Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa do instituto do voto secreto.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • Defesa do instituto do voto secreto.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2001 - Página 18339
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA, EXCLUSÃO, PROCEDIMENTO, VOTO SECRETO, DEFESA, IMPORTANCIA, REFORÇO, DEMOCRACIA, ELOGIO, ESTUDO, INSTALAÇÃO, SISTEMA, IDENTIFICAÇÃO, DATILOSCOPIA, OBJETIVO, EXCLUSIVIDADE, ACESSO, APERFEIÇOAMENTO, SEGURANÇA, VOTAÇÃO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, RESULTADO, VOTAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, SUGESTÃO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, OBJETIVO, RESGATE, PROBIDADE, LEGISLATIVO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os episódios recentes que envolveram a violação do painel eletrônico no Senado trouxeram à baila uma discussão que, vez por outra, retorna à cena política: o instituto do voto secreto.

A partir da celeuma levantada, aqueles que sempre advogaram o fim dessa modalidade de processo decisório vieram a público para responsabilizar o voto secreto pelo episódio.

Embora não me seja fácil vir a público defender a posição oposta, não posso me escusar de fazê-lo, pois estamos correndo o risco de cometer um grande equívoco, se extinguirmos esse procedimento. Pois o voto secreto existe, principalmente, para preservar os Parlamentares de pressões indevidas. E sua extinção de maneira alguma favorecerá a democracia, como tem sido propagandeado pelos opositores desse sistema.

Se alguma falha de natureza técnica houve, que ela seja corrigida. Existem tecnologias bem capazes de superar problemas de segurança no processamento eletrônico do voto. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, está estudando a instalação de um sistema de impressão digital para acessar a rede interna de computadores. Com esse sistema, ninguém, além do próprio usuário, terá acesso a determinadas senhas. Enfim, esse é só um exemplo de como os sistemas de votação e a segurança deles podem ser aperfeiçoados.

Sei que a posição mais fácil é a de defender o fim do voto secreto. Entretanto, os lamentáveis episódios que levaram à renúncia de dois Senadores da República dizem respeito não ao mau uso do voto secreto, mas justamente à tentativa de frustrar a votação secreta.

Vejamos agora os casos em que é prevista a votação secreta:

Pelo Regimento Interno do Senado Federal (art. 291), a votação será secreta em três situações: as determinadas constitucionalmente, nas eleições, ou por determinação do Plenário.

As votações secretas determinadas pela constituição são as seguintes:

·     Exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República (CF, art. 52, XI);

·     Perda de mandato de Senador, nos casos previstos no art. 55, § 2º;

·     Prisão de Senador e autorização da formação de culpa, no caso de flagrante de crime inafiançável (art. 53, § 3º);

·     Suspensão das imunidades de Senador durante o estado de sítio (art. 53, § 7º);

·     Escolha de autoridades (art. 52, II);

·     Apreciação de veto presidencial (art. 66, § 4º).

Os outros dois casos de votação secreta são determinados apenas regimentalmente: eleições e por decisão do Plenário.

A exoneração do Procurador-Geral e a escolha de autoridades, entre eles Ministros de Tribunais, Diretores do Banco Central e Embaixadores envolvem o mesmo tipo de lógica: a liberação do parlamentar de pressões indevidas. Não deixam de ser cargos que envolvem poder (jurídico, financeiro, diplomático). E, obviamente, mobilizam interesses, seja para a aprovação da nomeação da pessoa, seja para rejeitá-la. E a identificação dos votos pode provocar retaliações por parte daqueles que tiverem seus interesses contrariados.

No caso da indicação dessas autoridades, existe um compartilhamento, digamos assim, da responsabilidade pela indicação. Embora caiba ao Presidente da República fazer a indicação das autoridades, compete ao Senado apreciar tais indicações e, eventualmente, exercer algum tipo de veto ao indicado. Mas esse veto é da coletividade (comissão ou plenário) e não de um ou outro parlamentar. Desse modo, a eventual responsabilidade pela rejeição de um indicado recai não sobre alguns Senadores, mas sobre a Casa como um todo. Se o Presidente da República responde pessoalmente pelas decisões tomadas, o mesmo não ocorre com o Parlamento, que toma deliberações coletivamente. O que interessa ao público, aos eleitores, à cidadania é o resultado dessa votação e não a posição individual de cada um deles.

A escolha de uma autoridade é diferente da aprovação ou não de uma matéria legislativa. Na apreciação de qualquer projeto, o Parlamentar tem a obrigação de se manifestar publicamente sobre sua escolha, pois se trata de uma política pública de interesse da nacionalidade e que está diretamente vinculada ao perfil político do parlamentar e de sua base de sustentação. Nesse caso, jamais se poderá colocar em dúvida o caráter público da votação.

