Discurso durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre os recentes estudos da ONU que apontam a cidade de São Paulo como a quarta mais populosa do mundo. Defesa da descentralização dos grandes centros urbanos.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GOVERNO MUNICIPAL.:
  • Reflexão sobre os recentes estudos da ONU que apontam a cidade de São Paulo como a quarta mais populosa do mundo. Defesa da descentralização dos grandes centros urbanos.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2001 - Página 21706
Assunto
Outros > ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GOVERNO MUNICIPAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), SUPERIORIDADE, DENSIDADE, CENSO DEMOGRAFICO, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), APREENSÃO, INFERIORIDADE, QUALIDADE DE VIDA, MAIORIA, POPULAÇÃO, SITUAÇÃO, MISERIA.
  • ANALISE, IDEOLOGIA, CULTURA, CONSUMO, PERDA, VALOR, ETICA, CIDADANIA, POPULAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, DROGA, CRIME, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • ELOGIO, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SUPERIORIDADE, ATIVIDADE ECONOMICA, ATIVIDADE CULTURAL, TURISMO, EXPECTATIVA, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ATENDIMENTO, CRESCIMENTO, POPULAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estudos recentes da ONU apontam a cidade de São Paulo como a quarta mais populosa do mundo, perdendo apenas para Tóquio, Cidade do México e Bombaim. Evidentemente, tal declaração, em si, não implicaria graves problemas, se não fosse pelas condições de miserabilidade em que a maior parte da população paulistana se encontra atualmente. É dentro dessa perspectiva social que pretendo desenvolver, agora, algumas considerações sobre São Paulo, suas contradições e seu peso simbólico e real se confundindo com a imagem negativa de Brasil.

            O documento divulgado pela ONU tem por objetivo estabelecer uma escala mais precisa sobre o crescimento populacional das grandes metrópoles do mundo. Segundo a ONU, Tóquio lidera a disputa, concentrando uma população de quase 27 milhões, ao passo que São Paulo reúne em seu território quase 18 milhões de habitantes. Acontece que, enquanto a capital japonesa ostenta um padrão de vida invejável para os parâmetros do Ocidente, a capital paulista sequer dispõe de uma infra-estrutura social mínima, capaz de oferecer teto, trabalho e educação a grande parte de seus moradores.

            Tal discrepância não se explica com argumentos de ordem apenas econômica e política, mas também cultural e ideológica. Do lado dos fatores econômicos e políticos, cumpre reproduzir, aqui, outro dado extraído do relatório da ONU, pelo qual se conclui que quase metade da população do planeta reside, hoje, em cidades, conectada a uma rede econômica e cultural global em franca expansão. Todavia, o mesmo documento adverte que tal máquina de prosperidade é a mesma que produz o seguinte estarrecedor fenômeno: mais de um bilhão de pessoas vivem em favelas e habitações precárias.

            Do lado da cultura e da ideologia, não se pode ignorar a influência que os meios de comunicação exercem, atualmente, sobre modelos de consumo ditos populares, absurdamente incompatíveis com o perfil médio da população das cidades periféricas do Ocidente. Nessa incompatibilidade estrutural entre o objeto de consumo e seu potencial consumidor, o imaginário das populações marginais do Terceiro Mundo termina por ser tão violentamente afetado, que a própria configuração da cultura local se vê tragicamente atingida, enfraquecida, desvanecida de tudo que lhe era autêntico e verdadeiramente valorativo. 

            Nessa lógica, São Paulo parece acolher o melhor e o pior que a globalização pode oferecer às sociedades modernas. Maior metrópole do Hemisfério Sul e maior centro industrial e financeiro do País, abriga simultaneamente as mais intoleráveis mazelas da vida social moderna. Pobreza e riqueza, cultura e ignorância, natureza e devastação ambiental, consumo e mendicância, arte e violência, injustiça e bondade, todos esses pares antitéticos da moralidade social parecem conviver sob um teto paulistano indiscutivelmente nada confortável ou harmônico. 

            Aliás, curiosamente, estudos da própria Fundação Getúlio Vargas indicam que, dentro das fronteiras nacionais, o Estado de São Paulo ocupa uma posição relativamente privilegiada no que concerne ao ranking federativo da pobreza. Em melhores condições, o Estado paulista absorve um contingente de 10,13% de população pobre em suas fileiras demográficas. A capital, ao contrário, é responsável por um recrudescimento significativo da pobreza, ao lado de Curitiba e Rio de Janeiro. No extremo oposto, Porto Alegre e Salvador se consagram como as capitais campeãs no projeto de redução do número de indigentes.

            E a tragédia não pára por aí. No âmbito das drogas, cuja disseminação nas grandes cidades guarda relação estreita com índice de pobreza, São Paulo divide com o Rio de Janeiro recordes de consumo, apreensão e tráfico de entorpecentes. Todos os dias, o mercado brasileiro, sobretudo o paulistano e o carioca, é robustamente abastecido com maconha do Paraguai e com cocaína da Colômbia e da Bolívia.

            Contra essa triste realidade, as autoridades paulistanas se viram recentemente pressionadas a recorrer à criação de uma escola para dependentes químicos, ao estilo preconizado pelo Conselho Administrativo de Genebra. Em associação com a entidade suíça, a Prefeitura de São Paulo pretende inaugurar o primeiro instituto profissionalizante destinado à recuperação de dependentes de drogas, visando encaminhá-los à área de hotelaria.

