Discurso durante a 100ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca das declarações do Presidente Fernando Henrique Cardoso sobre a necessidade de aumentar as exportações. Preocupação com as negociações visando a antecipação da Alca.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações acerca das declarações do Presidente Fernando Henrique Cardoso sobre a necessidade de aumentar as exportações. Preocupação com as negociações visando a antecipação da Alca.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2001 - Página 18382
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSUNTO, PRIORIDADE, EXPORTAÇÃO, SOLICITAÇÃO, APOIO, EMPRESA MULTINACIONAL.
  • ANALISE, INSUCESSO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, INEFICACIA, TROCA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO, DESENVOLVIMENTO, FALTA, PREPARAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, INFRAESTRUTURA, OBJETIVO, EXPORTAÇÃO, CRITICA, PRIORIDADE, SUPERAVIT, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), LIBERALISMO.
  • DEFESA, REDUÇÃO, IMPORTAÇÃO, CRITICA, LIQUIDAÇÃO, MARINHA MERCANTE, BRASIL, SUPERIORIDADE, CUSTO, FRETE, COMERCIO EXTERIOR.
  • DEFESA, DEBATE, ANTECIPAÇÃO, ELEIÇÕES, MOTIVO, CRISE, BRASIL, NECESSIDADE, RENOVAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
  • CRITICA, LOBBY, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), IMPLEMENTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), APROVEITAMENTO, CRISE, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, EFEITO, BRASIL, DENUNCIA, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, GOVERNO BRASILEIRO, ANTECIPAÇÃO, NEGOCIAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente Fernando Henrique, dando posse ao novo Ministro do Desenvolvimento, eu diria melhor, dando posse ao novo experimento ministerial na área do desenvolvimento, o Sr. Sérgio Amaral, fez uma declaração bombástica, que foi muito repetida. Tive oportunidade de ouvir pela televisão a expressão que saiu em todas as manchetes dos jornais brasileiros: “Exportar ou morrer”, como se fosse o novo grito nacional, o novo grito da Nação brasileira. “Exportar ou morrer.” Um grito que, na verdade, é vergonhoso, Sr. Presidente, na medida em que exprime e expressa a situação de extrema vulnerabilidade a que chegou a economia e a Nação brasileira, em decorrência da política econômica praticada pelo Senhor Fernando Henrique Cardoso no exercício da Presidência.

            É a confissão da última chance: ou o Brasil exporta mais ou o Brasil vai morrer. É extremamente vergonhoso. Não compreendo como um Presidente da República não tem vergonha de fazer uma afirmação dessa natureza. Na verdade, Sr. Presidente, se essa declaração fosse verdadeira, o Brasil estaria condenado à morte, porque o Governo Fernando Henrique não tem nenhuma condição de obter um aumento expressivo das exportações brasileiras, exatamente pela continuidade da política que vem praticando e que conduziu o País a esse estado.

            E o que fez o Presidente? Fez um apelo às multinacionais. Além da declaração ser vergonhosa, o apelo é ridículo, Sr. Presidente; apelar às multinacionais, às empresas que visam ao lucro, como é sabido e é legítimo, é no mínimo ridículo. A empresa multinacional que vem ao Brasil não tem nenhuma razão e nenhum motivo para sensibilizar-se com apelos dramáticos, patéticos do Presidente da República no sentido de que exportem mais. Se lhes forem oferecidas vantagens, através das quais possam aumentar os seus lucros, é claro que elas vão desenvolver uma política de exportações, porque cada empresa tem a sua política e o seu planejamento; quem está sem política e sem planejamento é a Nação brasileira, que só se preocupa com o superávit primário, com a responsabilidade fiscal, com o atendimento às exigências do FMI. Não há política industrial e não há planejamento. O Ministério do Planejamento virou o ministério do superávit fiscal. O Sr. Martus Tavares não faz outra coisa na vida. Ele é o Ministro do Planejamento, mas a sua atividade única - não é nem a principal, é única - é preservar o superávit primário a todo custo.

