Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento contrário à aprovação de acordo entre o Brasil e os Estados Unidos da América para utilização da base de lançamento de foguetes em Alcântara, Maranhão.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Posicionamento contrário à aprovação de acordo entre o Brasil e os Estados Unidos da América para utilização da base de lançamento de foguetes em Alcântara, Maranhão.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2001 - Página 18302
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ANALISE, AVALIAÇÃO TECNICA, SITUAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PREJUIZO, SOBERANIA NACIONAL, DOMINIO, BASE, LANÇAMENTO AEROESPACIAL, ESTADO DO MARANHÃO (MA), LIMITAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, RESTRIÇÃO, ACESSO, AREA, CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCANTARA (CLA).
  • CRITICA, ACORDO INTERNACIONAL, PROIBIÇÃO, COOPERAÇÃO CIENTIFICA, INTERCAMBIO TECNICO, SIGILO, CONTAINER.
  • VISITA, ORADOR, CONVITE, MINISTERIO, DEFESA, REGIÃO AMAZONICA, ELOGIO, EMPENHO, FORÇAS ARMADAS, PROTEÇÃO, FRONTEIRA, REGIÃO NORTE, HOMENAGEM, DIA, EXERCITO.
  • CRITICA, PROPOSTA, SUBSTITUIÇÃO, POLICIA, FORÇAS ARMADAS.
  • CONCLAMAÇÃO, DEBATE, ACORDO INTERNACIONAL, CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCANTARA (CLA), PREJUIZO, SEGURANÇA NACIONAL, SOBERANIA, MANIFESTO, CONGRESSO NACIONAL, REVISÃO, TEXTO.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o tema que estamos abordando é de interesse nacional e de posição já firmada e assumida pelo Partido dos Trabalhadores. E é nesse sentido que faço esse registro e peço a atenção dos ilustres Pares.

É do conhecimento de V. Exªs que está tramitando no Congresso Nacional um acordo internacional entre o Brasil e os Estados Unidos, em que fizemos uma análise técnica, política, voltada à questão da soberania nacional. Consideramos que seja um dos acordos mais lesivos ao nosso País. Inclusive, sem notícia na história mais recente do País, que tem antecedentes na tentativa de ocupação da Amazônia, por meio do tratado da Hiléa Amazônica, no final dos anos 40 e que não prosperou.

Trata-se desse Acordo Internacional Brasil e Estados Unidos, envolvendo a Base de Lançamento de Foguetes de Alcântara, no Estado do Maranhão, que tramita na Comissão de Constituição, Justiça e de Redação, da Câmara dos Deputados. O acordo já tem voto pela rejeição pela rejeição do Relator, o Deputado Waldir Pires, do PT da Bahia, após uma análise de que não estaria totalmente contra os acordos internacionais, em hipótese alguma. O nosso Partido não age assim. Mas, tendo em vista que estamos impedidos pela Constituição Federal de alterar, propor emendas, realmente o conteúdo desse acordo faz com que consideremos que ele seja altamente prejudicial aos interesses nacionais e que levaria qualquer cidadão de boa-fé a duvidar que o texto seja até de total domínio dos integrantes do Governo.

Mas infelizmente o Governo parece estar aí decidido a bancar esse verdadeiro “aluguel” incondicional de parte do Brasil e de sua soberania, o que exige do Congresso Nacional e da sociedade uma postura firme e decididamente contrária a esse Acordo.

Vou, rapidamente, ler o que contêm alguns artigos que deveriam ter uma atenção especial dos nossos ilustres Pares.

O parágrafo E do art. III determina que a República Federativa do Brasil:

Não utilizará recursos obtidos de atividades de lançamento em programas de aquisição, desenvolvimento, produção, teste, liberação, ou uso de foguetes ou de sistemas de veículos aéreos não tripulados, quer na República Federativa do Brasil, quer em outros países.

Portanto, proíbe o Brasil de aplicar os recursos obtidos nesse acordo no avanço do projeto espacial brasileiro. Ele apenas prevê que o recurso iria para um caixa único e que poderão ser utilizados em portos, aeroportos, linhas férreas, enfim, em sistema de comunicação.

Então, é uma questão que entendemos que irá, de certa forma, beneficiar a própria infra-estrutura da base, a serviço dos Estados Unidos, que vão utilizá-la.

O § 3º do art. 4º, por sua vez, determina que as partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar que os participantes norte-americanos mantenham o controle sobre os veículos de lançamento, espaçonaves, equipamentos afins e dados técnicos, ..................................

