Discurso durante a 109ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo à rejeição, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, da emenda apresentada pelo Senador Juvêncio da Fonseca à Proposta de Emenda à Constituição, de sua autoria, que inclui o trabalho escravo como motivo para desapropriação de terras para fins de reforma agrária.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Apelo à rejeição, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, da emenda apresentada pelo Senador Juvêncio da Fonseca à Proposta de Emenda à Constituição, de sua autoria, que inclui o trabalho escravo como motivo para desapropriação de terras para fins de reforma agrária.
Publicação
Publicação no DSF de 07/09/2001 - Página 21290
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, FAZENDEIRO, MANUTENÇÃO, TRABALHOS FORÇADOS.
  • COMENTARIO, GRUPO, FISCALIZAÇÃO, MINISTERIO DO TRABALHO (MTB), DENUNCIA, FRANCISCO NONATO ARAUJO, DEPUTADO ESTADUAL, ESTADO DO PIAUI (PI), MANUTENÇÃO, TRABALHOS FORÇADOS, LATIFUNDIO.
  • REGISTRO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, PUNIÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO, TERRAS, FAZENDEIRO, MANUTENÇÃO, TRABALHOS FORÇADOS.
  • CRITICA, JUVENCIO DA FONSECA, SENADOR, APRESENTAÇÃO, EMENDA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBJETIVO, EXCLUSÃO, PUNIÇÃO, MANUTENÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO, TERRAS, FAZENDEIRO, EXPLORAÇÃO, TRABALHADOR RURAL.
  • PEDIDO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, REJEIÇÃO, PROPOSTA, JUVENCIO FONSECA, SENADOR, MOTIVO, FACILITAÇÃO, MANUTENÇÃO, EXPLORAÇÃO, TRABALHADOR.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, OFICIO, RELATORIO, SITUAÇÃO, LATIFUNDIO, PROPRIEDADE, FRANCISCO NONATO, DEPUTADO ESTADUAL, ESTADO DO PIAUI (PI).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria muito que a tese defendida pelos Senadores Maguito Vilela e Francelino Pereira fosse verdadeira e que cada Partido se apresentasse à população brasileira com uma proposta de governo que pudesse por ela ser julgada. O Senador Maguito Vilela é um homem sério, bem intencionado, que luta para que o PMDB seja o Partido que foi no passado, no qual inclusive militei até os idos de 1987. Mas tanto o Senador Francelino Pereira, do PFL, quanto o Senador Maguito Vilela dificilmente serão vitoriosos no seus propósitos.

            O PFL está tentando negociar com o Governo para manter a Vice na chapa do candidato do Presidente Fernando Henrique Cardoso. O PMDB, sim, tem um grupo autêntico, um grupo que quer candidatura própria, que deseja apresentar o seu programa ao País e ganhar a eleição. Mas, infelizmente, na política brasileira, o Congresso Nacional nunca fez valer a sua força, a sua representatividade, e a maioria dos seus integrantes dobram-se aos favores do Executivo, porque muitos aqui precisam dos favores do Executivo para se manter politicamente.

            Não é o caso de V. Exª, Senador Maguito Vilela, mas, infelizmente, V. Exª está vivendo um drama sério - assim como os Senadores Roberto Requião e Pedro Simon, entre tantos outros, e o próprio Governador de Minas, Itamar Franco -, que é a cooptação, a compra do Presidente Fernando Henrique pelas Lideranças do seu Partido. Tudo faz crer que eles ganharão essa eleição de V. Exª. É muito ruim para o País que ainda se faça política de maneira tão atrasada quanto faz o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

            Mas, Sr. Presidente, o que me traz à tribuna na tarde de hoje é uma emenda constitucional de minha autoria, aprovada por unanimidade na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e que esteve em discussão no plenário desta Casa durante cinco dias. Trata-se de uma emenda que permite ao Governo confiscar propriedades rurais, terras, onde se comprove a prática de trabalho escravo. É incrível que, em pleno século XXI, isso ainda exista num País que é a oitava potência do mundo, o Brasil. Mas existe.

