Discurso durante a 101ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários ao editorial do jornal Folha de S.Paulo sobre a violência contra a mulher.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. FEMINISMO.:
  • Comentários ao editorial do jornal Folha de S.Paulo sobre a violência contra a mulher.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/2001 - Página 18559
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. FEMINISMO.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, EDITORIAL, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUMENTO, DENUNCIA, DELEGACIA DE POLICIA, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, ANALISE, DIFICULDADE, DESIGNAÇÃO, MOTIVO.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, PESQUISA, AUTORIA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), DIFICULDADE, CARACTERIZAÇÃO, VITIMA, GRAVIDADE, EFEITO, VIOLENCIA, SAUDE, MULHER.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as delegacias de polícia registraram significativo aumento de crimes contra a mulher. Conforme divulgou recente editorial da Folha de S. Paulo, a média mensal de 43,7% de agressões, de 1999 a esta parte, indicou, também, que as mulheres, a cada dia, “estão perdendo o medo de apresentar queixas contra seus maridos ou companheiros”.

            Deve-se considerar, nesses casos, especificamente, que não são por inteiro confiáveis as informações recolhidas nos órgãos oficiais. Delegacias de polícia nem sempre registram as queixas das ofendidas, muitas vezes recusam a formalização do processo ou admitem a retirada da denúncia, a pedido da própria vítima. Quando chega ao Judiciário, há até mesmo o caso de se inocentar o agressor, por ter agido impulsionado por suposto desvio de conduta da vítima.

            Entre especialistas que procuram os motivos e indicar soluções, o problema da violência em nosso País apresenta-se como de acentuada complexidade. No entanto, alguns aceitam, comumente, que as mazelas sociais, como o estado de pobreza e mesmo a miséria, conseqüentes da distribuição de renda maculada pelo equívoco da desigualdade, sejam os fatores principais de seu desencadeamento; outros, que isso “não justifica simples e liminarmente a questão da violência”.

            Em trabalho apresentado à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o antropólogo Gilberto Velho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, defende essa última tese, pois a falta de “garantias mínimas de sobrevivência para a maior parte da população”, mantida ao largo de ter “os seus problemas de alimentação, habitação, terra, saúde e educação satisfeitos”, não explica o fato de a violência ser também praticada pelos componentes de outras superiores posições na hierarquia social.

            Muitas vezes oculta ou desconsiderada por grande parte da sociedade, a prática da violência contra a mulher, de qualquer nível social, de fato constitui problema que se agrava permanentemente. Pesquisa promovida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE confirma a assertiva, demonstrando que “mulheres com nível superior, casa própria e carro do ano” são, como as outras, vítimas de ameaça, espancamento, estupro e tortura.

            Nas delegacias de defesa da mulher, cerca de 90% das denúncias são formuladas por vítimas de classes baixas. 3,8% delas procuraram uma delegacia de polícia e 6,6% uma delegacia da mulher, enquanto 21,6% apenas contaram seus problemas a amigos ou parentes.

            Na classe média, a vítima faz comumente segredo da agressão, a fim de preservar sua condição material. Complementa a pesquisa que muitas procuram contornar o problema e manter o padrão de vida, temendo a perda do carro, do apartamento e do conforto.

            O levantamento constatou casos graves de espancamento em 286 mulheres, numa proporção de 9 para cada mil consultadas. “Outras formas de agressão, como atirar um objeto ou chutar”, foram citadas por 4.023 mulheres, ou 129 em cada mil, evidenciando que o casamento tem um padrão de violência muito acima do estimado.

            Por tudo isso, estudo efetuado pelo Ministério da Saúde, no ano passado, confirmou que a violência doméstica é uma expressiva causa de morte e de doença das mulheres brasileiras, de todas as classes sociais. Assim, cumpre às brasileiras dar publicidade à violência sofrida, como recomendam os movimentos organizados de grupos de direitos humanos, aliados a governos e universidades.

            Apesar dos compromissos internacionais assumidos pelo País e da expansão de delegacias da mulher, de casas de apoio e de abrigo para receber as vítimas da violência, a mobilização da sociedade, nesse terreno, ainda é insuficiente para a exata compreensão de que o problema é grave, generalizado e progressivo.