E que também “o Brasil manterá disponível nos centros de lançamento de Alcântara áreas restritas para o processamento, montagem, conexão e lançamento dos veículos aos norte-americanos. Permitirá, vejam, Srs. Senadores, que somente pessoas autorizadas pelo Governo dos Estados Unidos da América controlem o acesso a essas áreas.

Vejam, Srs. Senadores, que ferirão frontalmente nossa soberania as inspeções de agentes técnicos norte-americanos, sem aviso prévio ao Governo brasileiro, nas áreas restritas e nas áreas reservadas para lançamentos de espaçonaves.

O acordo prevê uma ingerência tão grande e um controle tão explícito que até mesmo os crachás de acesso serão emitidos pelo Governo norte-americano. Srs. Senadores, os brasileiros que estão nos assistindo ou nos ouvindo já devem ter lido algo a respeito dessas medidas, pois já recebemos muita correspondência em relação a este assunto de estudiosos, técnicos e de pessoas leigas manifestando sua preocupação.

O que realmente está acontecendo? Na nossa análise detalhada sobre o assunto, estamos permitindo, com esse acordo, a instalação de uma base norte-americana em Território Nacional. Perguntamos: é isso que o povo brasileiro deseja? O povo está sendo consultado e devidamente esclarecido?

Nós estamos querendo chamar a atenção para o objetivo central desse acordo. Em síntese, está posta uma interferência norte-americana num espaço, num processo e numa área altamente técnica e importantíssima para o desenvolvimento do Brasil e sua integração internacional. Então, penso que não pode o Congresso Nacional, não pode nenhum patriota chancelar esse acordo que está posto.

Há outros artigos que detalharíamos se nós tivéssemos mais tempo. Só vou registrar alguns que mostram a gravidade e o caráter lesivo desse acordo. O art. 7º, em seu parágrafo B, prevê que “os containers lacrados provenientes dos Estados Unidos com material para lançamento não poderão ser abertos para inspeção enquanto estiverem no Brasil”. Ou seja, a Alfândega brasileira será proibida de revistar e inspecionar qualquer remessa de material norte-americano que ingresse em Território Nacional destinado à nossa Base de Lançamento de Satélite de Alcântara.

E isso é extremamente grave, pois, com essa definição, os Estados Unidos poderão internalizar no Território brasileiro o que bem entenderem. Portanto, estamos fazendo esse alerta.

Outro artigo absurdo é o art. 5º, § 1º, que determina: “Este acordo não permite, e o Governo dos Estados Unidos da América proibirá, que “participantes norte-americanos prestem qualquer assistência aos representantes brasileiros no concernente ao projeto, desenvolvimento, produção, operação, manutenção, modificação, aprimoramento, modernização ou reparo de veículos de lançamentos, espaçonaves e/ou equipamentos”.

Isso, além de refletir o grau de submissão imposto pelo acordo, não deixa dúvida sobre o caráter de dependência que ele prevê, ao impedir claramente qualquer transferência de tecnologia ou de conhecimento, mais uma vez atingindo a soberania do País e seu desenvolvimento tecnológico.

Destaco, por fim, um item contido no acordo no art. 5º, § A, que definitivamente sintetiza o espírito de dominação imperialista desse acordo. Diz o parágrafo - aqui acrescento: O Brasil “não permitirá o lançamento, a partir do Centro de Lançamento em Alcântara, de cargas úteis ou veículos de lançamento espacial de propriedade ou sob controle de países, os quais, na ocasião do lançamento, estejam sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança da Nações Unidas ou cujos governos, a juízo de qualquer das partes, tenham dado repetidamente apoio a atos de terrorismo internacional”.

Então, vejam bem, “a juízo de qualquer das partes”: Brasil e Estados Unidos. Aqui temos que resgatar a história internacional. Os Estados Unidos enquadram em terrorismo internacional países como Irã, Iraque, Líbia, Coréia do Norte, mas amanhã podem incluir outros países que firam a lógica comercial, militar ou outro interesse estratégico dos Estados Unidos. Mas o Brasil não tem essa política. O Brasil respeita a autonomia dos países e não se intromete na vida e no desenvolvimento econômico e político nem nos sistemas de governo, sejam socialistas ou comunistas, de outros países.

Vamos agora submeter-nos a interesses e a critérios de terrorismo dos Estados Unidos, quando muitas vezes o terrorismo é patrocinado por eles para submeter os povos, explorar os povos e mantê-los distante da economia e do desenvolvimento internacional?

