Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Justificativas à apresentação de proposta de Emenda à Constituição destinada a sanar interpretações diferenciadas sobre os poderes do Congresso Nacional quanto à apreciação de acordos internacionais, como o firmado entre o Governo Federal o FMI. (como lider)

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • Justificativas à apresentação de proposta de Emenda à Constituição destinada a sanar interpretações diferenciadas sobre os poderes do Congresso Nacional quanto à apreciação de acordos internacionais, como o firmado entre o Governo Federal o FMI. (como lider)
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2001 - Página 18298
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • REGISTRO, DESAPROVAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, ADMINISTRAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANALISE, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PARCELA, RESPONSABILIDADE.
  • JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, OBJETIVO, EXTINÇÃO, DIFERENÇA, INTERPRETAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, MATERIA, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, INTERVENÇÃO, DECISÃO, APROVAÇÃO, REJEIÇÃO, ACORDO, BRASIL, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA. Como Líder. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho em nome do Partido Socialista Brasileiro, pela sua Liderança, apresentar uma proposta aos Srs. Senadores e aos Deputados Federais. Trata-se de uma proposta de emenda constitucional que objetiva sanar interpretações diferenciadas da Constituição brasileira, o que tem preocupado enormente toda a Direção do meu Partido.

Sr. Presidente, a dificuldade de compreensão a respeito dos poderes do Congresso Nacional em apreciar os acordos do Governo brasileiro com o Fundo Monetário Internacional. Sempre defendemos que o Congresso brasileiro tem enormes responsabilidades com o que ocorre no Brasil.

O povo brasileiro está insatisfeito com o Executivo. O Presidente Fernando Henrique Cardoso tem mais baixos índices de aprovação do que qualquer outro presidente da história do nosso País, numa demonstração de que o povo está insatisfeito com a condução da política econômica do Governo.

Mas a revolta do povo brasileiro não se deve limitar ao Executivo, não se deve limitar ao Presidente da República do Brasil; o povo brasileiro tem o direito de avaliar também a conduta do Congresso Nacional, especialmente dos Partidos que integram a base do Governo, integram a base do Executivo e respaldam as suas ações.

Estamos propondo neste instante ao Congresso Nacional a definição, de uma vez por todas, dessa questão de termos ou não o poder de aprovar ou rejeitar os acordos feitos pelo Governo com o FMI (Fundo Monetário Internacional). É evidente que esses acordos se refletem no dia-a-dia das pessoas, envolvem o crescimento ou a estagnação da economia brasileira, implicam menos ou mais empregos, menos ou mais investimentos do setor público e, portanto, não podem, em nenhuma hipótese, deixar de serem aprovados pelo Congresso Nacional.

            A Constituição brasileira estabelece, no seu art. 49, inciso I:

É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

            Entendemos, Sr. Presidente, que isso já seria suficiente para obrigar o Governo brasileiro, ao negociar metas da nossa economia, submeter ao Congresso Nacional a aprovação das suas decisões.

Entretanto, alguns interpretam de maneira diferente o que está na Constituição como competência exclusiva do Congresso Nacional. Alguns juristas entendem que os acordos com o FMI (Fundo Monetário Internacional) não podem ser considerados tratados ou acordos internacionais, pois representam apenas a execução de compromissos anteriormente assumidos. Esse é um dos argumentos. O outro é que não são celebrados pelo Presidente da República, mas por dirigente do Banco Central ou pelo Ministro da Fazenda.

E, por último, dizem que não possuem natureza de tratados ou acordos internacionais, significando somente manifestação unilateral do país tomador dos recursos. Alegam também que o Brasil é associado dessa instituição financeira internacional, que é o FMI, e, como tal, já tem aprovado esse entendimento ou essa participação no Fundo Monetário Internacional.

Esses são os argumentos daqueles que defendem a não-manifestação do Congresso sobre os acordos do Executivo com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Mas existe, Sr. Presidente - e aí com argumentos muito mais fortes, muito mais consistentes - a manifestação de outras pessoas, que afirmam justamente o contrário.