            Portanto, sem planejamento e sem política de desenvolvimento da economia brasileira não se consegue encontrar um Ministro do Planejamento - agora é a quarta tentativa - que consiga fazer alguma coisa em direção ao desenvolvimento do País.

            Então, Sr. Presidente, a declaração do Presidente da República nos deixa perplexos, indignados, mas é a verdade, é a realidade. O Presidente da República não sabe mais o que fazer senão apelar para multinacionais e dizer para o Brasil: “Ou exportamos mais ou vamos morrer.”

            Sr. Presidente, não vou negar, absolutamente, que é importante exportar mais, que se tornou uma prioridade. Também não vou dizer que isso fosse necessário, uma imposição da história do Brasil. Não. O Brasil poderia ter seguido outro modelo de desenvolvimento, que considerasse importante as exportações, mas que também apoiasse, sustentasse o seu crescimento econômico e a sua economia no mercado interno, que é potencialmente muito grande, mas, exatamente por enveredar por uma política ditada pelo Fundo Monetário Internacional, o Brasil chegou a essa condição.

            De forma que o Governo está a fazer esse tipo de declaração bombástica, dramática, vergonhosa e ridícula, colocando o País no dilema "exporta ou morre". Sr. Presidente, não haverá condições de se exportar mais porque, durante todo o seu mandato, o Governo não criou condições para que houvesse um aumento significativo de exportações. As linhas de comércio internacional são dominadas pelos grandes grupos econômicos, pelo grande poder econômico e não há possibilidade de o Brasil torná-las mais favoráveis às suas exportações. Para tal, o Governo teria que desenvolver uma política estrategicamente voltada para o aumento das exportações, o que não fez. Não vou afirmar que o Governo não fez nada, pois não sou daqueles que procuram fazer oposição de qualquer maneira e negam tudo aquilo que o Governo tenha realizado de importante. O Governo Fernando Henrique Cardoso fez algo importante, sim, com a finalidade de aumentar as exportações e o desenvolvimento da economia brasileira: a criação dos fundos de ciência e tecnologia, algo que, imagino, não deve ter sido fácil; deve ter encontrado resistências internas, na medida em que são fundos vinculados e vinculação de fundos é algo condenado, tido como pecado mortal pela filosofia neoliberal do Governo. O fato é que o Governo criou os fundos, aumentou a disponibilidade de recursos significativamente para ciência e tecnologia, porém, tal medida só produzirá efeitos importantes na dinamização da economia e das nossas exportações a longo prazo. Não se pode esperar que, neste um ano e meio que falta para o término do mandato do Senhor Fernando Henrique, as exportações venham a crescer em decorrência dessa iniciativa.

            Outras condições essenciais ao dinamismo das exportações também não poderão ser atendidas neste final de Governo Fernando Henrique. A reforma tributária é uma delas. O Senador Lindberg Cury, há pouco, desta tribuna, fazia coro aos empresários brasileiros, de um modo geral, em favor da reforma tributária, que não saiu e não sairá senão ao final do Governo Fernando Henrique. Será o seu sucessor quem lidará com o problema. A reforma tributária envolve um risco de redução do superávit primário, que é a prioridade essencial, definitiva, decisiva, única do Governo Fernando Henrique. Nada que possa afetar o superávit primário fiscal pode ser implementado e, por isso, a reforma tributária está engavetada; ela não será aprovada a tempo de produzir um efeito de revitalização sobre as exportações brasileiras.

            Outra condição essencial ao dinamismo das exportações seria a recuperação da infra-estrutura da economia brasileira, que está degradada. Estamos vivendo uma enorme crise de abastecimento de energia elétrica decorrente também da imprevidência e da determinação de não investir, não realizar os projetos das empresas estatais, em função do compromisso mantido com o FMI de não reduzir o superávit fiscal. Então, como recuperar a infra-estrutura de transporte e energia, tão fundamentais para baixar os custos das exportações brasileiras, sem mexer no superávit fiscal? Não é possível. O Governo Fernando Henrique Cardoso não terá condições de cumprir essa outra exigência necessária e fundamental para o cumprimento da meta de exportar, sem o qual o Brasil estaria condenado à morte, conforme declaração do próprio Presidente.