Portanto, Srs. Senadores, é essa a avaliação que temos de fazer. Não se trata de um acordo meramente comercial, como pretendem vendê-lo - assim diz o Governo. Precisamos ter a consciência de que esse acordo tem caráter altamente político, estratégico e intervencionista, reforçando a idéia, como afirmamos anteriormente, de que se trata, na verdade, da instalação de uma base norte-americana em território brasileiro.

O Relator, Deputado Waldir Pires, da Bahia, sério e respeitado membro do Partido dos Trabalhadores, homem com visão nacionalista, no Relatório que apresentou à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, da Câmara dos Deputados, manifestou-se pela rejeição. Gostaríamos de propor alternativas. A Oposição não é contra só por ser contra. Estamos impedidos. Governos dos países, em acordos internacionais, decidem e o Congresso Nacional aprova ou rejeita. E isso é um atraso, porque aqui o povo está representado e aqui estão os interesses dos Estados, os quais deveriam ser ouvidos. Gostaríamos que, no mínimo, nos fosse concedido o direito a uma proposta de retirada ou de adiamento de prazo para os governos novamente discutirem e chegarem a um entendimento nos pontos que o Congresso Nacional considere prejudiciais.

Não estamos aqui para dizer que esta questão seja menor ou que estejamos negociando qualquer produto. Estamos trabalhando com tecnologia, com desenvolvimento. Por isso, chamamos a atenção do Congresso Nacional, dos nossos ilustres Parlamentares, Deputados e Senadores, e conclamamos as Forças Armadas brasileiras a exigir, sim, uma profunda reflexão, que esteja acima dos interesses momentâneos desse ou daquele governo. Quem estiver no poder no momento que tal assunto vier à tona pode ter certeza de que esta Senadora do Partido dos Trabalhadores estará atenta para discuti-lo. Queremos alertar o Ministério da Defesa Nacional. Respeitamos o Ministro da Defesa Nacional, que segue a política nacional do Governo Fernando Henrique Cardoso. O Ministro, sobretudo, é uma pessoa sensível e, certamente, tem amor ao Brasil e à soberania nacional.

Na década de quarenta, como lembramos no início deste pronunciamento, o Congresso Nacional travou uma luta vitoriosa contra a criação de um enclave semelhante, chamado Hiléia Amazônia, que pretendia, da mesma forma, criar uma zona liberada dentro do Território Nacional. Naquele episódio, as Forças Armadas brasileiras tiveram um papel decisivo ao posicionar-se incondicionalmente contra a adoção do acordo que feria a soberania do País de forma grave, tanto quanto se pretende neste momento. Estamos fazendo uma reflexão, um apelo nacional, para que a sociedade se integre a essa análise.

Quero deixar registrada uma visita recente que tive a oportunidade de fazer, juntamente com outros Congressistas, a convite do Ministério da Defesa, de sua equipe de trabalho. Visitamos o Projeto Calha Norte, na Região Amazônica. Presenciamos o empenho das Forças Armadas brasileiras para proteger nossas fronteiras e garantir a soberania do País em lugares longínquos e inóspitos. Naquela região, pude ver de perto o compromisso assumido desde os altos comandos até o mais simples soldado que, com garra, com bravura, com determinação, estão lá atentos e defendendo as nossas fronteiras.

Faço esta saudação lembrando que o dia 25 de agosto é o dia dedicado a homenagear o Exército brasileiro; e quero saudar, desta tribuna, todos os seus integrantes, porque entendemos que as Forças Armadas do País são o patrimônio da Nação; as Forças Armadas do País são o patrimônio da democracia; as Forças Armadas do País são o patrimônio da grandeza da Pátria; as Forças Armadas são o patrimônio da modernidade cívica e patriótica, tão necessária para manter a soberania e a altivez de nosso País.

Por isso queremos dizer que esse é o exemplo do que tem sido e do que queremos que sejam as Forças Armadas; que elas não sejam colocadas nas ruas substituindo a nossa polícia - esta, nós a queremos melhorada, valorizada, mas não substituída pelo nosso Exército, que teria de abrir mão das suas atribuições ou acumularia atribuições que não são as de defesa da soberania e da segurança nacional. Esse exemplo do que está sendo feito de positivo nesse projeto - e poderíamos tratar de outros - me faz crer que podemos contar com o discernimento, com a visão estratégica, com o espírito de soberania que as Foças Armadas possuem na análise desse acordo que tramita no Congresso Nacional.