Já a apreciação de um nome para ocupar um cargo se assemelha mais a uma decisão de caráter administrativo e que não envolve, ou quase nunca envolve, escolhas de natureza doutrinária. Para a escolha de um representante diplomático, são verificados quesitos de interesse da nacionalidade brasileira e não a defesa de uma plataforma de um determinado partido. Em caso extremo, se a indicação daquela pessoa para o cargo de representante ameaçar de algum modo a imagem do País, o Senado sempre poderá rejeitar a indicação. Uma indicação, relembro, que é do Presidente da República, responsável pela Administração Pública. O que é muito natural em um regime presidencialista. Fôssemos nós um regime parlamentarista, a escolha de uma autoridade mudaria completamente de figura, pois se trataria da escolha de um nome para conduzir os negócios de Estado. Aí, sim, a votação deveria ser aberta.

O mesmo raciocínio é válido para os cargos de tribunais superiores, em que os requisitos de competência técnica, idoneidade e outros já terão sido considerados pela autoridade responsável pela indicação. Ao Senado caberia, se fosse o caso, um veto àquela indicação. E, nesse caso, não seria um veto de “senadores”, considerados individualmente, mas da Casa como um todo.

Quem é responsável pela condução da política financeira do País? O Presidente da República. Quem responde, inicialmente, pelas escolhas monetárias, cambiais, financeiras? O Presidente da República. Então, não cabe identificar o Senador “A” ou a Senadora “B” como responsáveis pela indicação do Presidente do Banco Central. Caberá, sim, um veto a um nome que seja prejudicial ao Brasil. E, novamente relembro, esse veto é assumido pelo Senado, coletivamente.

Vejamos, agora, os casos que envolvem a prisão, formação de culpa, suspensão de imunidades e cassação de Parlamentares. Nesses casos, o Senador estará agindo como um jurado de um dos seus Pares e, nessa condição, precisa gozar da mais perfeita independência. As decisões serão tomadas pela regra de maioria, que privilegia o colegiado. Assim, um parlamentar deve se sentir absolutamente livre de pressões de qualquer natureza, sejam elas pessoais, ideológicas, partidárias. E, do mesmo modo, deve estar livre de eventuais retaliações por parte daquele que sofreu a cassação ou prisão, por autorização do Senado.

No caso da apreciação de vetos presidenciais, o Parlamentar precisa estar livre de eventuais pressões do poderoso Executivo. Faz parte do processo de formação de leis a aprovação pelo Parlamento, assim como o veto por parte do Executivo. E a aceitação ou rejeição do veto faz voltar a decisão para o corpo legislativo, que deve agir com liberdade para acatar ou não o veto presidencial. Em um país como o nosso, em que o Executivo concentra grandes poderes, não é incomum que os Parlamentares se vejam coagidos a aceitar injunções feitas pelo Executivo. No caso de um veto, é claro que o Executivo não quer ser derrotado; e lançará mão dos meios a seu alcance para preservar sua posição. Mas ao parlamentar, mais que a vontade do Executivo, cabe levar em conta o que é melhor para o País. Por isso, defendo a manutenção da votação secreta, nos casos de apreciação de vetos.

Nos casos de eleições, o Senador atua como eleitor. E o que lhe assegura a garantia do segredo de voto é o mesmo princípio que garante a independência do eleitor comum, quando este vai às urnas escolher seus representantes. Semelhantemente aos outros casos, o voto secreto serve para resguardar o Parlamentar e não para ferir a democracia. Não caberia, pois, rever essa regra regimental.

Assim sendo, Srªs e Srs., quero propor que se discuta não a extinção do voto secreto, mas a moralização do Poder Legislativo. E essa moralização depende da atitude pública dos Parlamentares. Depende do compromisso dos Senadores e Deputados com os seus eleitores. O Congresso existe para dar voz aos anseios populares. Constitui-se na esfera de poder mais acessível e, por isso, mais suscetível às pressões populares. Nem por isso, deve estar tão vulnerável a ponto de se sentir coagido por pressões, na maior parte das vezes ecoadas pela imprensa, na hora de decidir.

Haverá muitos casos em que o instituto do voto secreto se constitui no mecanismo que possibilita uma “virada de mesa” contra uma maioria esmagadora e, não necessariamente, justa ou democrática. A própria votação do Senador Luiz Estêvão foi exemplo disso. Não obstante todas as críticas ao chamado corporativismo parlamentar, mesmo sendo ele, à época, membro de um Partido com Bancada significativa; apesar de propagandear amizades e lealdades aqui e ali, por esse ou aquele motivo, foi cassado. Entenda-se: a cassação foi decidida pela regra de funcionamento do Parlamento, ou seja, apoio da maioria. E não pela posição de “A” ou “B”. Se não fosse assim, enfraqueceríamos sobremaneira o legislativo. Não seria necessário o convencimento dos Parlamentares, individualmente; bastaria ter o apoio de um líder de um grande Bloco Parlamentar ou Partido e a questão estaria resolvida. E, num caso como esse, é necessário que os Parlamentares se posicionam de maneira independente em relação a Partidos, Bancadas, Lideranças, ou mesmo opiniões públicas contrárias.

Portanto, Srªs e Srs., repudio qualquer tentativa de mudar a garantia do voto secreto. Pois ele, ao contrário do que se apregoa, faz parte da lógica que sustenta o funcionamento do legislativo.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2001 - Página 18339