            Sr. Presidente, o Governo também não tem uma política industrial voltada para os setores potencialmente promissores, em termos de exportação. Ao contrário, tem uma política de mercado, porque o mercado financeiro internacional assim o quer, em vez de uma política de planejamento, de utilização de instrumentos desenvolvimentistas para incentivar, propiciar e impulsionar determinados setores que poderiam produzir aumentos na exportação. O Governo brasileiro perdeu o ímpeto, a capacidade de ir ao mercado internacional com mais disposição de luta, mais iniciativa e mais agressividade comercial. O nosso Itamaraty, que tem uma tradição de excelência nas negociações políticas e comerciais, está completamente desmotivado e sem capacidade de iniciativa, procurando apenas responder às exigências dos organismos financeiros internacionais, da Organização Mundial do Comércio. É uma luta constante para dar respostas às pressões que chegam ao Governo brasileiro. Não há condições de o Governo produzir aumento expressivo das exportações, porque as condições não vão poder ser cumpridas.

            Mas, Sr. Presidente, o Brasil poderia, além de exportar mais, importar menos, o que produziria um efeito importante sobre essa vulnerabilidade, essa perda de soberania, de capacidade de decisão em que o País está metido, resultado da política Fernando Henrique. Há muito o que se fazer em termos de substituição de importações. Por exemplo, no caso dos fretes, o Brasil está pagando algo em torno de 6, 7 a 8 bilhões de dólares e esse montante vai crescer rapidamente para US$10 bilhões por ano, o que não é pouco. Uma das maiores parcelas de gastos do comércio internacional brasileiro é com os fretes.

            O Brasil liquidou a sua Marinha Mercante porque o Governo assim o decidiu. O País já chegou a transportar cerca de 40% das mercadorias do seu comércio internacional, mas hoje esse índice é zero. O Brasil só utiliza navios estrangeiros e paga fretes altos por isso. Esta poderia ser uma iniciativa do Governo brasileiro: criar uma empresa de Marinha Mercante. Mas não o faz, porque fere os princípios do neoliberaliasmo, a sensibilidade do mercado internacional. Ademais, precisa de recursos, que não podem ser gastos, porque, senão, vão afetar o superávit fiscal.

            Outro setor que poderia passar por uma substituição de importações seria o de componentes eletrônicos, mas isso também o Governo não fará, pois não tem nenhuma condição de realizar qualquer tipo de mobilização política no sentido de um maior esforço de trabalho. Do jeito que trata a classe trabalhadora, com o desemprego enorme a que está submetida, o Governo não tem condição de mobilizar os trabalhadores para um esforço maior na área de exportações.

             O Governo apela às multinacionais de forma ridícula, mas poderia apelar à população brasileira para dar preferência ao produto nacional, no intuito de reduzir as importações. A população respondeu bem ao apelo de economia de energia elétrica e, da mesma forma, responderia bem ao apelo de dar preferência aos produtos nacionais e reduzir a compra dos importados. Entretanto, o Governo Fernando Henrique perdeu a autoridade moral e não tem condições políticas de mobilização; na verdade, encontra-se em estágio terminal. Mas ainda tem mais um ano e meio.

            Sr. Presidente, disse aqui - e repito - que é preciso estarmos preparados para uma antecipação das eleições, porque não sei o que será este próximo ano e meio em termos de degradação das condições de afirmação da Nação brasileira, que está diante do dilema “exportar ou morrer”, segundo o próprio Presidente da República. Vamos ficar “de braços cruzados”, vendo que o volume das exportações não aumenta, o que, segundo declaração do Presidente, é a condenação à morte? Vamos ficar na expectativa dessa morte anunciada? Ou vamos procurar mudar a situação por meio de uma nova condição política que o Presidente Fernando Henrique Cardoso não tem mais?

