Discurso durante a 96ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro de sua participação, no último dia 17 do corrente, em Fortaleza, do fórum de debates que discutiu o "Futuro das livrarias (independente) num mundo globalizado", ocasião em que apresentou o texto "O livro, esse guardião do saber".

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Registro de sua participação, no último dia 17 do corrente, em Fortaleza, do fórum de debates que discutiu o "Futuro das livrarias (independente) num mundo globalizado", ocasião em que apresentou o texto "O livro, esse guardião do saber".
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/2001 - Página 17670
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, DEBATE, FUTURO, EMPRESA COMERCIAL, VENDA, LIVRO, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, ATENDIMENTO, CONVITE, SINDICATO, COMERCIO VAREJISTA, ESTADO DO CEARA (CE), SOLICITAÇÃO, ANEXAÇÃO, ESTUDO, ASSUNTO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, atendendo a convite do Sindicato do Comércio Varejista de Livros do Estado do Ceará - SINDILIVROS, tive a oportunidade de participar, em 17 de agosto p. passado, em Fortaleza, do Fórum de Debates que discutiu O Futuro das Livrarias (independentes) num mundo globalizado, onde apresentei o texto que anexo a este pronunciamento, para conhecimento deste Plenário.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR LÚCIO ALCÂNTARA EM SEU DISCURSO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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 O LIVRO, ESSE GUARDIÃO DO SABER1

            Lúcio Alcântara2

            SUMÁRIO

            Neste breve estudo, traçamos um perfil da situação do livro no Brasil, buscando enfocar os principais aspectos desse produto cultural, particularmente o acesso ao livro e sua função em nossa sociedade.

            A principal constatação é a de que o mercado brasileiro do livro pode crescer muito mais, mas há fatores impeditivos como o alto preço deste, o que contrasta com o baixo poder aquisitivo de segmentos consideráveis da população brasileira.

            Políticas governamentais de fomento ao livro trazem benefícios, mas também podem ser prejudiciais. Portanto, precisam ser melhor equacionadas. O principal benefício é o de levar, gratuitamente, o livro para milhões de crianças que, sem tal mecanismo, não teriam acesso a esse bem técnico e cultural. Por outro lado, em função de o governo adquirir os livros centralizadamente (de editores e grandes distribuidores), a empresa livreira local perde, pois deixa de intermediar essa transação; ou seja, ao não poder comercializar o livro para o maior mercado consumidor, o pequeno negociante é enfraquecido.

            Outras políticas governamentais, como o incentivo à leitura, a instalação de bibliotecas em municípios que ainda não a têm, devem levar em conta a comunidade “local”. Não apenas o livreiro, mas o autor, os mediadores (professores) e a preferência do consumidor (alunos e leitores adultos).

            Com respeito às novas tecnologias (livro eletrônico, principalmente), não há ameaças imediatas às lojas tradicionais, levando-se em conta que os consumidores, que já têm dificuldade de adquirir o livro de papel, não terão acesso, a curto prazo, a esses equipamentos, de custo ainda elevado.

            I. A INDÚSTRIA LIVREIRA NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

            Para abordar o futuro da empresa livraria independente num mundo globalizado, colocamo-nos a seguinte questão-chave: em que medida o chamado processo de globalização afeta o mercado livreiro independente?

            Como desdobramento dessa questão, é preciso considerar o impacto das novas tecnologias de informação e de veiculação da informação, os processos de concentração econômica característicos desta fase do capitalismo, assim como o papel dos leitores-consumidores. Para nos acercarmos dessas questões, não podemos deixar de considerar a importância do livro para a emancipação cultural, política e econômica do povo brasileiro.

            A chamada globalização, segundo seus defensores, representaria uma espécie de “redenção” dos (povos e países) não incluídos nas benesses do capitalismo, uma vez que as barreiras geográficas deixariam de ser impeditivas de fluxos de informação, de mercadorias, de tecnologias. Mas, por outro lado, segundo os críticos da globalização, esta não deixa de ser uma reciclagem de velhos processos de dominação e de colonização. Começando pelo termo “globalização”, de global, em inglês; os franceses, por exemplo, ao se referirem ao mesmo fenômeno, chamam-no de mondialisation (mundialização). Desse ponto de vista, a colonização (de origem anglo-americana) começaria pelo próprio termo designativo do processo.

            Qualquer que seja a visão, a globalização (ou mundialização) não deixa de carregar consigo o aumento da velocidade de trocas e a concentração de meios.

            As trocas podem ser tanto as informacionais quanto as monetárias e de mercadorias.

            A concentração de meios se revela, por exemplo, pelas associações empresariais em determinados setores (bancos, supermercados). Essa concentração leva a uma assimetria no poder sobre as formas simbólicas (noticiosos, vídeos, filmes, clipes musicais, publicidade, livros) veiculadas; ou seja, são cada vez menos os grupos detentores dos meios, em detrimento da grande maioria de consumidores, que têm pouco ou nenhum poder sobre as decisões de produção.

            Tomemos uma analogia de um fenômeno mais fácil de observar, o da mídia eletrônica. No campo televisivo, por exemplo, com a tecnologia dos satélites, a concentração tem aumentado dramaticamente, pois é possível gerar um mesmo programa e difundi-lo para diversos outros países, simultaneamente. Essa tendência tem se estendido, com a concentração, em um número reduzido de companhias, de vários serviços de entretenimento e informação. Tomando a Time-Warner como exemplo, vemos que, já na década de 80, era um dos maiores conglomerados de comunicação dos Estados Unidos, com subsidiárias também na América Latina, Austrália e Europa. Outro exemplo é fornecido por Ruppert Murdoch, que detinha, em 1989, 35% do mercado de jornais da Inglaterra, e 2/3 dos jornais da Austrália, além de TVs a cabo e por satélite. A atuação de Murdoch fornece a evidência do caráter transnacional da indústria da mídia.

