Discurso durante a 100ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade da reformulação do sistema tributário brasileiro.

Autor
Lindberg Cury (PFL - Partido da Frente Liberal/DF)
Nome completo: Lindberg Aziz Cury
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Necessidade da reformulação do sistema tributário brasileiro.
Aparteantes
Pedro Ubirajara, Roberto Freire.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2001 - Página 18376
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • REGISTRO, PRESENÇA, PLENARIO, MARCOS CINTRA, DEPUTADO FEDERAL, PROFESSOR, FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV), AUTOR, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, DEFESA, IMPOSTO UNICO.
  • ANALISE, PROBLEMA, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, REIVINDICAÇÃO, EMPRESARIO, PRODUTOR, SIMPLIFICAÇÃO, NECESSIDADE, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL.
  • IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), ARRECADAÇÃO, COMBATE, SONEGAÇÃO FISCAL, ANALISE, PROPOSTA, AUMENTO, ALIQUOTA, REDUÇÃO, IMPOSTOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, assomo à tribuna depois de ouvir, com muita atenção, exposições de diversos Senadores em que o assunto enfocado foi justamente a dificuldade por nós enfrentada no nosso sistema tributário, em relação à complexidade dos impostos. E é sobre isso que eu gostaria de falar.

            Antes de entrar propriamente no assunto, quero dizer que esta Casa se sente extremamente honrada com a presença do Professor Marcos Cintra, que, hoje, é Deputado Federal - foi Deputado em uma legislação anterior - e um dos maiores tributaristas deste País. Além de professor da Fundação Getúlio Vargas, ele propôs ao País, com repercussão em outros países, uma reforma tributária consubstanciada principalmente no imposto único, prestando, direta ou indiretamente, uma grande contribuição para o setor, haja vista ter a CPMF um enorme poder de arrecadação, acabando com a sonegação, pelo menos até agora. A cobrança automática da CPMF beneficia hoje o Governo.

            Ademais, o Professor Marcos Cintra está desenvolvendo uma nova proposta, que será levada ao conhecimento da Câmara dos Deputados primeiramente e, posteriormente, desta Casa por intermédio do PFL.

            Baseados nessas críticas diretas ao sistema tributário predominante, observamos que jamais alguém se levantou para fazer tal proposta na Casa. Assim sendo, fiz um relatório, em forma de pronunciamento, que dá uma visão global do atual quadro brasileiro.

            Há um sentimento nacional entre o empresariado, pelo menos os pequenos e médios que formam o grande mercado produtor e gerador de empregos neste País, em defesa da implantação de um sistema tributário simplificado.

            Os motivos são óbvios, Srªs e Srs. Senadores. A empresa nacional é dilapidada sem piedade por uma avalanche de quase 60 impostos, de todas as procedências e infortúnios, que obriga os empresários a verdadeiros malabarismos para conseguir a sobrevivência, muitas vezes utilizando-se de todas as artimanhas que o próprio Poder Público acaba estimulando.

            Sonegar não é mais incorrer em ato ilícito. Passou a ser uma prática comum, diante das impropriedades do Governo, ao criar impostos ou contribuições sem limites, numa tentativa absurda de arrancar das atividades produtivas a oportunidade de crescimento de uma nação, por meio do engrandecimento de seu povo.

            Em meio à enxurrada de impostos criados, surgiu a CPMF - Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira. A cada movimentação bancária, feita em depósitos, saques ou aplicações, incide a CPMF, abocanhando o seu 0,38%.

            Parece pouco para quem movimenta míseros reais de salários ou faz pequenas aplicações. Mas milhares de empresas nacionais movimentam milhões de reais diariamente, e aí o processo muda de figura. A Receita tem uma expectativa de arrecadação de R$18 bilhões este ano, com a CPMF.

            Mas a sua utilidade como imposto não fica nisso. Essa contribuição tem sido um importante instrumento da Receita Federal para se chegar aos grandes sonegadores. Ao cruzar informações sobre movimentação de depósitos e saques, retiradas e entradas de capital das empresas, a Receita vai desenrolando um imenso novelo, formado por centenas de empresas que sonegam bilhões de reais.