            Acabo de receber, com data de hoje, uma denúncia da Comissão Pastoral da Terra - CPT, de Tucumã, no sul do Pará, na qual há um amplo relato, contando que, nos dias 20 e 21 de agosto de 2001, portanto, há 15 dias, o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho, em ação conjunta com a Polícia Federal, realizou uma fiscalização numa fazenda localizada no Município de São Félix do Xingu, cerca de duzentos quilômetros da sede do Município, onde foram resgatados sessenta trabalhadores que eram mantidos em regime de trabalho escravo. Esses trabalhadores, entre os quais quatro menores de idade, impedidos de sair da fazenda, eram submetidos a condições subumanas e degradantes, muitos deles doentes e sem nenhuma assistência.

            Por incrível que pareça, Sr. Presidente, essa fazenda pertence ao Deputado Estadual Francisco Nonato de Araújo, do Partido Popular Socialista, um Partido honrado, ao qual pertencem os Senadores Roberto Freire e Paulo Hartung. Esse Deputado Estadual do PPS do Piauí, conhecido como Chico Filho - por mais incrível que pareça -, é Secretário de Agricultura do Estado do Piauí. Trata-se de um militante do PPS, praticando trabalho escravo numa de suas fazendas no Município de São Félix do Xingu, no Estado do Pará.

            Nessa operação de fiscalização, após a liberação dos sessenta trabalhadores, os fiscais do Grupo Móvel regularizaram a situação trabalhista, efetuaram os cálculos de verbas rescisórias de cada um dos trabalhadores e, em seguida, acionaram o Deputado para o acerto de contas.

            Há uma discriminação completa do caso. O Deputado enganou a todos, não pagou o que deveria pagar e se valeu da sua imunidade para proteger-se. Ainda disse que ele próprio, seu pai e seus irmãos têm propriedades rurais em cerca de dez Municípios da região dos cerrados, além de fazendas no Pará, na Bahia, em Alagoas, no Ceará e em Sergipe. É incrível que um cidadão desse, com tantas propriedades, Secretário de Agricultura do Estado do Piauí, Deputado do PPS, pratique trabalho escravo numa fazenda sua no sul do Pará, no nosso Estado.

            Quem assina o documento é o Frei Jean Raguènés, Coordenador da CPT de Tucumã. No documento, consta o timbre da Comissão Pastoral da Terra.

            Parece incrível. Quando falamos em trabalho escravo, dá a impressão de que se trata de história da carochinha ou de algo que se inventa. Mas esse trabalho escravo existe. E trago uma prova concreta da sua existência.

            Minha emenda passou cinco dias na Ordem do Dia, seria votada ontem e sua aprovação prometia ser tranqüila. Aparentemente, não havia nenhum problema, pois todos os Líderes dos vários partidos com ela estavam de acordo, porque a minha emenda apenas ampliava a possibilidade que o Governo hoje tem de confiscar a terra onde seja plantada maconha, papoula, coca ou qualquer planta psicotrópica. A minha emenda amplia tal poder de confisco para onde seja praticado trabalho escravo.

            Entretanto, ontem, no momento da votação, fui surpreendido com uma emenda encabeçada pelo Senador Juvêncio da Fonseca, que propôs o seguinte acréscimo ao § 2º da minha emenda:

Nos casos de arrendamento, os proprietários rurais ficam excluídos das sanções previstas neste artigo, relacionadas com o trabalho escravo explorado pelo arrendatário.

            Indaguei ao Senador Juvêncio da Fonseca por que S. Exª havia apresentado essa emenda, quando parecia haver um consenso de todo o Senado no sentido de aprovar a minha emenda na forma original. S. Exª me respondeu que havia sido procurado por inúmeros proprietários de terra do seu Estado, Mato Grosso do Sul. Disse S. Exª que eles o procuraram porque muitos arrendam suas terras e, havendo a prática do trabalho escravo, não seriam eles que deveriam pagar.