            Um sinal dramático da assimetria na produção e distribuição das formas simbólicas está no fato de que, na América Latina, em 1983, 46% do tempo de difusão das emissoras era preenchido por programas importados dos Estados Unidos; e que 77% de todo o material importado provinha daquele país. Contrastivamente, apenas 2% do tempo de difusão nos Estados Unidos provinha de importações.

            Não é à toa que citamos o caso da mídia. Pelo menos no segmento de literatura (talvez, também, no de religiosos e auto-ajuda), há uma tendência de o comportamento ser semelhante ao de outros produtos de entretenimento: o fenômeno conhecido dos best sellers (literários ou não) é o maior exemplo disso. Harry Potter já chega ao Brasil como “mais vendido”, seguindo uma “onda mundial” de aceitação do menino mágico. Nesse ponto, não deixa de haver uma confluência de interesses de mídia e editores. Uma confluência que não deixa de ser de natureza econômica. Não é incomum que jornais e revistas tenham substituído as antigas páginas de críticas literárias por resenhas preparadas pelas próprias editoras que, por sua vez, são anunciantes desses mesmos jornais e revistas.

            Outro fator considerável da globalização é a transferência de centros comerciais tradicionais pelos shopping centers. Se, por um lado, trazem conforto para comerciantes e consumidores, não deixam de excluir parcela considerável da população. Não são todos os que têm acesso aos shoppings e, principalmente, não são todos os que têm condições de adquirir produtos nesses centros comerciais.

            Essa concentração de consumo em centros comerciais voltados para a classe média tem levado à implantação de conjuntos de salas de cinemas e, também, de livrarias. Segundo o Presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), os shopping centers têm se revelado como o melhor lugar para situar livrarias. Essa tendência tem levado, por sua vez, à implantação das chamadas megastores e livrarias de rede, que possuem recursos para bancar os custos dos shoppings. Já o pequeno comerciante, com capital de giro reduzido, tem dificuldade de localizar sua loja nesses centros. Uma consulta à lista das megastores revela sua presença predominante em shopping centers. As livrarias de rede, igualmente, concentram-se nesses locais e nos aeroportos, ou seja, em locais de circulação de um público privilegiado financeiramente.

            Do ponto de vista da participação de autores nacionais e estrangeiros, os primeiros mantêm ainda uma franca maioria, com 85% dos títulos e 92% dos exemplares editados. Talvez exatamente por isso, esteja havendo um interesse de editoras estrangeiras no mercado nacional. Na última Bienal do Livro no Rio de Janeiro (maio de 2001), o país homenageado foi a Espanha, com estandes, presença de autores, etc. Não por acaso, este ano aumentou consideravelmente o número de traduções de autores espanhóis para o Português.

            II. EM BUSCA DA HISTÓRIA DO LIVRO

            O “livro” como o conhecemos até pouco tempo atrás, ou seja, um suporte físico em papel para narrativas, textos técnicos, científicos, legais e religiosos está diretamente vinculado à difusão da imprensa no Ocidente, a partir da revolução iniciada por Gutenberg. Desse ponto de vista, o livro - os outros tipos de impresso - são, eles próprios, constituidores e parte do que hoje chamamos de globalização.

CRONOLOGIA
2300 a.C. Os egípcios usam o papiro para fixar a escrita.
750 a.C. Os gregos adaptam a escrita fenícia.
310 a.C. Ptolomeu I funda em Alexandria uma biblioteca para abrigar a produção da escrita.
Séc. II a.C. É desenvolvido o pergaminho para fixação da escrita.
105 a.C. Chineses inventam o papel.
793 O papel é disseminado no mundo árabe.
séc. XII Predomínio da leitura silenciosa sobre a leitura em voz alta.
1270 É construído na Itália o primeiro moinho de papel.
c. 1450 Gutenberg apresenta o primeiro exemplar impresso da bíblia (início da era do livro manufaturado).
séc. XVI Expansão da indústria tipográfica pela Europa.
séc. XVIII Expansão da alfabetização e da imprensa entre a população.
Sécs. XIX e XX Escolarização obrigatória da população infantil.
Final do séc. XX e início do XXI Disseminação da tecnologia digital (CD-Rom, multimídia, e-book).

            (Zilberman, 2001)

            A história do livro está associada, fortemente, a duas variáveis: a codificação e disseminação de conhecimentos (literatura técnica e científica) e à formação cultural.

            No que respeita ao conhecimento, isso se dá, principalmente, pela associação feita entre livros e educação, ou seja, pela transmissão e guarda de conhecimentos científicos e técnicos na escola, por intermédio dos livros.

            A leitura é difundida na escola pelos gregos desde o séc. VI a.C., intensificada no séc. IV a.C. e seguintes. E o consumo de livros já existia desde o séc. V a.C., provavelmente com a finalidade de educar a juventude.

            Os primeiros livros didáticos, entre eles a Retórica, de Aristóteles (360-355 a.C.). Segundo Zilberman (2001), “os estudos nas escolas incluíam quatro assuntos básicos: ‘grammatike (linguagem), mousike (literatura), logistike (aritmética) e gymnastike (atletismo)’. A interpretação histórica e estilística da obras literárias servia de base para a aprendizagem dos meninos, o que não só assegurou a sobrevivência do patrimônio poético helênico, como atribuiu à escrita e à leitura a tarefa de introduzir a mocidade no mundo cultural e pedagógico.”

