Discurso durante a 100ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários à reportagem do jornal Folha de S.Paulo, de 19 do corrente, sobre a redução das ações governamentais em áreas estratégicas, como saneamento, segurança pública, habitação, rodovias e reforma agrária.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários à reportagem do jornal Folha de S.Paulo, de 19 do corrente, sobre a redução das ações governamentais em áreas estratégicas, como saneamento, segurança pública, habitação, rodovias e reforma agrária.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2001 - Página 18372
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, PARALISAÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, POLITICA SOCIAL.
  • DENUNCIA, CONTRADIÇÃO, ACORDO, GOVERNO BRASILEIRO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PROJETO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • CRITICA, GOVERNO, TENTATIVA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, PROPAGANDA, LANÇAMENTO, PROGRAMA, NATUREZA SOCIAL, AUSENCIA, IMPLEMENTAÇÃO.
  • EXPECTATIVA, DEBATE, PARTIDO POLITICO, AUTORIDADE, PROJETO, COMBATE, FOME, AUTORIA, ENTIDADE, DEFESA, CIDADANIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal Folha de S. Paulo, na edição do dia 19 de agosto de 2000, publicou informações obtidas em relatórios elaborados pelo Ministério do Planejamento que indicam que o Governo praticamente parou de atuar em áreas estratégicas como as de saneamento básico, segurança pública, habitação, obras em rodovias e reforma agrária. A matéria faz a avaliação exatamente dos cinqüenta programas prioritários - ou estratégicos - do Governo Federal, considerados de execução necessária, mas que, infelizmente, têm baixa efetivação - em alguns deles nada foi realizado. Assim, os programas que o Governo considera importantes para as ações de combate à pobreza e de diminuição da exclusão social mais parecem peças literárias do que programas que têm o objetivo de atingir as metas propostas.

            No decorrer dos anos de governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, também se tem observado incompatibilidade entre as metas sociais anunciadas pelo Governo e as que são estabelecidas - ou exigidas - pelo FMI. O Governo, ao mesmo tempo em que anuncia algumas metas sociais, é obrigado a cumprir as metas estabelecidas pelo FMI, que são contrárias às metas sociais. Em vez de priorizar aquilo que é importante para o combate à pobreza, para a diminuição da exclusão social, é claro que a postura do Governo tem sido sempre a de atender as metas estabelecidas pelo FMI. Historicamente, temos observado essa postura no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

            Em 1999 - só para citarmos alguns exemplos -, logo após ter o Governo fechado o acordo de US$41 bilhões com o FMI, foi apresentada uma nova proposta orçamentária prevendo um corte total de 8,7 bilhões nas despesas. O Governo “passou a tesoura” no Orçamento, atingindo duramente as áreas social e de infra-estrutura (que poderia melhorar as condições de vida dos brasileiros e, ainda, gerar empregos).

            Os Ministérios mais prejudicados com o corte foram o do Planejamento, com uma redução de 54,4%; o do Meio Ambiente, com 47%; o da Reforma Agrária, com 47%; o das Comunicações, com 45%; e o dos Transportes, com 42%.

            Os programas sociais, principalmente aqueles destinados a combater a miséria, foram duramente atingidos, ao contrário do que prega o bom senso. Tais programas deveriam ser poupados, já que vivemos uma situação dramática de pobreza. Apesar da divergência entre os dados apresentados por institutos de pesquisa como Ipea, Fundação Getúlio Vargas, IBGE e outros, as estatísticas não deixam de ser alarmantes. Os últimos dados apresentados pela Fundação Getúlio Vargas mostram-nos uma linha de pobreza abaixo da qual 50 milhões de brasileiros vivem com menos de um dólar por dia. Portanto, esses programas jamais poderiam ser cortados, já que precisamos fazer frente a essa situação de completo abandono em que se encontram as populações desprovidas de condições de sobrevivência.

            Neste mês de agosto de 2001, novo corte foi feito, para adequação ao acordo feito com o FMI. A liberação, pela imprensa, de parte dos relatórios dos gerentes dos 50 “programas prioritários” - e os coloco entre aspas porque, na verdade, não há qualquer prioridade na “Agenda Positiva” do Governo - demonstra que, de janeiro a julho de 2001, 28 deles gastaram menos de 10% da verba prevista no Orçamento; apesar de já termos passado da metade do ano, o Governo não conseguiu executar 50% de qualquer programa da chamada Agenda Positiva.