            Sr. Presidente, a CPMF pode ser o embrião para a reforma tributária, cuja finalidade é justamente acabar com essa carga absurda de impostos que incide sobre os meios de produção e consumo da sociedade, principalmente em cima do funcionalismo público, de cujos salários têm sido seqüestrados, mensalmente, valores elevadíssimos. Ao adotarmos uma única forma de arrecadação, incidindo diretamente sobre as transações financeiras e comerciais, não só teremos o controle da arrecadação, uma vez que será praticamente impossível evitar o seu desconto direto na fonte, como também poderemos criar um processo transparente e descomplicado de obtenção de recursos para investimentos nas atividades essenciais do Estado.

            Há uma resistência ferrenha do atual sistema por parte de Estados e Municípios e de setores da própria Receita Federal. Há também aqueles que defendem uma redução drástica dos cerca de 60 impostos para algo em torno de cinco.

            Ao final das contas, sabe-se que pouco irá mudar, prevalecendo essa mentalidade. O sistema tributário brasileiro precisa, urgentemente, ser modificado. Não dá mais para ficarmos alimentando sistemas viciados e complexos que só servem para estimular as negociatas e as falcatruas.

            Temos que nos armar de coragem e ousadia para experimentar, criar novas situações. O mundo não espera mais por ninguém. A corrida ao topo, patrocinada pela globalização, não tem retorno. Vence aquele que tiver a melhor estratégia. Ou vamos ficar como a Seleção Brasileira de Futebol, expostos à humilhação dos antes considerados fracos hondurenhos?

            A nova revolução econômica não prevê malabarismos. É ação direta, e, nesse jogo, não cabem mais tantos impostos, siglas e complicadas operações financeiras.

            A adoção de um sistema simplificado de arrecadação, a exemplo da CPMF, renasce como alternativa de se criar um novo padrão que não admite fuga de capitais.

            Participei, juntamente com o Professor Marcos Cintra, de um debate promovido pela Fibra - Federação das Indústrias de Brasília - com o Dr. Everardo Maciel, Secretário da Receita Federal, que afirmou, numa brilhante exposição, que o Brasil chegou ao limite. Não há possibilidade de acréscimo de qualquer tipo de imposto dentro do nosso sistema tributário. O poder de arrecadação chegou ao máximo. Temos que criar uma nova fórmula, uma nova conveniência que possa superar esse sistema arcaico, já superado pelo próprio tempo.

            O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Ouço V. Exª com prazer, Senador Roberto Freire.

            O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Faço este aparte num momento propício, quando V. Exª fala da necessidade de se criar um novo modelo, uma nova estrutura tributária no País. Não vou discutir aqui - até porque o Professor Marcos Cintra não terá dificuldade em expor suas idéias - a questão do imposto único, que, apesar de ser inventivo, não tem aplicação prática, porque há problemas graves e fatos geradores bem típicos e diferenciados. Talvez, possamos, com a idéia de um imposto sobre movimentação financeira, excluir uma série de outros impostos. Discutimos aqui que a CPMF deveria destinar-se à seguridade social, compensando a contribuição que hoje é feita sobre o faturamento e que incide, de forma equivocada, sobre a produção, que é um dos aspectos importantes em qualquer modelo. Trago para debate - e sexta-feira é um bom dia para se promoverem debates no Senado - uma proposta de reforma tributária. O nosso candidato a Presidente da República, Ciro Gomes, tem uma posição muito educativa no que diz respeito à realidade brasileira, ao dizer que o Brasil tem uma carga nominal absurda. Se a carga que é efetivamente arrecadada é abusiva, imaginem o que significa a carga nominal! É algo impressionante, e não se tem uma visão séria sobre isso. Não vamos falar aqui sobre o aspecto político de que se arrecada muito - nunca se arrecadou tanto, e nunca houve um déficit tão grande. O desequilíbrio é total. Trago à colação uma proposta: dos sete impostos e das várias taxas existentes, que chegam ao número de 60, faz-se uma redução para cinco impostos básicos, fundamentalmente eliminando impostos da cadeia produtiva. Ou seja, aquilo que for atividade econômica tem de ser incentivado e não taxado. Vamos taxar o suntuoso, o consumo, sem interferir na competitividade, mas, ao contrário, dando condições para que a economia se desenvolva. Podemos transferir esses impostos para o consumo, para a taxação de ganhos de capital, para a propriedade e para a circulação de mercadorias, por intermédio do imposto de valor agregado. Com isso, talvez se crie uma Justiça fiscal maior, independentemente de ser produtor ou consumidor. Onde se agrega valor, paga-se imposto sobre isso. Essa proposta está formulada, vem sendo discutida. Seria importante que todos os candidatos e todas as forças políticas discutissem seriamente a questão do novo sistema tributário, porque só um novo Governo, com o respaldo de uma votação, terá a capacidade de buscar consenso na sociedade. No final de Governo, com um Governo frágil, não há consenso no que tange à reforma tributária, porque essa é a raiz da questão de distribuição de renda, seja entre as pessoas, seja entre as regiões, seja entre os setores econômicos. O problema é de competência da União, dos Estados e dos Municípios; portanto, é algo que está na raiz da questão da distribuição de renda no País. Não há como se chegar a um consenso num Governo que é incapaz de ter, inclusive, uma formulação própria de um sistema tributário, e essa é, infelizmente, a nossa realidade. O Governo Fernando Henrique Cardoso não tem condições de apresentar uma proposta de reforma tributária, porque o seu Governo é dividido, contraditório, incapaz de formular uma única proposta. Esperemos para 2002! O PPS, por intermédio de seu candidato, Ciro Gomes, tem a sua proposta e, inclusive, discute sobre a sugestão - sei que aqui não podemos discuti-la; não entrarei no mérito - do Professor Marcos Cintra e a de V. Exª, que, evidentemente, como homem do comércio, da atividade econômica, tem também sua formulação.