            Os romanos também cultuam a leitura no espaço da escola e a difundem por todo o seu império. Um salto importante na história do livro ocorre no século III d.C., com a substituição do rolo (volumen) pelo códex, formato aproximado ao que tem hoje o livro. Essa mudança “tecnológica” terá sido significativa para incentivar a leitura silenciosa, o que representou uma revolução “tão ou mais significativa que a invenção da imprensa.” (Zilberman, 2001)

            Outra mudança fundamental foi a separação das palavras escritas. Esse expediente facilita a leitura, que se torna exercício escolar, saindo dos monastérios e passando para as universidades, que iniciavam sua expansão.

            Grandes transformações no ensino foram provocadas pelo capitalismo, em que a burguesia disputava poder com a nobreza. Para tanto, utilizava a educação como arma pelo poder político e econômico, tendo o livro como um dos veículos principais. Ainda mais que as novas fábricas exigiam trabalhadores qualificados. “Escolarizar a população torna-se palavra de ordem, começando pela alfabetização em massa.” (Zilberman, 2001)

            Dando um salto para épocas mais recentes, temos o exemplo da França que, desde a segunda metade do séc. XIX (Chartier in: Evangelista, 1999, p. 51), associa-se o aprendizado das ciências à literatura juvenil de entretenimento. Júlio Verne é fruto desse casamento. Com seus livros, que viriam a inaugurar a chamada ficção científica, estão presentes, na forma de narrativas fantásticas, os conhecimentos científicos acumulados até então e mais o que a imaginação permitia.

            Não é à toa que, mesmo antes da imprensa, o aparecimento das primeiras universidades européias serve para fomentar o comércio de obras escritas, produzidas manualmente por copistas (Zilberman, 2001: p. 120).

            Do ponto de vista cultural, a literatura, entendida basicamente pela ficção e pela poesia, responde pela vitalidade dos livros. Tanto as narrativas quanto os poemas já existiam antes da “invenção” do livro. Portanto, o que o livro faz é reunir obras de arte, filosóficas, científicas e tecnológicas num aparato físico, e, assim, possibilitar a reprodutibilidade e, por conseqüência, sua mercadorização de um “bem imaterial”.

            Com a introdução da técnica de impressão no século XV, houve um incremento nas possibilidades de transmissão cultural, pois esse meio técnico - a imprensa - permitia um distanciamento no espaço e no tempo; permitia, também, a fixação e a estocagem dos bens culturais o que, por sua vez, facultava que seus produtos pudessem ser reproduzidos, distribuídos e sobre eles se fixassem preços (Thompson, 1995).

            A busca pela universalização do ensino tem sido o grande motor da expansão dos livros, tanto os técnicos e científicos quanto os literários. Hoje, escolas e universidades são os principais centros mediadores de acesso aos livros.

            Com a consolidação da chamada “indústria cultural”, o livro, a par de toda sua aura de “guardião” do saber, tem sido tratado cada vez mais como uma “mercadoria”, um “bem cultural”, como outros. E, desse ponto de vista, seus processos de produção, distribuição e consumo passam a ser mais e mais afetados pelas leis de mercado e cada vez menos orientados para a difusão do saber.

            Procuraremos, agora, explorar as vinculações econômicas e políticas ligadas ao livro.

            III. ASPECTOS ECONÔMICOS LIGADOS AO LIVRO

            É inegável que o viés econômico em torno do livro tem-se tornado cada vez mais determinante, em detrimento do seu valor cultural, educativo e social. Desde que Gutenberg imprimiu a primeira bíblia e inaugurou o processo industrial, o livro está ligado a decisões de natureza econômica que não podem deixar de ser considerados. Como não poderia deixar de ser, esse viés econômico se vincula a questões de poder. Tanto o poder de quem detém os meios econômicos quanto o de quem detém os meios políticos (permissão governamental para imprimir ou não) ou o poder simbólico (censura religiosa).

            Em primeiro lugar, tomemos o livro a partir de seus principais processos: produção, distribuição e consumo. Na ponta da produção encontramos o processo de industrialização, como dominante. Os autores e escritores, embora indispensáveis para a existência material dos livros, não têm tanto poder de decisão sobre “o quê”, “quando” e “o quanto” publicar, decisões que levam em conta aspectos financeiros.

            Nos custos do livro, o percentual destinado ao autor é mínimo, apesar de ser esse quem sustenta a aura de criador. Raros são os autores, como é o caso de Rachel de Queirós, que podem se beneficiar dos dividendos de sua obra. Na década de 90, de posse de seus direitos autorais, colocou-os em leilão, obtendo uma quantia considerável como retorno. Não obstante, a própria Rachel reconhece que nunca “viveu de literatura”. Seu sustento provinha basicamente de seu trabalho como jornalista (cronista) para revistas e jornais, atividade que vem exercendo ininterruptamente por mais de 60 anos.

            Como artefato industrial, a confecção de um livro envolve a indústria de máquinas para gráfica, a indústria gráfica, e as editoras propriamente ditas.

            Num relance da situação da indústria de máquinas, podemos ver que há um crescente interesse de empresas alemãs e japonesas em investirem no Brasil, cujo parque gráfico está em expansão. Essas decisões de investimento levam em conta não o virtual benefício cultural ou educativo do livro, mas razões de mercado. São feitas perguntas como: “o parque gráfico está se expandindo? É mais barato instalar uma planta industrial no Brasil que exportar para cá as máquinas?” Se essas máquinas e equipamentos eletrônicos imprimirão embalagens de sabão em pó ou livros, tal fato lhes é indiferente. Se imprimirão revistas de fofocas ou clássicos da literatura, também é indiferente.