            Na América Latina, de 30% a 75% das mulheres sofrem abuso psicológico de seus parceiros, segundo estudo promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID. Entre 10% e 30%, sofrem violência física, tida como causa relevante de morte e de doenças.

            É importante notar, nesse ponto, que as agressões à mulher não se limitam às fraturas, hematomas e ferimentos. Repetidamente agredida, humilhada e desvalorizada, a vítima de violência tende a sofrer de ansiedade, hipertensão, depressão e insônia, males que podem levá-la ao consumo de drogas e ao suicídio.

            Os maus-tratos contra a mulher constituem, portanto, questão social de máxima relevância, ainda mais se for considerado o número das que silenciam sobre o drama que vivem. A propósito, o periódico referenciado considera que as estatísticas, nesse campo, são precárias, conduzindo à dificuldade de se “quantificar o tamanho do problema”.

            No entanto, pesquisa realizada, em sete países, pela Organização Mundial de Saúde - OMS, envolvendo mulheres entre 15 e 49 anos, em mais de dois mil domicílios, é conclusiva no sentido de “que uma de cada três moradoras do Município de São Paulo é vítima da violência”.

            Essas ocorrências, embora alcancem mulheres de todas as classes sociais, costumam ser mais graves nos lares mais pobres. A mulher de baixa renda, vítima de pancadas e de “suas conseqüências físicas e psicológicas”, priva-se da remuneração do dia de trabalho a que esteve ausente, de forma obrigatória.

            Daí avaliar a Folha de S.Paulo, em seu editorial de 10 de junho de 2001, que não são os cortes e hematomas “as únicas seqüelas físicas das surras”. Quando apanha com freqüência, a mulher passa a sofrer de “gastrite, insônia e mal-estar generalizado”, obrigando-se a repetidas consultas médicas e a suportar também as conseqüências de “menos dias de trabalho e mais despesas”.

            O editorial consigna, ainda, que “especialistas gostam de tratar a violência contra a mulher como uma doença”. Para eles, esse crime “teria características epidêmicas e seria contagioso”, propagando-se tão mais facilmente quanto mais preocupante o quadro de crise na economia.

            Quando o marido fica desempregado, julga-se com “mais razões e oportunidades de bater na mulher”. O filho desse casal, vendo o pai maltratar a mãe, tende a adotar, no futuro, esse tipo de comportamento condenável. O exemplo confirma que “o fenômeno da violência não é novo” e, infelizmente, parece ser “também incurável”.

            Não obstante, diante da impossibilidade de eliminar as pessoas violentas do mundo, não estão o poder público e a sociedade civil impedidos de criar mecanismos de defesa da mulher, protegendo-a e favorecendo o abandono do “inferno em que se encontra”.

            Para tanto, seria imprescindível “uma abordagem multidisciplinar” da questão e a ampla garantia de atendimento médico e jurídico, além de efetivo amparo social. Nesse rumo, a criação de delegacias da mulher produziu avanços importantes, assim como tem sido inestimável a contribuição de Organizações Não-Governamentais - ONGs, para a solução do problema.

            É imperativo, como se vê, intensificar a mobilização da sociedade, inclusive para discutir a legislação que não tem sido capaz de reduzir o cometimento de agressões, a fim de alterá-la e de impor rigorosamente o seu cumprimento, ao lado de conceder apoio mais concreto às entidades que cuidam da proteção das vítimas e também combatem, como nós, a banalização da violência contra a mulher.

            Por derradeiro, o comentado editorial da Folha enfatiza a necessidade de novos e urgentes avanços, direcionados à eliminação da prática, quase sempre impune, da violência contra a mulher. Isso porque, em pleno século XXI, já não se concebe a ocorrência de crimes dessa ordem, que causam a indignação de uma sociedade que se supõe civilizada, mas que vive ainda, nesse aspecto, na Idade da Pedra.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Obrigado.


            Modelo16/16/242:41



Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/2001 - Página 18559