            O Governo, ao contrário do que divulga, não tem a mínima consideração com os programas que afirma serem “prioritários”, a maior parte dos quais de cunho social ou de infra-estrutura.

            Quem não se lembra, nesta Casa, da balela que foi a chamada “Rede de Proteção Social”, que idealmente seria beneficiada por um empréstimo do BID, em 1999? Uma leitura atenta do contrato demonstrou que o empréstimo era para pagar os juros da dívida externa. Em contrapartida, o Governo brasileiro se “comprometeria” a não fazer qualquer tipo de corte nos programas da tal da “Rede de Proteção Social”, compromisso esse que seria moral, até como uma forma de evitar a escandalosa situação de se tirar dinheiro de um país com dificuldades na área social para pagamento dos juros da dívida externa. Tal compromisso não foi cumprido.

            Em março de 2001, a Presidência da República apresentou à Nação outra peça literária: uma “Agenda Positiva” pela qual deveria pautar a ação de seu Governo nos últimos 22 meses de seu mandato.

            Foi anunciado um conjunto de metas com ênfase na área social que previa investimentos de R$67,2 bilhões nos programas de combate à pobreza. Destes, R$25,1 bilhões dos orçamentos fiscal e de seguridade social e R$42,1 bilhões de fontes públicas e privadas.

            O Governo garantiu, por exemplo, no Orçamento, dinheiro para o início das obras de transposição do rio São Francisco, para a construção de açudes, para centenas de obras nos setores de transporte, energia e irrigação e no setor energético.

            Na ocasião, com o objetivo de preservar ações estratégicas do corte de despesas, foram destacados 50 programas entre os mais de 300 que compõem o Orçamento da União. Os gerentes desses programas passaram a ser obrigados a enviar informações bimestrais sobre as execuções física e financeira de suas ações.

            Sr. Presidente, é interessante observar - já tenho aqui registrado - que, em determinados momentos, quando sofre certa pressão da sociedade, o Governo adota a postura de apresentar a ela programas ou ações mais com o objetivo de aplacar as cobranças que lhe são feitas - por intermédio de instituições que trabalham diretamente com o setor, como as ONGs e a CNBB, no caso da questão social. Ele apresenta essas ações muito mais como peças literárias, para fazer que as pessoas diminuam o seu ímpeto de cobrança. Após conseguir esse efeito, não temos o equivalente, em empenho, para a realização daquilo que foi apresentado à sociedade como uma saída ou um remédio a ser aplicado para uma situação reconhecida como prejudicial à sociedade.

            O Governo deu prioridade a 50 programas, dentre os mais de 300 que compõem o Orçamento. Estabeleceu inclusive a obrigatoriedade de que os gerentes dessas áreas fizessem uma espécie de prestação de contas e passassem informações bimestrais sobre as execuções física e orçamentária de suas ações. É como se dissesse: “Podem ficar tranqüilos, porque fizemos agora uma seleção de 50 programas, dentre os 300 existentes no Orçamento. Os gerentes de cada um desses programas, bimestralmente, enviarão informações, relatórios, para que o Governo fique atento às suas execuções física e financeira. Dessa vez, esses programas realmente constituir-se-ão em uma prioridade de execução por parte do Governo”.

            Tudo isso foi dito, inclusive em solenidades pomposas, com a presença desses gerentes. O Governo anunciou as prioridades da referida “Agenda Positiva”. Porém, lamentavelmente, chegamos ao mês de agosto e verificamos que a maioria desses programas teve uma execução baixíssima em termos orçamentários.

            A Folha de S. Paulo do dia 19/08/2000, como já disse anteriormente, apresentou informações obtidas em relatório elaborado pelo Ministério do Planejamento que indicam que o Governo praticamente parou em áreas estratégicas, como saneamento básico, segurança pública, habitação, obras em rodovias e reforma agrária.

            Quero, aqui, fazer um grifo, Sr. Presidente, na questão da reforma agrária. Segundo os técnicos que debateram o assunto com os membros da Comissão de Combate à Pobreza, durante o período em que ela funcionou - e na qual tive a oportunidade de atuar como Vice-Presidente, tendo como Presidente o Colega que me antecedeu, Senador Maguito Vilela -, era quase uma unanimidade entre os que estavam estudando o assunto que a educação e a reforma agrária são os dois instrumentos mais importantes de combate à pobreza, sendo que a educação está em primeiro lugar. Em segundo lugar está a reforma agrária.

