensão em Pesqueira.
O direito dos índios Xucurus às terras foi reconhecido pela justiça, mas pressões dos latifundiários, segundo Ferro, têm impedido a retomada dos cerca de 27 mil hectares. O Deputado adiantou que denunciará o crime à Comissão de Direitos Humanos e aos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos.
Sr. Presidente, trata-se de duas notícias lamentáveis de assassinato de pessoas por estarem à frente de lutas por direitos seus e de seus companheiros. No caso de Dema, com certeza, foi uma grande perda para o movimento social dos trabalhadores da Transamazônica e para a organização dos trabalhadores. Mais uma vez, uma vida foi ceifada numa região em que a tensão só aumenta e as providências são tímidas ou não funcionam, desviando a atenção para que os verdadeiros mandantes dos crimes não sejam punidos e para que os executores tenham penas, muitas vezes, insignificantes diante dos crimes praticados, prevalecendo a impunidade.
Sr. Presidente, da mesma forma que Corumbiara, Eldorado dos Carajás, Chico Mendes e Ilson Pinheiro, tantas outras lideranças perderam vidas em nome de uma causa, uma luta que sabemos ser justa do ponto de vista social e dos direitos humanos. Lamentavelmente, os que patrocinam esse tipo de assassinato continuam impunes e, o pior, ainda contam, muitas vezes, com a estrutura da justiça, que é lenta, da polícia, que não faz as investigações, e das autoridades, que são coniventes e não buscam dar uma resposta a esse tipo de abuso.
Desde os meus 17 anos, vejo pessoas serem assassinadas e o outro lado -- como dizia a minha avó -- rindo e esgravatando os dentes às custas da miséria e desgraça das famílias que perdem seus entes queridos. As autoridades e muitos dos representantes desses interesses nefastos, no Congresso Nacional, ainda têm a coragem de fazer leis e mais leis para beneficiar os que são, podem, têm e gozam dos mecanismos da impunidade. De sorte que, com tristeza e indignação, anuncio aqui o covarde assassinato tanto do índio quanto do nosso companheiro Dema, assassinado por representar uma causa justa. A todo momento vemos isso acontecer em nosso País e não temos a devida providência, não temos a resposta à altura por parte das autoridades. Pelo contrário, o que temos é a pressa em dar uma resposta - que não convence - de que foi um latrocínio, de que aconteceu um crime em função de um roubo, quando na verdade sabemos que o que aconteceu, não tenho dúvida, foi um crime político, premeditado, em que pessoas se articularam, planejaram, pagaram jagunços e executaram mais um inocente em nosso País, que tem o seu sangue derramado em nome de uma causa e de uma luta que não pode ter outro nome a não ser justiça.
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