            A indústria gráfica brasileira tem despertado o interesse de multinacionais, que vêm investindo em aquisições e fusões, o que indica um certo vigor econômico. No mercado brasileiro, até agora, tem predominado o pequeno industrial. Se, pelo lado da empregabilidade de mão-de-obra e pela desconcentração de recursos isso é positivo, pelo lado da economia de escala, aparece como fator negativo. Apenas as grandes indústrias, com grande velocidade de processamento e impressão, têm capacidade de obter menores custos. Não quer dizer que tais reduções de custos sejam repassadas ao editor, ao distribuidor ou ao consumidor final. Enfim, ficamos ainda no terreno das decisões de natureza, digamos assim, “economicista” no campo da produção gráfica.

            A mudança na política cambial para o sistema de bandas, por exemplo, afetou profundamente a indústria gráfica do ramo editorial em 1999; mas espera-se um aumento de até 30% para 2001, tendo em vista as encomendas feitas pelo Programa Nacional do Livro Didático3. Apenas para ilustrar, observamos que a Associação Brasileira da Indústria Gráfica - Abigraf, apresenta como fatores de melhoria para o setor a estabilidade econômica, os fortes investimentos em maquinaria, o aumento da profissionalização e a busca crescente pela segmentação, a redução de estoques.

            Chamamos a atenção para um dado significativo referente à melhoria do setor, que foi a eliminação dos estoques. São feitas tiragens menores, pois as editoras estão publicando mais títulos, com menos exemplares de cada. Se, do ponto de vista da indústria, isso possibilita corte de custos, para o consumidor final representa aumento do preço.

            Observa-se, nesse segmento de mercado, uma série de aquisições de empresas nacionais por estrangeiras. Entre elas a compra da Hamburg e do Círculo do Livro pela Donnelley Cochrane Gráfica, a aquisição da Gráfica Melhoramentos pelo Quebecor Group, do Canadá. Este grupo, por sinal, estaria em vias de se associar ao Grupo Abril, para montar um parque gráfico em Recife. Os empresários brasileiros do setor já temem uma concentração do parque gráfico nas mãos desses grandes grupos, a exemplo do que ocorreu com os setores de bancos e os supermercados. As empresas em expansão apostam, entre outras coisas, no crescimento do número de livros adquiridos por leitor. Consideram, por exemplo, que a compra de papel destinado à leitura pelo Brasil é seis vezes menor que a da França, 7,5 vezes menor que a da Alemanha.

            Com a expansão, as pequenas empresas deverão ter problemas de sobrevivência, por falta de recursos para investimentos. Uma máquina de acabamento, que produz 5 mil livros/hora, por exemplo, custa US$ 1,2 milhão, custo impossível de ser bancado por um pequeno.

            Não nos esqueçamos de que concentração de meios vem sempre acompanhada da concentração de outras decisões de “o quê” publicar, por exemplo.

            As editoras, enfim, são as responsáveis pelas escolhas a serem feitas: o quê, quando e o quanto editar. Tais escolhas, obviamente, levam em conta o mercado consumidor, o que inclui, em grande medida, fatores de natureza econômico-financeira: questões como tempo levado para comercializar um livro-produto, riscos de encalhe, disponibilidade de capital para investir a longo prazo, etc. Assim, será, obviamente, sempre mais rentável editar um best seller que uma obra literária de valor cultural significativo. E o editor não é “papai noel”. Ele é um empresário que optou por um ramo de negócios. E não pode viver dos louros que lhes fossem atribuídos por sua magnanimidade.

            Nesse setor, também, há um acelerado processo de internacionalização da propriedade das editoras. A Makron foi vendida para o Grupo Person (Financial Times); a Ática e a Scipione passaram a ser controladas pelo grupo francês Havas; a Editora Pioneira e a IOB foram compradas pela Thomson Learning, braço editorial da canadense Thomson; a Editora Campus pertence ao Grupo Elsevier; a Siciliano conta com a participação de 30% do Fundo Darby Overseas4.

            Por trás dos movimentos de aquisição e de fusões não deixa de estar o problema de custos de produção e as perspectivas de mercado. Em pesquisa que traçou o retrato do livro no Brasil5, 13% dos apreciadores de livros alegaram que, se os preços fossem mais baixos, leriam mais. As editoras, por sua vez, têm optado por publicar um número maior de títulos, com tiragens menores, o que encarece o produto. Entretanto, isso nem sempre se verifica. No caso do best seller Harry Potter, a tiragem inicial foi de 100 mil cópias, mas o preço girou em torno de R$ 30, um valor bem elevado para o mercado brasileiro. O editor, por sua vez, alega que o custo é esse mesmo, uma vez que o preço do papel está atrelado ao do dólar, e cada página sai por cerca de 15 centavos de real.

            Levando-se em conta os preços industriais, um contraponto nos faz vislumbrar que os preços não são tão irredutíveis. As Paulinas, que editam religiosos, conseguem vender bíblias com valor entre R$ 15,50 e R$ 30.

            Em todo o mundo os chamados livros de bolso, com dimensões reduzidas, impressos em papel jornal têm oferecido preços mais acessíveis. Mas no Brasil essa via não tem encontrado receptividade nas editoras. A L&PM, uma das poucas que aposta nesse mercado, tem cerca de 200 títulos em livros de bolso em edições entre R$ 5 e R$ 10, para livros de boa qualidade. Cabe, neste caso, questionar sobre a “racionalidade” das editoras, de optarem, preferentemente, por edições mais caras.

            O mercado livreiro no Brasil, em 1999 e 2000, teve os seguintes resultados, em volume de publicação:

Subsetor editorial Títulos Exemplares
1999 2000 Variação

(%)

1999 2000 Variação

(%)

Didáticos* 14.861 9.640 -35 180.339.740 196.223.729 9
Obras gerais 11.737 14.874 27 65.879.091 68.352.826 4
Religiosos 5.445 7.467 37 28.380.661 44.351.279 56
Científicos, técnicos e profissionais 11.654 13.130 13 20.842.864 20.591.816 -1
Total 43.697 45.111 3 295.442.356 329.519.650 12

* Didáticos: inclui Pré-escolar, 1º e 2º graus e paradidáticos - somente mercado.