            Entendo isso como uma demonstração muito clara de que muitos proprietários rurais hoje defendem a permanência do trabalho escravo, aproveitando-se da falta de fiscalização do Governo, da falta de presença do Estado para manter essa situação, e usaram esse artifício para protelar a votação da minha emenda.

            Lamento que o Senador Juvêncio da Fonseca não esteja presente. V. Exª conhece propriedades no interior desse Brasil, Sr. Presidente, e sabe que é muito difícil para quem arrenda a terra praticar benfeitorias, desmatamento, implantação de pastos e outros serviços tradicionalmente feitos com mão-de-obra escrava. Isso não existe. Isso é uma ficção. Não se vai faz benfeitoria em terra alheia. Quem pratica o trabalho escravo não é o pequeno proprietário, é o grande proprietário. Não é um arrendatário que vai fazer benfeitorias e trabalhos, implantar ou recuperar pasto, usando mão-de-obra escrava numa terra que não é sua. Isso não existe.

            Portanto, entendo que essa emenda do Senador Juvêncio da Fonseca foi um ato protelatório de algo que é reclamado pelo povo brasileiro, que é o fim do trabalho escravo, ferindo no bolso aqueles que o praticam, ou seja, permitindo ao Governo a possibilidade de confiscar a terra sem nenhuma indenização àquele que pratica o trabalho escravo.

            O que é o trabalho escravo? O trabalho escravo ocorre quando o dono da fazenda empreita com o chamado “gato” um determinado serviço a preço vil; o “gato” chama pessoas pobres, miseráveis, desempregadas de municípios do Nordeste ou até de municípios paraenses, faz uma série de promessas a esses trabalhadores, transporta-os até a fazenda, onde essas pessoas já chegam endividadas pela viagem, pela alimentação, pela compra da cantina.

            Essa é uma tradição que existe no Brasil há mais de cinqüenta anos. Desde a época da borracha, era assim que funcionava o trabalho escravo. O cidadão ia coletar o látex da borracha e, quando chegava lá, estava devendo a passagem, e a comida era um preço absurdo. Ele não podia nunca se libertar daquela situação e, se tentasse, era assassinado.

            Posso trazer testemunhas de inúmeros casos, ocorridos inclusive no sul do Pará, em fazendas de proprietários da alta sociedade daquele Estado. Há cerca de dez anos - testemunhei não o fato em si, mas recebi um dos trabalhadores que sobreviveu -, três trabalhadores fugiram da fazenda e foram cercados pelos empreiteiros e assassinados, tendo seus corpos colocados dentro de uma caminhonete e desovados, como se diz, à beira da estrada. Mas um desses três trabalhadores, um jovem de dezenove anos, não morreu, mas fingiu-se de morto. Ele levou um tiro de cartucheira na face, ficou com a face completamente deformada, mas sobreviveu.

            Nós, dos movimentos sociais do sul do Pará, levamos esse trabalhador até Belém, convocamos a imprensa para fazer uma denúncia, e apenas um jornal publicou o caso. Os maiores omitiram-no porque o dono dessa fazenda era um cidadão muito poderoso, muito rico, conhecido como Bené Mutran.

            Mas isso ocorreu há cerca de dez anos, talvez doze, não me lembro exatamente. O jovem trabalhador baleado no rosto morava em Rio Maria. Visitei a sua casa, nós o levamos a Belém, apresentamos denúncias à Polícia, ao Ministério do Trabalho, a todos os segmentos, mas infelizmente nada foi resolvido. Acabou-se o trabalho escravo naquela localidade, mas não houve punição aos proprietários.

            Portanto, essa minha emenda que propõe o confisco da propriedade é extremamente positiva. Quando o Senador Juvêncio da Fonseca apresenta uma emenda que não prevê a punição do trabalho escravo, parece uma pressão dos grandes proprietários do Mato Grosso do Sul, que querem continuar a prática do trabalho escravo, e não uma preocupação deles de terem arrendado uma propriedade.