            O Governo Fernando Henrique é um governo completamente rendido e agora está a aceitar a imposição do Governo norte-americano para que se processem as negociações de antecipação da Alca. O que significa o mecanismo “4 mais 1”? Significa negociações de abertura comercial entre os quatro países do Mercosul e os Estados Unidos da América. Em essência, a Alca é a Área de Livre Comércio das Américas. Mas quais são os países importantes neste esquema? Os Estados Unidos de um lado e o Brasil e a Argentina de outro. Existem os outros países-membros, mas é claro, o que esses três países decidirem estará marcando o destino das decisões políticas dos demais países.

            O Governo Bush - que, embora faça afirmações neoliberais, age de forma protecionista quando lhe é conveniente, fazendo ajoelhar-se o país que resiste aos seus intentos, tratando muito bem dos seus interesses - aproveitou a fragilidade da Argentina para impor condições. A conta-gotas, concedeu-lhe empréstimo a curto prazo para que saísse da crise, o que não resolveu a situação, uma vez que o problema está na posição crônica assumida pela Argentina, que tornou rígido e totalmente irreal seu câmbio.

            Nesse contexto, resta à Argentina a integração à Área de Livre Comércio das Américas, liderada pelos Estados Unidos. Contudo, é esperado que leve também o Brasil para o bloco comercial em formação, porque dependemos da Argentina. O Governo brasileiro entra em pânico com a possibilidade de ocorrência de uma crise na Argentina. Então, tem que ceder às pressões americanas que lhe chegam indiretamente, com a fragilidade da situação argentina.

            Assim, o Sr. Fernando Henrique Cardoso, Presidente da República do Brasil - país que, como ele diz, está morrendo se não exportar - pega o telefone e fala para o Presidente Bush: “Olha, tudo bem, nós concordamos, sim: vamos começar essas negociações”. E já estão reunidos os representantes diplomáticos, negociando o quê? A antecipação da Alca sem que a Nação, o Congresso e o povo brasileiro tenham sido ouvidos sobre essa decisão, que vai liquidar todas as possibilidades de afirmação desta Nação brasileira.

            É o que está ocorrendo, Sr. Presidente. E o Governo se sente mal, porque isso, que não era para ser revelado, mas para ser feito “debaixo dos panos”, veio a lume de forma notória. Então, foi o Governo apanhado em flagrante, negociando a antecipação da Alca, quando o Congresso brasileiro está discutindo essa questão. Não é por acaso que ontem esteve aqui uma delegação de deputados americanos que defenderam, na Comissão de Assuntos Econômicos, a Área de Livre Comércio como se fosse algo muito vantajoso, importante e decisivo para o Brasil. É claro. Se o Brasil está na situação de "exportar ou morrer", tem que entregar tudo, porque perdeu a sua capacidade de reação e a sua capacidade política.

            Só um novo Governo, com o respaldo político de toda a Nação e a legitimidade de uma eleição consagradora terá condições de desenvolver toda uma política de exportações, de agressividade comercial, de endurecimento das negociações com o mercado financeiro internacional, com a costura de alianças internacionais capazes de dar sustento a essa negociação mais dura, além de desenvolver as políticas de substituição de importação, de recuperação da infra-estrutura para baixar os custos, de execução da reforma tributária. Isso requer condições políticas renovadas, que Fernando Henrique não tem mais em seu Governo. Este é um Governo que morreu antecipadamente porque perdeu as condições de tomar qualquer iniciativa.

            Assim, Sr. Presidente, volto a dizer que devemos pensar na hipótese de antecipação de eleições, porque está em risco o destino da Nação brasileira. O próprio Presidente disse isso naquela declaração vergonhosa de que ou o País exportava ou morria. Não podemos concordar com isso e correr o risco de que o Brasil venha a morrer, como querem muitos dos próceres e dos representantes desse mercado internacional. Eles dizem que o conceito de nação está superado; o que valeria hoje seria o de mercado. Nós, que não concordamos com isso - e temos a certeza de que o povo brasileiro como um todo também não concorda -, não podemos aceitar inertes que o Brasil corra o risco de “morrer” porque o Governo não tem mais capacidade de iniciativa para tirar o País dessa situação de vulnerabilidade em que o colocou, com sua política econômica.

            Era o que tinha a dizer hoje, Sr. Presidente.

 

            


            Modelo15/18/2410:42



Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2001 - Página 18382