            Portanto, o corte que atinge as políticas voltadas para as pessoas que não têm terra - são cerca de 4 a 5 milhões de trabalhadores sem terra no nosso País - constitui-se mais uma das provas de que o Governo utiliza um discurso retórico quando diz que está buscando resolver o problema da exclusão social; na prática, ele atende aos interesses ou às receitas do FMI em detrimento desses programas, que são importantes. E não apenas 20%, 15% ou 10% deles deveriam ser realizados - alguns deles não tem execução nenhuma. Deveríamos ver atingida, pelo menos, na metade do ano, 50% da execução orçamentária.

            Uma leitura atenta da reportagem da Folha de S. Paulo e o seu cotejamento com as metas anunciadas em março conduz a resultados preocupantes: o Governo garantiu, por exemplo, no Orçamento, dinheiro para o início das obras de transposição do rio São Francisco (R$197,7 milhões), centenário projeto que tem a pretensão de garantir o abastecimento de água do Nordeste (em julho de 2001, a execução era de 0%).

            Para a região, foram previstos outros R$325,9 milhões para a construção de açudes. Devem ser destacadas ainda centenas de obras nos setores de transporte, energia e irrigação, para as quais também já há verbas orçamentárias garantidas (todos com baixíssima execução em julho de 2001).

            No setor energético, a meta do “Avança, Brasil” é o acréscimo de 11 mil megawatts até 2002. A promessa é a conclusão ou a ampliação de 15 usinas hidrelétricas e mais 20 termelétricas (todas também de baixíssima execução em julho de 2001). Ou seja, os “programas prioritários” não estão resistindo à determinação do Governo de corte de gastos, sempre com o objetivo de pagar o FMI e de cumprir os acordos com o FMI.

            Programas importantes para a população, como o da agricultura familiar, que providencia crédito e infra-estrutura para as famílias rurais, já foram aprovados com uma redução de 70%. Conforme Reinaldo Lopes, gerente do programa, "as medidas adotadas junto à Secretaria de Orçamento Federal para recompor esses recursos não surtiram efeito até a presente data” (execução até 31 de julho de 2001: 11,1%). Esse programa é muito importante para a agricultura familiar e foi aprovado com uma redução de 70% quando da elaboração do Orçamento.

            Outro programa social que sofreu corte foi o Carta de Crédito, que financia a aquisição de moradias para famílias com renda mensal de até R$3.600. Segundo o relatório do gerente Irenêo Bezerra, a Caixa Econômica Federal aplicou apenas 2% do total programado para o ano.

            O Programa Nosso Bairro deveria beneficiar famílias que vivem em situação de exclusão social - este é outro que tem uma execução orçamentária vergonhosa. O gerente Heleno Mesquita diz em seu relatório que as ações com recursos do FGTS para o Programa Nosso Bairro estão paralisadas, mas não explica por quê (a execução, até 31 de julho de 2001, era de apenas 0,6%).

            No Brasil, há uma grande quantidade de pessoas que tem problemas de moradia e há os não têm condição nenhuma de ter moradia - só em São Paulo temos uma população de rua de mais de 7 mil pessoas.

            O programa do Governo é destinado a pessoas que têm renda e podem com ela ter acesso ao financiamento, ao benefício por meio do Programa Nosso Bairro. Mesmo assim a execução orçamentária é vergonhosa. 

            O Programa de Prevenção e Combate a Desmatamentos, Queimadas e Incêndios Florestais teve apenas 21,5% de sua verba liberada. Trata-se de um programa que precisaria ser executado com celeridade, antes das secas e das grandes queimadas, o que não ocorreu.

            Hoje, a situação é lastimável. Segundo dados do Inpe divulgados recentemente pelos meios de comunicação, somente no mês de agosto, que ainda não terminou, ocorreram vinte e um mil focos de calor, sendo que 93% deles na Amazônia. Lamentavelmente, mais um dos programas prioritários - aquele destinado às ações de combate aos incêndios que devem acontecer antes do início das secas e das queimadas - não foi implementado e já estamos vivendo as conseqüências da falta de sensibilidade e de compromisso do Governo em honrar aquilo que foi acertado de maneira prioritária: existiam trezentos programas no Orçamento mas foram selecionados apenas cinqüenta, indicados gerentes para acompanhá-los e enviar relatórios que servissem de base para que o Governo cobrasse a sua execução, atendendo as necessidades previstas.