Os principais argumentos daqueles que defendem que a Constituição hoje já obriga o Governo a submeter ao Congresso o acordo com o Fundo Monetário Internacional alegam o seguinte: primeiro, todos os atos internacionais que geram ônus para o País precisam ser aprovados pelo Congresso Nacional - e não há nada, Sr. Presidente, que gere mais ônus para o País do que os acordos feitos com o Fundo Monetário Internacional; segundo, os acordos com o Fundo Monetário Internacional não são simples empréstimos, mas compromissos assumidos para concessão de empréstimos, que implicam alterações substanciais nas leis orçamentárias, cuja competência é do Congresso Nacional.

Dizem mais: quando o Presidente do Banco Central ou Ministros de Estado assinam atos internacionais, agem como legítimos representantes do Presidente da República, logo, os acordos celebrados por aqueles devem ser referendados pelo Congresso Nacional.

Por último, as cartas de intenção e os entendimentos com o FMI são de fato acordos internacionais, envolvem matéria política e estabelecem limites, inclusive à soberania nacional, como a contenção de gastos públicos, a redução de déficit orçamentário, política cambial, entre outros temas.

Eu chamaria a atenção dos Srs. Senadores para um fato impressionante. O Congresso Nacional, neste ano, exatamente no dia 27 de junho, depois de quase quatro meses de prolongada discussão, aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano de 2002. Essa lei estabelece as regras pelas quais o Orçamento deve ser elaborado e apresentado a esta Casa até o dia 31 de agosto.

Na discussão da LDO, houve um chamamento da opinião pública, houve reação de entidades empresariais, de segmentos dos trabalhadores e houve até uma manifestação declarada do Partido da Frente Liberal e do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, que sustentam as decisões do Governo no Congresso Nacional, no sentido de que o superávit primário previsto para 2002 ficasse menor do que o previsto pelo Poder Executivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Explico: o Poder Executivo mandou um Orçamento prevendo 2,7% do PIB para o ano de 2002 como meta de superávit primário, que é aquilo que o Governo arrecada do povo a mais do que ele gasta em benefício da sociedade, e isso estaria previsto em R$31,5 bilhões.

Em outras palavras, o Poder Executivo desejava que o Congresso Nacional aprovasse a Lei de Diretrizes Orçamentárias, estabelecendo que em 2002 haveria um superávit primário de R$31,5 bilhões, o que representaria 2.7% do PIB.

Houve uma discussão exacerbada no Congresso Nacional, e, como eu disse, o PFL e o PMDB se manifestaram contrariamente a esse posicionamento do Poder Executivo e tentaram negociar a fim de que esse superávit primário passasse de R$31,5 bilhões para R$24 bilhões. Assim, ficariam R$6 bilhões para serem investidos em energia e na melhoria das estradas brasileiras.

O PFL manifestou isso por intermédio do seu Líder, Deputado Inocêncio Oliveira, e o PMDB, por meio do Presidente da Comissão, Senador Carlos Bezerra. Mas, lamentavelmente, o Governo foi intransigente nessa matéria. Não admitiu mudar aquilo que ele havia mandado para o Congresso Nacional.

Como é costume, o PMDB e o PFL recuaram e ambos obedeceram cegamente às ordens do Ministro Pedro Malan e aprovamos, aqui, por maioria - contra os votos da Oposição e de alguns Senadores e Deputados Federais que têm uma visão da sua representação diante da sociedade, que não obedecem ordens do Executivo e cumprem com o dever do seu mandato -, o Orçamento, da forma como o Executivo queria.

Imaginem V. Exªs que nós nos reunimos, trabalhamos durante três meses, em inúmeras reuniões, e, de repente, o Governo, sem nos consultar, sem tratar com o Congresso Nacional, trancou-se com os representantes do Fundo Monetário Internacional, elaboraram uma nova ordem na nossa economia e estabeleceram que o superávit primário de 2001, que tinha sido aprovado em LDO, que tem o Orçamento em execução, passasse de 3.7 do PIB para 3.35 do PIB. Ou seja, o FMI determinou ao Governo brasileiro que tirasse da sociedade mais R$4 bilhões no ano de 2001. E para o ano 2002, o superávit previsto em R$31,5 bilhões, ficou em R$46,5 bilhões, ou seja, 3,5% do PIB.