            Quem planta soja não planta com trabalho escravo. Quem mexe com agricultura dificilmente se utiliza do trabalho escravo. Normalmente, o trabalho escravo ocorre nas grandes fazendas ligadas à pecuária. Pelo menos todos os casos que temos acompanhado até agora estão vinculados à pecuária e não à agricultura.

            Portanto, quem faz pecuária arrenda pasto pronto. V. Exª, Sr. Presidente, é um homem que com certeza concordará comigo, porque sabe disso. Quem aluga uma fazenda, aluga para colocar um gado e paga pela cabeça de gado; não aluga jamais para aprontar uma fazenda dos outros. Nenhum arrendatário quer investir.

            Portanto, essa emenda do Senador Juvêncio da Fonseca é, no meu entendimento, um desvio, uma maneira de protelar a votação da minha emenda, que tinha praticamente ganho de causa nesta Casa, porque a maioria dos Senadores votariam favoravelmente. O Relator dessa minha emenda constitucional é o Senador Romeu Tuma. Espero que S. Exª receba essa emenda do Senador Juvêncio da Fonseca e dê seu parecer sobre ela, rejeitando-a.

            Mesmo que o proprietário arrende uma fazenda, ele deve ter a responsabilidade de saber a quem ele está arrendando; e se o arrendatário se utiliza do trabalho escravo, o dono da terra deve acompanhar esse procedimento, pois também é responsável. Se essa nova emenda fosse aprovada, o arrendamento poderia, mais tarde, tornar-se uma desculpa. Alguém que fosse pego praticando trabalho escravo apresentaria um contrato no nome de uma pessoa qualquer e estaria livre da sanção de confisco que queremos estabelecer na Constituição brasileira e que é desejo de todas as entidades ligadas às lutas sociais da Amazônia e do Brasil.

            O trabalho escravo precisa acabar no nosso País. Não é possível, no século XXI, as pessoas serem tratadas como animais, trabalhando sob pressão de armas. Parece incrível, mas isso existe no nosso País.

            Embora o Senador Juvêncio da Fonseca tenha outras intenções e talvez esteja atendendo à pressão de proprietários da sua região, esses proprietários não foram francos com o Senador ao proporem que S. Exª elaborasse essa emenda.

            Quem faz uso do trabalho escravo deve ser punido; e se um proprietário arrenda sua fazenda para alguém tem de tomar o cuidado para que o arrendatário cumpra com suas responsabilidades trabalhistas e não submeta trabalhadores a essa condição absurda.

            Discordo da emenda do Senador Juvêncio da Fonseca. Espero que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania se manifeste muito brevemente sobre ela, rejeitando-a para que a emenda que permite ao Governo confiscar a propriedade possa ser aprovada e para que os proprietários possam ser punidos no seu bolso, porque a Justiça dificilmente coloca qualquer um deles na cadeia.

            Peço a V. Exª que insira nos Anais desta Casa o ofício que recebi, datado de hoje, da Comissão Pastoral da Terra, que conta toda a história desse fato ocorrido na fazenda de São Félix do Xingu, de propriedade do Sr. Deputado Estadual Francisco Nonato de Araújo, Secretário de Agricultura do Piauí e integrante do PPS, solicitando inclusive à Direção desse Partido que avalie a atitude de um elemento como esse e tome as providências. Entre os integrantes do PPS não pode haver um Deputado que pratique o trabalho escravo nas suas propriedades. Esse ofício é assinado pelo Frei Jean P. Raguènés.

            Solicito seja transcrito nos Anais do Senado o ofício da Comissão Pastoral da Terra e torço para que a minha emenda seja aprovada o mais breve possível pelo Congresso Nacional e para que possamos punir severamente aqueles que praticam a indignidade de submeter homens à condição de animal.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ADEMIR ANDRADE EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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            Modelo15/16/248:00



Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/09/2001 - Página 21290