            Criou-se uma situação de engano, com certeza, para a população e o resultado é esse que estamos observando, como foi dito pelo jornal Folha de S. Paulo.

            O Governo apresenta suas explicações para o atraso na execução ou liberação de recursos: parte dos recursos de alguns programas não é de caráter orçamentário; outros programas ainda estão gastando dinheiro do Orçamento de 2000 - ou seja, não temos sequer a realização desse Orçamento -, outros sofrem cortes, outros dependem da assinatura de convênios, e assim por diante.

            Nada justifica, no entanto, esse pouco caso com a sociedade brasileira. Ancorado na prerrogativa constitucional que faz de nosso Orçamento uma peça apenas autorizativa, o Governo pode, a seu bel-prazer, criar e desmontar “redes de proteção social”, “agendas positivas” ou “programas prioritários” sem que a sociedade tenha a menor condição legal de exigir seu cumprimento.

            Dessa forma, Sr. Presidente, estamos observando, a cada momento, o Governo apresentar uma série de nomes de programas à sociedade com os quais não têm o compromisso necessário.

            Segundo alguns sociólogos, para se ter uma realidade firmada, para se construir o real, a verdade, faz-se necessário constância de percepção. Eu diria que para que se tenha o resultado das ações do Governo, seria necessário constância de atitude. Como não há constância no Governo, não há como existir constância de percepção e não temos como perceber a realização desses programas. Além disso, a sociedade sequer tem mecanismos de cobrança, porque esses programas não têm afirmação nominal. Em alguns meses ou em apenas um ano ocorre a mudança do nome, com ênfase sendo dada ao programa no momento do seu lançamento sendo que, depois, ele cai no esquecimento. Assim, o Brasil vive uma situação muito difícil na área social.

            É lamentável observarmos que nos Estados mais pobres do nosso País não há uma política social que esteja à altura das necessidades da reforma agrária e que não há uma política de inclusão social que possibilite, por meio de programas emergenciais, ações estruturais de longo prazo, com investimentos na área de educação e na reforma agrária, fundamentais para debelar a pobreza, como disse anteriormente.

            Quero lembrar o programa que está sendo lançado pelo Instituto Cidadania e que vem sendo debatido pelo meu Partido, denominado Projeto Fome Zero. É claro que nele não existe perfeição no combate à pobreza, mas há uma grande contribuição sendo oferecida à sociedade brasileira.

            Durante muito tempo, o Instituto Cidadania debateu as várias sugestões da sociedade - discussão que ainda continua e precisa continuar -, para aperfeiçoar a proposta que está colocando à disposição dos Partidos.

            Fiquei muito satisfeita, durante o debate em que participei juntamente com a fundação e outros colegas do meu Partido, quando ouvi que esse programa não é peça de um partido, poderá ser executado por qualquer partido. Fico feliz quando tratamos as grandes questões dessa forma, que não é exclusiva do Partido dos Trabalhadores, do PPS, do PDT, dos Partidos de Oposição ou dos Partidos progressistas. Qualquer um deles poderá lançar mão dessa proposta e aplicá-la, quer no seu Município, quer no seu Estado ou no nosso País.

            Essa situação, estamos verificando a cada momento, vem sendo tratada apenas como peça de retórica, apenas como mais uma nomenclatura - “rede de proteção social”, “agenda positiva”, “programas prioritários”. Nem conseguimos mais guardar os nomes de programas - tal a quantidade - que são criados com o objetivo de, simplesmente, calar a sociedade quando ela faz cobranças. Por isso, precisamos de um programa que efetivamente compreenda o fim do problema da exclusão social como um esforço da sociedade brasileira, o qual deve ser levado a cabo pelo Governo Federal e pelos Governos estaduais e municipais. Se não percebermos dessa forma, não teremos a resposta adequada.

            Espero que a proposta do Instituto Cidadania possa ser amplamente debatida, aceita, apresentada e realizada por todos aqueles que, independentemente de suas posições ideológicas, de seus Partidos políticos, estejam comprometidos, efetivamente, com a resposta aos problemas de combate à pobreza, porque é vergonhosa a situação do nosso povo. Não temos como continuar, a cada ano, vendo dados serem apresentados e mostrando que existem, no nosso País, 78, 50 ou 30 milhões de pobres. Como diz um pensador, um pobre já é suficiente para nos envergonhar a todos.


            Modelo112/27/241:01



Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2001 - Página 18372