            E aí ficamos a nos perguntar: o que nós aprovamos serviu para quê? E os três meses que passamos, nesta Casa, debatendo a Lei de Diretrizes Orçamentárias serviram para quê? Essa é uma demonstração clara de que o Congresso Nacional tem a obrigação, o dever de aprovar ou rejeitar os acordos do Executivo com o Fundo Monetário Internacional.

De forma que nós estamos propondo um acréscimo ao art. 49, para sanar definitivamente essa dúvida, que de nossa parte não existe, mas é imposta ao Congresso pelo Governo. Estamos propondo um parágrafo único que determina “na competência prevista no inciso I, [que já li aqui] incluem-se a apreciação de todos os acordos, entendimentos, contratos ou fatos internacionais firmados por entes da administração pública direta e indireta com organismos financeiros internacionais, quando a República Federativa do Brasil figurar na qualidade de parte, avalista, fiadora, ou garantidora" - que é o que ocorre nos acordos com o Fundo Monetário Internacional.

Dessa forma, Sr. Presidente, estou apresentando ao Congresso Nacional uma definição dessa questão. É a mesma situação das medidas provisórias: na nossa interpretação, o Governo não tinha o direito à reedição, mas ele reeditou-as infinitamente, até que agora estamos conseguindo acabar com isso.

Neste caso, com a aprovação desta emenda, o Governo seria obrigado a submeter ao Congresso Nacional a aprovação dos seus entendimentos, porque não se limitam a metas de superávits. Se devemos ter superávit primário, temos de arrecadar mais do povo. E pode estar embutido nesse acordo - feito sem o conhecimento da opinião pública e do Congresso Nacional - o programa de privatizações.

O Governo já privatizou quase tudo. Ele fez o que a Argentina fez. A Argentina hoje não tem mais nada para privatizar. Está falida, à beira do colapso. O desemprego está acima de 15%, há redução de salário do funcionalismo público e dos salários dos aposentados, há contenção de gastos de toda ordem, na saúde na educação, em tudo. E nós vamos pelo mesmo caminho. No Brasil, falta somente privatizar as geradoras de energia - as nossas hidrelétricas, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e a Petrobras.

E hoje mesmo o Senador Álvaro Dias mencionou que, segundo seus cálculos - e são contas exatas -, o Governo brasileiro perdeu R$5 bilhões com a venda das ações da Petrobras há cerca de um ano. Esse prejuízo demonstra que o Governo só faz negócio que interessa ao sistema financeiro internacional. Então, pode estar embutido nesse acordo do Fundo Monetário, que vigerá até o final do ano de 2002, a efetiva privatização das geradores de energia. Isso é muito grave! Por isso, é necessário que o Congresso Nacional dê o seu aval, que conheça profundamente a questão.

O Ministro compareceu à Comissão de Assuntos Econômicos, atendendo a requerimento meu e da Senadora Heloísa Helena. E disse que o único compromisso era aumentar o superávit primário em R$4 bilhões, em 2001, e em mais de R$10 bilhões, em 2002. Mas não explicou como ampliará esse superávit primário, de onde retirará dinheiro, o que cortará ou o que venderá para conseguir mais dinheiro.