            Já do ponto de vista do faturamento, as variações são as seguintes de um ano para outro:

Subsetor editorial Faturamento (R$) Exemplares vendidos
1999 2000 Variação

(%)

1999 2000 Variação

(%)

Didáticos* 681.821.717 700.789.927 3 98.200.683 69.564.323 -29
Obras gerais 376.366.835 404.513.920 7 62.737.932 63.414.923 1
Religiosos 147.098.200 150.454.545 2 45.176.985 46.167.147 2
Científicos, técnicos e profissionais 367.823.959 402.104.894 9 19.403.417 21.556.480 1
Subtotal 1.573.110.711 1.657.863.286 5 225.519.017 200.712.873 -11
PNL Didáticos** 220.541.916 378.067.469 71 60.164.529 128.816.769 114
PNL Paradidáticos** 24.173.712 24.456.004 1 3.996.000 4.705.518 11
Total 1.817.826.339 2.060.386.759 13 289.679.546 334.235.160 11,5

* Didáticos: inclui Pré-escolar, 1º e 2º graus e paradidáticos- somente mercado.

**Os dados de 1999 incluem as vendas ao Governo - PNBE/PNLD. Os de 2000 incluem as vendas ao Governo - PNLD-Centralizado e PNLD-Descentralizado (São Paulo e Minas Gerais).

            Observa-se um crescimento do faturamento entre 1999 e 2000 da ordem de 13%. O que mais chama a atenção é o relevante impacto das compras governamentais do Programa Nacional do Livro Didático e do Programa Nacional de Biblioteca Escolar. Os recursos provenientes das compras governamentais em 2000 foram 71% superiores às do ano de 1999. Isso é explicado pela CBL como decorrente do não-cumprimento dos prazos em 1999 e da concentração do recebimento dos valores em 2000.

            Obviamente a promoção de livros, a manutenção de equipes de vendas e o transporte encarecem a mercadoria livro. Assim sendo, se o editor possui um comprador único (o governo), que dispensa esses custos intermediários, ele está no melhor dos mundos. Isso significa, de todo modo, que, na condição de grande comprador do mercado, o governo, se quiser, tem margem de manobra para interferir em custos.

            No segmento de didáticos do mercado privado, as editoras apontam um declínio na venda dos livros no primeiro semestre de 2000. Esse declínio teria sido provocado pela migração de alunos da rede privada para a pública, a concorrência dos sistemas de ensino que produzem seu próprio material didático e o uso da reprografia. Entretanto, na avaliação do setor6, “o resultado final do ano foi positivo [para o subsetor didáticos], no que se refere ao faturamento, uma vez que a adoção de medidas agressivas de marketing elevou o mesmo no segundo semestre.”

            As tendências de mercado internacionais decorrentes do processo de globalização não deixam de se manifestar no setor editorial. À medida que esse segmento se profissionaliza, aumenta a competição, a necessidade de mais investimentos e de qualificação. Para fazer frente a isso, as fusões e aquisições se apresentam como alternativas. A expectativa das empresas que vêm de fora se justifica pela possibilidade de crescimento do mercado brasileiro, que é ainda incipiente. Esperam que esse mercado nacional venha a triplicar nos próximos anos7.

            Tomemos agora a distribuição, que é feita basicamente pelos livreiros, mas agora também por bancas de jornais e até por supermercados. Segundo os editores, o mercado nacional deixa a desejar, quando se trata da distribuição. O fato de existirem poucas livrarias no País, concentradas preferentemente nas grandes cidades, impediria o crescimento do mercado livreiro. Para driblar essa dificuldade, as editoras estão apostando em alternativas de comercialização para suprir a falta de livrarias. A Internet, que já concentra vendas em torno de 5% é uma delas; outra é a colocação de estantes de livros em supermercados. Com esse fim, sete editoras (Objetiva, Record, Rocco, Companhia das Letras, Ediouro, Campus e Melhoramentos) formaram um pool para comercializar seus livros em grandes redes de supermercados. A avaliação do setor é que os resultados são satisfatórios.

            À medida que avançamos para a ponta, vemos diminuir o poder sobre o processo de produção-distribuição-consumo do livro. Por exemplo, os livreiros já recebem o livro com o preço e o desconto-padrão já determinados. Dependendo da situação da loja, o livreiro, principalmente o pequeno, vê-se diante de pouca margem de manobra.

            Vejamos, agora, um pequeno retrato da distribuição de livrarias no Brasil.

Região Número de livrarias Porcentagem
Norte 60 3%
Centro-Oeste 80 4%
Nordeste 301 15%
Sul 442 22%
Sudeste 1.125 56%
Total 2.008 100%

Fonte: Anuário Editorial Brasileiro8

            Como se vê, há uma clara concentração das livrarias no Sul e no Sudeste, um comportamento semelhante a outros indicadores como renda per capita, percentuais de escolarização, etc.

            Segue-se um breve quadro das livrarias que encerraram suas atividades nos últimos anos:

Região Livrarias em operação

(1997/1998)

Livrarias em operação

(1999/2000)

Porcentagem de livrarias que encerraram suas atividades
Norte 128 59 54%
Centro-Oeste 205 121 40%
Nordeste 579 254 56%
Sul 1742 1008 42%
Sudeste 548 389 29%

Fonte: Câmara do Livro do Distrito Federal.