            O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Agradeço ao Senador Roberto Freire pelo aparte muito esclarecedor, demonstrando seu firme conhecimento sobre o campo tributário e sobre a nossa economia.

            Eu diria que, neste período de um ano e meio até o final do mandato do Governo, a proposta não seria de uma reforma tributária, mas, sim, de um estudo sobre a maneira de minimizar os problemas do sistema.

            O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - V. Exª me permite um novo aparte?

            O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Pois não, Senador Roberto Freire.

            O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Em fim de governo ou no começo de um governo que não tem uma formulação completa, o que se pode fazer são ajustes. Posso até dizer de experiência própria - visto que o sistema de impostos ou contribuição sobre movimentação financeira foi instituído por emenda constitucional de minha autoria, como Líder do Governo Itamar Franco - que aquilo foi um ajuste. Era um imposto provisório, porque precisávamos de uma arrecadação maior para cobrir o déficit das contas. Isso acontece em todos os finais de ano. Dessa forma, preparemo-nos, talvez, para outro ajuste neste último final de ano do Governo Fernando Henrique. Lamentavelmente, de ajuste em ajuste, a gana arrecadadora é o que predomina. Não há um sistema com um mínimo de lógica e - como o próprio sistema diz - que tenha a capacidade de entender o País no conjunto. Enfim, não se deve buscar apenas aumento de arrecadação, mas, sim, a justiça tributária. Precisamos de um governo que cumpra suas atividades precípuas, mas que, ao mesmo tempo, não prejudique a atividade econômica do País. Infelizmente, teremos que esperar isso para 2002.

            O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Senador Roberto Freire, acredito que estamos caminhando no mesmo rumo: o Deputado Marcos Cintra propõe um simples exercício, com base no aumento da alíquota da CPMF e na sua própria efetivação. Há também um projeto do nobre Senador Bello Parga, que propõe a efetivação e, mais tarde, alguns acréscimos de alguns impostos. Pelo exercício feito, se aumentarmos a alíquota da CPMF de 0,38% para 0,48%, poderemos eliminar uma série de impostos, o que redundará em apenas um grupo de cinco ou seis impostos, ou seja, o sistema tributário brasileiro não teria 60 tipos diferentes de impostos. Nossa proposta baseia-se nesse ponto de vista.

            O Sr. Pedro Ubirajara (PMDB - MS) - V. Exª me concede um aparte?

            O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Concedo o aparte a V. Exª.