Diante disso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós, do Partido Socialista Brasileiro, tomamos uma posição: em nome do meu Partido, trago uma emenda constitucional que soluciona definitivamente essa questão. Na próxima semana, apresentarei outra emenda constitucional que tira uma excrescência da Constituição brasileira, a única do mundo a conter um artigo segundo o qual o Congresso Nacional não pode mexer nos recursos destinados ao serviço da dívida, não pode manifestar-se sobre aquilo que o Governo diz que tem de ser guardado para pagar o serviço da dívida. É outra situação cuja solução está a caminho, o que contribuirá para resolver os problemas da dívida brasileira e da nossa economia.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, meu tempo está encerrado, mas ouço rapidamente o Senador Casildo Maldaner.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Ademir Andrade, conheço V. Exª desde 1983, quando nos encontramos na Câmara dos Deputados. Desde aquela época, sei que, no campo ideológico, no campo das lutas democráticas, V. Exª tem sido sempre ferrenho. Também tenho acompanhado as análises feitas ultimamente e percebo que, além de engenheiro, V. Exª é também engenheiro na arte das finanças, na área de orçamentos. Tem sido sempre um crítico contumaz em todos os casos. No debate com os Ministros Pedro Malan e Martus Tavares e com o Presidente do Banco Central, por exemplo, V. Exª trouxe números consistentes, que demonstram seu conhecimento também sobre essa questão. Trago este depoimento não ao sabor do momento, não por oportunismo, mas por acompanhá-lo há muito tempo e perceber que V. Exª se debruça sobre essas questões, talvez até nos fins de semana ou à noite. Certa feita, por exemplo, foi V. Exª quem nos informou do comprometimento de 30%, depois de 40% do PIB nacional com o pagamento da dívida pública. Hoje, esse comprometimento é da ordem de 51%. E o Governo disse que não chegaríamos a esse patamar. Enfim, V. Exª tem analisado a questão, mas o Governo procura fugir dessa análise. Por isso, quero também ser um dos subscritores da emenda ou das emendas que V. Exª apresentará à Casa, porque não é possível continuarmos vivendo a seguinte situação: todas as vezes em que se tenta aumentar o poder aquisitivo dos servidores - já que o que interessa é a parte social -, o Governo afirma que o Congresso Nacional tem de encontrar a saída; por outro lado, quando a questão diz respeito ao Fundo Monetário Internacional, vêm e decidem, mesmo que tenhamos passado meses analisando a Lei de Diretrizes Orçamentárias. A LDO não é mais respeitada. O Congresso Nacional fica analisando a lei durante meses para ter essa autonomia, esse direito. Depois, alguém de lá resolve dizer que não é mais assim. Estamos ao capricho de algumas circunstâncias. Assim não dá! Isso não é Parlamento forte, não é Congresso independente. Não há respeito pela Instituição que deve ter a responsabilidade de encontrar saídas, mas que também deve ser respeitada em suas decisões. Cumprimento V. Exª pelo discurso, Senador Ademir Andrade.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Senador Casildo Maldaner, agradeço a V. Exª pelo aparte.

Sr. Presidente, respeitarei o meu tempo, mas ainda devo repetir que os dados apresentados por mim naquela audiência com o Ministro são absolutamente consistentes. Reafirmo que o Governo do Presidente Fernando Henrique teve resultados pífios, e provarei isso. Continuarei debatendo essa matéria, ainda mais depois destes dados novos, que utilizarei no momento da apresentação da emenda constitucional que retira aquela excrescência da Constituição - a disposição de que não podemos mexer nos recursos destinados ao serviço da dívida. Apresentarei esses novos indicadores econômicos, que demonstram a incapacidade, a irresponsabilidade e os comprometimentos da Equipe Econômica do Governo Fernando Henrique Cardoso - que desconheço quais são - com os países desenvolvidos do Hemisfério Norte.

Encerro minha manifestação, reafirmando que o Congresso Nacional tem poderes para interferir na nossa economia e para fazê-la prosperar, promovendo o nosso desenvolvimento e melhorando a vida do povo. Portanto, a revolta da população não pode ser dirigida exclusivamente ao Poder Executivo, mas também ao Congresso Nacional, principalmente aos Partidos governistas, aos Partidos que não fazem no Congresso Nacional o que o povo brasileiro ou a Nação brasileira precisam, mas o que o Poder Executivo determina seja feito. E grande parcela da responsabilidade - eu diria até a maior responsabilidade - pelas dificuldades que o Brasil enfrenta cabe ao Congresso Nacional, e não apenas ao Poder Executivo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ADEMIR ANDRADE EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2001 - Página 18298