            A avaliação dos representantes do setor é a de que o número de livrarias permanece estável porque o número de novas lojas é mais ou menos equivalente ao de livrarias que encerram suas atividades.

            Para o presidente da Associação Nacional das Livrarias - ANL, Eduardo Yasuda, o melhor meio de proteger a pequena livraria é fazer passar por ela os livros que são adquiridos pelos governos (federal, estaduais e municipais). Com isso, “o número de livrarias no Brasil saltaria, certamente, de 2.008 unidades para mais de 5.000; seriam criados milhares de empregos em todos os Estados brasileiros.

            Ainda de acordo com Yasuda, haveria menos falências de pequenos livreiros, além de se evitar o uso de fabulosas verbas. Com isso a livraria retornaria sua função original, que é a de expor e vender livros. Mas essa não é a posição sustentada pelo governo: segundo o Dr. Ottaviano De Fiore, Secretário do Livro e da Leitura do Ministério da Cultura, “o governo não tem como salvar ou abrir livrarias, e sim, criar programas que auxiliem essas lojas, talvez por meio do Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas - SEBRAE.

            Um exemplo de política governamental diferente pode ser encontrada na França, onde o governo também subsidia parte do montante de livros escolares. Lá, em 1990, o Ministério da Educação enviou a 4.500 escolas maternais e primárias pacotes idênticos de 100 livros cada, pagando diretamente aos editores 24 milhões de francos. Mesmo que a estratégia de distribuição incluísse um convite a livreiros locais de cada comunidade para ajudarem a trabalhar o livro na escola, a medida desagradou em muito ao segmento varejista. Em resposta a isso, a associação dos livreiros reagiu duramente e conseguir reverter a situação. Nos anos seguintes os livreiros locais passaram a fornecer as obras às escolas.

            Na França, os livros são gratuitos para os alunos de 6 a 10 anos (escola primária); de 11 a 15 anos (colégio). Apenas alunos de liceus compram nas livrarias. Com a multiplicação das gratuidades, os livreiros estão reagindo, porque essa atitude desabitua a ida da criança ou do adolescente à livraria. A solução encontrada foi a adoção do cheque-livro em algumas regiões. De posse dele, o aluno escolhe o livreiro de sua preferência, onde adquire o material de leitura/estudo.

            A propósito disso, não é descabido lembrar Drummond, ao se referir ao “espaço” livraria:

            Primeira livraria, Rua da Bahia.

            A Carne de Jesus, por Almáquio Diniz

            (não leiam! Obra excomungada pela Igreja)

            rutila no aquário da vitrina.

            Terror visual na tarde de domingo.

            Volto para o colégio. O título sacrílego

            Relampeja na consciência.

            Livraria, lugar de danação, lugar de descoberta.

            Um dia, quando? Vou entrar naquela casa,

            Vou comprar

            Um livro mais terrível que o de Almáquio

            E nele me perder - e me encontrar.

            Carlos Drummond de Andrade9

            Outra política que vem sendo mencionada pelos livreiros é a adoção do preço fixo para o livro. Por esse mecanismo, o preço do livro seria o mesmo em todo o País válido para todos os varejistas, limitando a possibilidade de descontos.

            Tal política existe ou já existiu em vários países europeus (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Grécia, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Itália, Noruega, Portugal, Suécia e Suíça), com relativo sucesso para benefício de livreiros, principalmente. A possibilidade de uma política semelhante para o Brasil está sujeita a muitos questionamentos. O principal deles diz respeito à efetividade de uma política dessas, ou seja, da própria possibilidade de, uma vez adotada, vir a ser cumprida. Sempre se revelou difícil a adoção de uma política de preços únicos, mesmo para bens cuja necessidade é mais sentida pela a população, como os remédios, por exemplo. Nesse segmento, a prática corrente é justamente a oposta: a política de descontos, que em geral tem sido adotada pelas redes de drogarias. Essas redes conseguem preços menores por terem maior poder de pressão junto aos laboratórios. Como ser contra uma política dessas? No caso da política para livros, procurar-se-ia limitar os descontos. Descontos que, praticamente, já não existem. Assim sendo, é necessária muita cautela antes de se pensar em adotar uma política assim.

            No Brasil, os principais problemas ligados ao livro derivam da liberdade com que o mercado opera para fixar preços, tiragens. Não há dúvida de que há margens de manobra do Estado para intervir favoravelmente na expansão dos livros e dos leitores. Mas a fixação de preços não parece ser uma delas.

            IV. A POLÍTICA DOS LIVROS E OS LIVROS EM TORNO DA POLÍTICA

            Livros (e, antes deles, os seus correspondentes como meios de fixação da escrita) têm sido associados de maneira positiva ou negativa à detenção, perpetuação ou perda de poder.

            A esta altura da história, mesmo que novos estudos comprovem o valor relativo desse poder, criou-se um mito em torno da palavra escrita e, particularmente, daquela veiculada pelo livro. O mito de que, por exemplo, “ler é perigoso” ou o seu oposto, ou seja, que o livro pode representar a redenção ou a libertação de um povo.

            Juntamente com a imprensa, surgiu a censura. Tanto a de natureza política, quanto a de natureza religiosa ou moral. Tomemos um emblema dessa censura. Um símbolo que é ficcional e que, talvez justamente por isso, funcione como metáfora de todos os processos de perseguição aos livros ou de perseguições por causa dos livros. Em O nome da rosa, de Umberto Eco, uma série de homicídios em um mosteiro é justificada pela guarda de um conhecimento codificado em um livro. Tratar-se-ia de um livro de Aristóteles sobre o riso. Segundo o monge (cego) bibliotecário, esse livro não podia ser dado ao conhecimento do público, pois retiraria a censura sobre o riso. E o riso destruiria as coisas sérias. E rir das coisas sérias levaria a um questionamento do sagrado, e assim por diante. Com esse episódio, o pensador e ficcionista italiano cria uma imagem para as caças às bruxas levadas a cabo tendo o livro como centro da discórdia.