            Não por acaso, nos últimos cinco anos, a Grande São Paulo registrou crescimento de quase 8% no número de mortes violentas, ao passo que, nas 39 regiões administrativas do interior paulista, o aumento foi de quase 19%. Portanto, o crime na capital não aumentou tanto, em comparação com as taxas verificadas nas outras grandes cidades do interior. Mesmo assim, as estatísticas comprovam que, em São Paulo, 444 pessoas morrem, a cada mês, vítimas da violência urbana. Para o Núcleo de Estudos da Violência da USP, é por causa do ambiente de exclusão, de miséria, de abandono, minando, aos poucos, a capacidade de o indivíduo sonhar, de querer fazer as coisas, que a naturalização da violência vai conquistando espaço nas periferias paulistanas.

            Por sua vez, a poluição atmosférica se enquadra dentro dos problemas crônicos da cidade. Estudos já identificaram que 70% da poluição paulistana é produzida por carros, ônibus e caminhões, cuja circulação nas principais vias da cidade já é rigorosamente controlada. Todavia, para enfrentar tão grave situação, a Prefeitura anunciou recentemente o lançamento de um Plano de Inspeção Veicular (PIV), que prevê uma fiscalização mais austera sobre a emissão de poluentes dos cerca de cinco milhões de veículos da capital. Devendo funcionar a partir de fevereiro de 2002, o PIV ganha contornos qualitativos bem definidos, dentro de um conjunto de iniciativas transformacionais mais amplo, pelo qual o poder público tenta resgatar sua função de principal interessado na solução dos problemas da cidade.

            Em conexão com os transtornos do trânsito, a frota paulistana de helicóptero já é, ironicamente, catalogada como a segunda maior do mundo, contabilizando nada menos que 843 aeronaves. A bem da verdade, de acordo com os dados do Departamento de Aviação Civil (DAC), a frota brasileira de helicópteros quase dobrou nos últimos cinco anos, sinalizando uma demanda mais abrangente do produto. Ainda assim, os produtores explicam que São Paulo reúne as características ideais para a expansão desse tipo de transporte: a aliança das enormes distâncias entre os centros de negócios com o trânsito caótico.

            De qualquer modo, outra vantagem sarcasticamente apontada pela revista América Economia como bastante produtiva nesse caldeirão paulistano de infortúnios consiste na capacidade extraordinária de que São Paulo dispõe para fazer e fechar negócios. Apesar do trânsito difícil, que também interfere como fator que depõe contra os bons e ágeis fechamentos de negócio, a capital paulistana vence, segundo a mesma revista, cidades do porte de Buenos Aires e Santiago na América Latina. Isso é, independentemente das precárias condições infra-estruturais da cidade oferecidas a sua população mais carente, São Paulo funciona em excelentes condições operacionais para atividades e assuntos que bem interessam sua classe dirigente. Talvez aí se encontre a característica mais marcante e desconcertantemente paradoxal da capital paulista.

            Agora, diante do exposto, como não comentar a estrutura de arrecadação de recursos do erário paulistano? Pois bem, no campo da organização dos tributos municipais, o quadro ganha tintas menos fortes e dramáticas. Pois, se compararmos a carga tributária imposta pela Prefeitura paulistana ao que é cobrado em outras megacidades, veremos que São Paulo é uma cidade que pouco tributa. Enquanto Tóquio e Nova Iorque arrecadam 5% do PIB municipal em impostos, a capital dos bandeirantes arrecada apenas 2,5%. Técnicos, porém, avisam que isso não pode ser traduzido como uma baixa quantidade de impostos paga pelos paulistanos. Na verdade, o Estado e a União são, no Brasil, os grandes abocanhadores de impostos pagos pelos contribuintes.

            Problemas à parte, com as devidas ressalvas, São Paulo não pode ser, logicamente, reduzida à pobreza e ao caos social. Vale lembrar que lá se concentra um dos mais agitados eixos culturais da América Latina, reunindo grupo seleto de artistas e intelectuais de estirpe absolutamente notável e brilhante. Mais que isso, a cidade da garoa é campeã em número de peças e filmes em cartaz, em seus incontáveis teatros e cinemas. Isso para não levar em consideração a quantidade e qualidade de bares e restaurantes, em um grau de diversidade para nenhum turista apontar ausências e defeitos.

            Cosmopolita, por excelência, e graças a uma formidável combinação de oportunidades de negócios, compras e lazer sofisticado, São Paulo recebe cerca de 10 milhões de visitantes por ano, entre brasileiros e estrangeiros, seduzidos em grande medida pelos mais de 40 mil eventos que realiza, entre feiras, congressos, shows etc.

            Concluindo, para 2015, projeta-se uma população em São Paulo na faixa dos 20 milhões de habitantes. Para fazer face ao desafio de acomodar tanta gente em seu território, provida de condições mínimas de sobrevivência e de dignidade humana, São Paulo e seus políticos terão que drasticamente converter as causas sociais em prioridade máxima nos próximos anos. Isso, evidentemente, implicaria reduzir as distâncias e as discrepâncias sociais, de sorte a proporcionar um sentido de igualdade e de justiça a todos os paulistanos. Com isso, São Paulo honraria de vez a condição de quarta cidade mais populosa do mundo, sem carregar o triste ônus de ser uma das mais cruéis e miseráveis do planeta.

            Descentralizar é preciso!

            O Brasil precisa deixar de ser só Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Precisa crescer de maneira mais igual.

            Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


            Modelo15/17/2410:30



Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2001 - Página 21706