            Nesse sentido, Sr. Presidente, encerrando o meu pronunciamento, conclamo mais uma vez toda a sociedade brasileira, incluindo as Forças Armadas brasileiras, o nosso Ministro da Defesa Nacional, para aprofundarmos o debate em torno desse acordo que, além dos limites da Base de Alcântara, abre precedentes e portas para outros tipos de iniciativas. Os termos desse acordo, claros, objetivos e explícitos afastam qualquer pecha de paranóides - como às vezes nós da Oposição somos tachados - e não deixam a menor margem para que sejamos ingênuos ou - como se diria em outros tempos - inocentes úteis. Parece que essa reflexão é necessária.

O Brasil, a Amazônia especialmente, abriga riquezas imensuráveis, além do seu povo: a abundância da água potável, por exemplo, que sabemos que é, sim, alvo da cobiça internacional, que nunca mediu esforços para garantir os seus interesses estratégicos. Portanto, esse acordo entre o Brasil e os Estados Unidos, envolvendo a Base de Alcântara, deve ser a verdadeira preocupação no campo da segurança nacional, seja para nós Parlamentares, seja para as Forças Armadas e, acima de tudo, para o conjunto da sociedade brasileira.

Faço um apelo, Sr. Presidente, para que o Líder do Governo nesta Casa manifeste-se de alguma forma, contrariando ou discordando - e é um direito e o respeitamos - dos nossos posicionamentos, mas que abra pelo menos a oportunidade de uma grande discussão dentro do Congresso Nacional, com a possibilidade até de os dois países interessados e proponentes desse acordo reverem algumas questões que estão postas ali. Admitimos acordos internacionais, queremos a integração e o desenvolvimento do País no campo mundial, em todos os setores, mas com respeito à nossa soberania, à nossa gente, à nossa qualidade técnica, e, principalmente, ao que o povo brasileiro deseja ver, que é a garantia de que o Brasil continue nas mãos dos brasileiros.

Era o registro que eu queria fazer, Sr. Presidente, pedindo que as notas taquigráficas registrem o meu pronunciamento na íntegra, tendo em vista que não li aqui tudo aquilo que gostaria, devido ao adiantado da hora.

Muito obrigada.

 

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SEGUE NA ÍNTEGRA O DISCURSO DA SRª SENADORA EMILIA FERNANDES:

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            Emilia repudia acordo com EUA relativo à base de Alcântara

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Está tramitando no Congresso Nacional, um dos acordos internacionais mais lesivos ao Brasil sem notícia na história mais recente do país, que tem antecedentes na tentativa de ocupação da Amazônia, por meio do Tratado da Hiléia Amazônica, no final dos anos quarenta. Trata-se do Acordo entre o Brasil e os Estados Unidos envolvendo a Base de Lançamento de Foguetes de Alcântara, no Maranhão, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O acordo, em tese, interessa ao Brasil por aportar recursos financeiros pela concessão da Base, e aos Estados Unidos por trazer uma elevada economia de combustível nos lançamentos, devido à proximidade de Alcântara da linha do Equador.

            O acordo já tem voto pela rejeição integral, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, apresentado pelo Relator, Deputado Waldir Pires, do PT da Bahia - uma vez que este tipo de matéria (acordos internacionais) não permitem emendas ou qualquer outro tipo de alteração. Os termos do acordo são tão explicitamente prejudiciais aos interesses nacionais, que levaria qualquer cidadão de boa-fé a duvidar de que o texto seja do total domínio dos integrantes do Governo. Mas, infelizmente, o Governo Federal parece estar decidido a bancar esse verdadeiro “aluguel” incondicional de parte do Brasil e de sua soberania, o que exige do Congresso Nacional e da sociedade uma postura firme e decididamente contrária ao acordo.

Vamos, então, ao que dizem alguns artigos, que por si só evidenciam o crime de lesa-pátria que se pretende cometer contra os interesses do Brasil.  
O parágrafo E do Artigo III determina que a República Federativa do Brasil  
“Não utilizará recursos obtidos de Atividades de Lançamento em programas de aquisição, desenvolvimento, produção, teste, liberação, ou uso de foguetes ou de sistemas de veículos aéreos não tripulados (quer na República Federativa do Brasil quer em outros países”.