            Outros exemplos (ficcionais) ilustres funcionam como um discurso sobre essas censuras: D. Quixote e Madame Bovary. O primeiro perde o juízo de tanto ler novelas de cavalaria e se torna, ele mesmo, um personagem dos livros que lera; a segunda torna-se vítima dos romances que havia lido, enredando sua vida como a enredavam as heroínas de suas histórias (Zilberman, 2001).

            No campo religioso, aquele em que a escrita mais tem servido para preservar conhecimentos e perpetuar poder, a edição da bíblia nas línguas nacionais (diferentes do latim) representou para as autoridades eclesiásticas uma ameaça aos dogmas e à própria divindade. A Igreja Católica encarrega-se, desde muito cedo (1564), a instituir a censura religiosa por meio do Index Librorum Prohibitorum.

            Para remontarmos a episódios mais recentes, temos o caso do indiano Salman Rushdie, condenado pelos islâmicos por seus Versos satânicos e obrigado a viver exilado pelo resto da vida. Na primeira semana de julho de 2001 foi noticiada a prisão de missionários alemães no Afeganistão. O motivo da prisão seria um escrito, em língua local, contando a vida de Jesus.

            A idéia de letramento universal, que surge com a evolução do capitalismo, aliás, é uma exigência desta. Segundo Zilberman (2001), “a introdução ao mundo das letras tinha de se mostrar mais rápida e eficiente, e, ao mesmo tempo, levar em conta que se destinava a usuários, boa parte provenientes do campo e de origem humilde, que até então não sentiam falta da escrita e da leitura de textos.”

            Do lado do mito positivo, assistimos, aqui mesmo no Brasil, a diversas campanhas de difusão da leitura (e de promoção do livro, por conseqüência), como forma de redenção da população analfabeta. Já na década de 30, Getúlio Vargas vê na difusão do letramento uma forma de construir a nacionalidade em torno dos valores do Estado Novo e de sua figura. Não é por acaso que censura a escolarização (no Sul) em outras línguas que não o Português. Creditava à leitura (de livros e jornais) em Português a consolidação de um Estado Brasileiro forte e unido, reforçado pela língua comum e não ameaçado pelo conteúdo que pudesse ser veiculado em outros idiomas.

            Posteriormente, nas décadas de 50, de 70, e mesmo hoje, continuam os esforços de universalização do letramento, pois credita-se ao livro uma espécie de poder mágico redentor de nossa população, tida como “atrasada”, por não ler. Não é difícil, quando fazemos os paralelos de desenvolvimento com outros países, creditar a estagnação brasileira à falta de escolarização básica. Basta dizer que a revolução industrial foi possível porque, já no século XIX, a Inglaterra havia vencido esse problema.

            Todo o esforço de universalização do ensino básico no Brasil se volta para que aumente o número de anos de freqüência de nossa população à escola. As comparações regionais, no universo da América Latina, sempre nos colocam atrás, em escolarização, de nossos vizinhos, como Argentina, Chile, Uruguai.

            Mas todo o esforço de letramento associado aos processos econômicos (aprender a ler para aprender e dominar habilidades e se preparar para o mercado de trabalho) passa, em determinado momento, a se dissociar da literatura. Com isso, a literatura se torna cada vez mais distante das classes populares escolarizadas. Nesse ponto, produz-se uma nova assimetria associada ao valor de ser “letrado”. Para ser “letrado” não basta haver freqüentado a escola. Letrados são os que “lidam de modo familiar com as letras, os especialistas” e a aura de poder que sempre acompanhou a leitura e a escrita é restaurada, desta vez com o auxílio da escola. Uma nova discriminação tem lugar: “Até um certo período da história do Ocidente [o leitor] era formado para a literatura; hoje, ele é alfabetizado e preparado para entender textos escritos, mas nem sempre a literatura se apresenta no seu horizonte, porque ainda é sacralizada pelas instituições que a difundem” (Zilberman, 2001).

            Na mesma era em que os contingentes mais pobres da população passaram a ter acesso à leitura, o livro foi submetido aos processos econômicos e industriais, que imprimiram a racionalidade para o mercado editorial. Transformado em mercadoria, o livro passa a ser tratado como uma commodity e é regulado pelas leis do mercado. Com isso, claro, os leitores ou potenciais leitores (entenda-se, os de menor poder aquisitivo) são distanciados da literatura. Parte da crise que se verifica hoje, ou seja, da chamada “falta de leitores” deriva dessa discrepância criada pelo todo-poderoso “mercado”. Um resgate dos leitores passará, necessariamente, pelo reequilíbrio das relações de poder nesse âmbito. Quer dizer, aumentar a quantidade (e, quiçá, a qualidade) dos leitores passa pela “inclusão” (já que a palavra está na moda) das camadas não atingidas pelo livro - de literatura, especialmente. Uma inclusão que depende, entre outros fatores, da acessibilidade financeira (menor preço do livro ou maior poder aquisitivo do leitor), e por uma nova forma de contato dos escolarizados com a literatura.

            E o livro assume um papel ainda mais relevante em um país como o Brasil, cuja escolarização é essencialmente centrada na leitura, ou seja, uma escolarização de domínio de conteúdos escritos, em detrimento de uma escolarização de desenvolvimento de conhecimentos (laboratórios, oficinas), como ocorre em outros países. Logo, no Brasil, escolarizar é, mais que em qualquer outro país, levar as pessoas a ler.