            O Sr. Pedro Ubirajara (PMDB - MS) - Senador Lindberg Cury, como disse o Senador Roberto Freire, as sextas-feiras e as segundas-feiras aqui, neste Senado, têm sido momentos propícios para o início de palestras e discussões muito prolíferas, porque há uma calma não observada nos outros dias da semana. Quero apenas dizer que a CPMF foi criada como imposto provisório. Entre os 60 impostos mencionados por V. Exª, essa contribuição seria mais um. E, assim, para salvar essa ou aquela parte da Administração Direta, os Governos vão usando medidas como essa, que se tornam definitivas. Não digo que a CPMF não tenha seu lado positivo. Como V. Exª mesmo disse, na pesquisa daqueles grandes sonegadores, a CPMF tem permitido que a Receita Federal amplie a arrecadação do País. No entanto, a Receita Federal não deve exercer a fiscalização apenas pelo cruzamento dos cheques.

            O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - É verdade.

            O Sr. Pedro Ubirajara (PMDB - MS) - Torna-se necessária a ampliação de seu sistema de administração, na raiz da sua função, ou seja, deveriam ser criadas mais delegacias de arrecadação, de fiscalização, de monitoramento da produtividade que gera a Receita Federal. Além disso, com a CPMF, criou-se no País um novo papel-moeda, que infelizmente tem gerado muitos problemas, até mesmo judiciais: criaram-se os “cheques voadores”, o “papagaio”, o “pingue-pongue” e muitos outros. E o povo brasileiro lá no interior, fora dessa polêmica de Congresso Nacional, sente que não há mudanças legislativas que atendam às suas solicitações, independentemente de partidos políticos. A população entende que o maior responsável pelo andamento da Nação é o Congresso Nacional. Nesse ponto, não concordo com o Senador Roberto Freire - embora S. Exª não esteja mais aqui para me ouvir - quando afirma que não se devem tomar atitudes em fim de governo. Não penso assim, principalmente porque a população sabe que o Senado Federal não será reformado totalmente. Apenas alguns Senadores serão substituídos - como ocorre de quatro em quatro anos -, e a parcela que ficar dará andamento a tudo o que se fizer. Uma coisa é certa, na opinião do povo brasileiro: aquele que trabalha em comissões não pode mais receber relatorias para analisar fatos ocorridos há 10 anos, 12 anos, 15 anos, que não representam, naturalmente, a faceta do Brasil atual.

            O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Agradeço ao Senador Pedro Ubirajara pelo brilhante aparte. Comungamos do mesmo pensamento: existe unanimidade, fora do Congresso Nacional e dentro dele, de que devemos reformular esse sistema tributário. Se não tivermos o devido tempo neste fim de mandato, pelo menos para o ano que vem devemos envidar todos os esforços nesse sentido. A sociedade está carente, e o nosso sistema tributário impede o crescimento econômico do País, pois dificulta a geração e a captação de impostos e, principalmente, inibe o processo competitivo no sistema globalizado. O Brasil não está fora do mundo, está dentro de um sistema globalizado e tem que aperfeiçoar esse sistema tributário.

            Voltando ao que eu dizia, o Dr. Everardo Maciel, Secretário da Receita Federal, afirmou, numa brilhante exposição, que o Brasil chegou ao limite, ou seja, não suporta mais nenhum aumento de tributos ou contribuições. Comparando-se o sistema tributário do Brasil com o de outros países, verificaram-se imensas distorções, que precisam ser analisadas cuidadosamente por esta Casa.

            O Senado Federal reduziu o seu direito de deliberar sobre questão tributária com o crescimento de poder adquirido pelo Confaz - Conselho de Política Fazendária, que, sem a representação popular, legisla sobre matéria tributária entre os Estados federados, geralmente concedendo privilégios e vantagens, como bem afirmou o ilustre palestrante.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para finalizar, entendo que o tema Reforma Tributária deva ser objeto de discussão e de profunda reflexão por parte de todos nós, Parlamentares, que temos o dever de criar condições e perspectivas favoráveis para simplificar a vida do Governo, do empresário e, principalmente, do cidadão comum, que não sabe o quanto paga de impostos quando compra um quilo de feijão.

            Muito obrigado.


            Modelo15/19/241:43



Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2001 - Página 18376