Mas a coisa é ainda mais grave do que sugere o texto do artigo. Além de impedir o uso dos recursos, o texto prevê que os recursos só poderão ser utilizados em portos, aeroportos, linhas férreas, sistemas de comunicação etc. Ou seja, em iniciativas que, depois, beneficiarão exatamente a infra-estrutura da própria Base - a serviço dos Estados Unidos.

O parágrafo 3 do Artigo IV, por sua vez, determinada que: 
- Em qualquer Atividade de Lançamento, as partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar que os participantes norte-americanos mantenham o controle sobre os Veículos de Lançamento, Espaçonaves, Equipamentos Afins e Dados Técnicos, a menos que de outra forma autorizado pelo Governo dos Estados Unidos da América. Para tal finalidade, o Governo da República Federativa do Brasil manterá disponível no Centro de Lançamento de Alcântara áreas restritas para o processamento, montagem, conexão e lançamento dos Veículos de Lançamento e Espaçonaves por licenciados norte-americanos e permitirá que pessoas autorizadas pelo Governo dos Estados Unidos da América controlem o acesso a essas áreas ...”.

Ainda neste mesmo terreno, temos o parágrafo 2 do Artigo VI, estabelecendo que:

As partes assegurarão que somente pessoas autorizadas pelo Governo dos Estados Unidos da América controlarão, vinte quatro horas por dia, o acesso a Veículos de Lançamento, Espaçonaves, Equipamentos Afins e Dados Técnicos e as áreas restritas referidas no Artigo IV, parágrafo 3, bem como o transporte de equipamento, componentes, construção, instalação, conexão, desconexão, teste e verificação, preparação para lançamento, lançamento de Veículos de Lançamento e Espaçonaves, e o retorno dos Equipamentos Afins e dos Dados Técnicos aos Estados Unidos da América ...”

Estas duas medidas contidas no acordo ferem frontalmente qualquer sentido de soberania, ao permitir inspeções sem aviso prévio ao governo brasileiro, tanto nas áreas restritas, quanto nas áreas reservadas para lançamentos de espaçonaves. A ingerência, por um lado, e o controle por outro, é tão explícito que o acordo prevê que até mesmo os crachás de acesso serão emitidos pelo governo norte-americano. Com essas medidas, Senadores e Senadoras, brasileiros que nos assistem, de Sul a Norte do Brasil, estamos permitido a instalação de uma base norte-americana em Território Nacional!

É disso que se trata, na verdade, a síntese, e o objetivo central desse acordo, que nenhum patriota pode apoiar e, mais do que isso, em nosso caso, dar a chancela do Congresso Nacional brasileiro. Mas, outros artigos demonstram ainda com mais gravidade o caráter lesivo deste acordo, como o de número VII, em seu parágrafo B, que prevê que “os containers lacrados provenientes dos EUA com material para lançamento não poderão ser abertos para inspeção enquanto estiverem no Brasil”. Ou seja, a Alfândega brasileira será proibida de revistar e inspecionar qualquer remessa de material norte-americano que ingresse em território nacional. Isso é extremamente grave, pois com essa definição, os estados unidos poderão internalizar no território brasileiro o que bem entenderem (apesar de terem de apresentar uma lista dos itens contidos nos containers).  
Outro Artigo absurdo é o de número V, novamente, em seu parágrafo I, que determina que “este acordo não permite, e o Governo dos Estados Unidos da América proibirá, que participantes norte-americanos prestem qualquer assistência aos representantes brasileiros no concernente ao projeto, desenvolvimento, produção, operação, manutenção, modificação, aprimoramento, modernização ou reparo de Veículos de Lançamento, Espaçonaves e/ou Equipamentos ...”.

Isso, além de novamente refletir o grau de submissão imposto pelo acordo, não deixa dúvida sobre o caráter de dependência que ele prevê, ao impedir, claramente, qualquer transferência de tecnologia ou de conhecimento.

Por fim, destaco mais um item do acordo, contido Artigo V, parágrafo A, que definitivamente sintetiza o espírito de dominação imperialista desse acordo.

Diz o parágrafo:

“(O Brasil) não permitirá o lançamento, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, de Cargas Úteis ou Veículos de Lançamento Espacial de propriedade ou sob controle de países os quais, na ocasião do lançamento, estejam sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou cujos governos, a juízo de qualquer das partes, tenham dado, repetidamente, apoio a atos de terrorismo internacional”.

Hoje, dentro da definição norte-americana de terrorismo internacional - é bom que se diga - enquadram-se países como Irã, Iraque, Líbia mas, amanhã, podem estar incluídos quaisquer outros países que firam a lógica comercial, militar ou outro interesse estratégica daquele país.

Com o exposto, e tudo o mais, não apenas o Brasil perde totalmente a autonomia de utilizar a sua base como melhor entender, mas também, e o mais grave, sem controle nacional, os Estados Unidos poderão lançar, desde o nosso território, por exemplo, satélites espiões contra nações com as quais mantenhamos boas relações, provocando sérios constrangimentos diplomáticos.

Aqui, portanto, Srªs e Srs. Senadores, o acordo deixa de ser “meramente” comercial, como pretendem vendê-lo, para assumir totalmente seu caráter político, estratégico e intervencionista, reforçando a idéia, como afirmamos anteriormente, de que se trata, na verdade, repetimos, da instalação de uma base norte-americana em território brasileiro.

Assim como defendeu em seu Relatório, Deputado Waldir Pires, esclarecemos que também não nos posicionamos contrariamente ao uso comercial do Centro de Lançamentos de Alcântara, e muito menos a cooperação com outros países, no âmbito dos usos pacíficos do espaço exterior. Um acordo para ser aceitável deveria, no mínimo, assegurar a ambas as partes a proteção da tecnologia sensível, o acesso às áreas restritas e os eventuais vetos políticos de lançamentos. Também, deveria não impor nenhum tipo de restrição à utilização dos recursos provenientes do acordo, garantir o direito de inspeção e controle alfandegário ao Brasil, bem como permitir a transferência de tecnologia para outros países.

Diante disso, lembramos, e chamamos a atenção das Forças Armadas Brasileiras para o fato, que exige uma profunda reflexão, além dos interesses momentâneos deste, ou de qualquer governo. Na década de quarenta, como lembramos no início deste pronunciamento, o Congresso Nacional travou uma luta vitoriosa contra a criação de um enclave semelhante - chamado Hiléia Amazônica - que pretendia, da mesma forma, criar uma zona liberada dentro do território nacional. Naquele episódio, as Forças Armadas Brasileiras, tiveram um papel decisivo, ao posicionar-se incondicionalmente contra a adoção do acordo que feria igualmente a soberania do país, de forma tão grave quanto se pretende neste momento.

Recentemente, inclusive, visitamos o Projeto Calha Norte, no qual presenciamos o empenho das Forças Armadas Brasileiras em proteger as nossas fronteiras, e garantir a soberania do país, em lugares longínquos e inóspitos. Naquela região, pude ver de perto o compromisso, desde os altos comandos, até nossos soldados - que neste dia 25 de agosto tem seu dia -, com a defesa de nossa Pátria brasileira. Este exemplo me leva a acreditar que podemos contar com o discernimento, a visão estratégica e o espírito de soberania das Forças Armadas Brasileiras na análise deste acordo que tramita no Congresso Nacional.

Por isso, entendemos que esta preocupação, sim, deve estar presente no dia-a-dia dos organismos responsáveis por zelar pela segurança, pela soberania e pelos interesses nacionais. É um profundo equívoco o que determinados setores, que atendendo interesses momentâneos de governo, vêm fazendo, ao promover, de forma ilegal e inconstitucional, a espionagem de organizações, movimentos ou pessoas. Esse tipo de ação, infelizmente de triste lembrança entre nós, mas superado historicamente, não pode servir, neste momento, a atender interesses claramente vinculados a um processo que aposta na dependência nacional, na abdicação de nossa soberania e no desmantelamento do Estado e da Nação brasileira.

Nesse sentido, concluindo o meu pronunciamento, conclamo a toda a sociedade, incluindo as Forças Armadas Brasileiras, a aprofundar o debate em torno deste acordo que, além dos limites da Base de Alcântara, abre precedentes e portas para outros tipos de iniciativas.

Os termos desse acordo - claros, objetivos, explícitos - afastam qualquer pecha de “paranóia”, e não deixam a menor margem para que sejamos ingênuos, ou, como se diria em outros tempos, inocentes úteis.

O Brasil, a Amazônia especialmente, abriga riquezas incomensuráveis - como água, por exemplo - e são alvo evidente da cobiça internacional, que nunca mediu esforços para garantir os seus interesses estratégicos.

Portanto, este acordo entre Brasil e Estados Unidos envolvendo a Base de Alcântara deve ser, neste momento, a verdadeira preocupação no campo da segurança nacional, seja para nós, Parlamentares, para as Forças Armadas Brasileiras, e, acima de tudo, para o conjunto da sociedade brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2001 - Página 18302