            Assim sendo, a política nunca foi indiferente aos livros. Do mesmo modo, os livros não são indiferentes à política. Ou seja, os livros que vêm ao mundo em determinados contextos não deixam de estar vinculados ao poder. Seja por laços de sustentação, seja para resistir a esse poder instituído.

            Paulo Freire, pedagogo e filósofo libertário, lançou sua “pedagogia do oprimido” contrapondo-se às visões utilitaristas de leitura. Para o grande educador brasileiro, hoje referendado no mundo inteiro, ler é desvendar o mundo. Ler é mais que decodificar palavras; é compreender o mundo que está à volta da pessoa. Não uma compreensão acadêmica e desinteressada. Mas compreender para transformar. Paulo Freire faleceu e não chegou a ver no Brasil instituída uma política de leitura que respondesse a essa visão crítica. Desse ponto de vista, uma expansão do mercado editorial pode ter sucesso, sem, necessariamente, favorecer a emancipação dos leitores.

            V. LIVROS NO SISTEMA ESCOLAR

            No Brasil, o grande fomentador de leitura é o sistema escolar. Poderia ser a família, ou a comunidade religiosa, etc. Mas é na escola que, além de se aprender a ler - supostamente - se adquire o hábito de leitura.

            Não resta nenhuma dúvida de que essa parceria é desejável e, até mesmo, inevitável. Caberia, talvez, mudar o enfoque, a fim de que se tire maior proveito dessa prática escolar.

            Os especialistas da área, entre eles a professora Magda Soares, autora de diversos livros e pesquisadora, criticam a maneira equivocada como a escola se utiliza da literatura infantil, por exemplo. Para os especialistas, o modo como os leitores iniciantes são apresentados à obra literária contribui para um distanciamento. O texto literário é utilizado como base para ensinar a ler. Até aí tudo bem. Mas, como a escola está voltada não apenas para trabalhar as habilidades, começa a sobrecarregar o texto com outras agendas, como a aprendizagem de pontos da gramática, a interpretação de texto, a avaliação, etc. Desse modo, tal metodologia não necessariamente facilita o contato leitor-obra, mas corre até o risco de afastá-lo desse hábito. Isso porque a leitura de literatura se dá, primeiramente, para fruição. Ou seja, um texto deve ser lido pelo que ele contém de belo, de agradável, de assustador, de instigante, de melancólico, enfim, pelo que ele representa de interessante e não como pretexto para outras atividades escolares. Tomemos duas figuras desse processo escolar: Machado de Assis e um adolescente estudante. Machado de Assis foi, é e continuará a ser o magnífico escritor de histórias, o narrador hábil, o prosador de ironia fina. Um adolescente, em plena efervescência de hormônios, consumidor de rock, música eletrônica, clipes, gibis, cds, dvds, etc. não tem, digamos assim, a sintonia com aquela linguagem (belíssima para nós, adultos) preciosa de Machado de Assis. Desse contato (Machado a um escolar) pode surtir um desencontro e não um encontro. Isso não quer dizer que não haja uma literatura considerada “de qualidade” acessível aos adolescentes. Com certeza ela existe. E não apenas em escritores nacionais. Pode ser que Júlio Verne continue a encantar os adolescentes como o tem feito por várias gerações. Fernando Sabino, Rubem Braga, João Antônio, Drummond, Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro são apenas alguns dos grandes nomes disponíveis em nosso catálogo literário. Todos esses com uma linguagem muito mais próxima do universo dos adolescentes.

            Tomemos um exemplo que explode na mídia por esses dias: O Senhor dos Anéis, o filme, baseado na obra de R. Tolkien e inspirador dos Rolling Playing Games (RPG). Essa obra, não adotada pela escola, tem encantado os adolescentes das duas últimas gerações. Trata-se de volumes com aproximadamente 500 páginas, que são devorados (e relidos) pelos jovens, interessados nos enredos fantásticos apresentados pelo autor. Enredos que lhes inspiram a criação (note-se bem: criação) de enredos. Com a ajuda de dados, mapas, caneta, papel e muita imaginação, passam dias e dias “vivendo” uma aventura em que eles são os autores-personagens.

            VI. O CONSUMIDOR-LEITOR

            O terceiro segmento envolvido no mercado livreiro é o leitor-consumidor. Se o comerciante de livros não tem poder (ou o tem em pequena escala) sobre o que é editado e comercializado, imagine o consumidor. Desse ponto de vista, o mercado livreiro não se distingue muito de outros mercados de bens culturais e de entretenimento, como o de música, de vídeos. Ou seja, o consumidor compra o que (estando a seu alcance financeiro) é colocado à disposição pelo mercado.

            Assim sendo, qualquer política de incentivo à leitura (patrocinada pelo governo ou pelas livrarias) deve levar em conta o fortalecimento do leitor-consumidor.

            A propósito desse fortalecimento e do tema do debate (o mercado livreiro no mercado globalizado), é oportuno lembrar que a contrapartida da globalização é justamente o aumento do poder local. Sem isso, prevalecem as tendências impostas pelo mercado. Paradoxalmente, quanto maior a uniformização de produtos em nível mundial, maior destaque ganham os produtos e instituições de caráter local. Nos grandes centros urbanos mundiais, em contraposição às cadeias de fast food (das quais o Mc Donald´s é o símbolo) ganham destaque os restaurantes de sabor regional (chineses, coreanos, etc.).

            Obviamente que não se há de esperar que as grandes editoras (nacionais e multinacionais) tomem a iniciativa de fortalecer as culturas locais e regionais. Do ponto de vista da economicidade, quanto menor o número de títulos e maior o número de exemplares, melhor.

            No caso específico do Ceará (e de outros estados do Nordeste), há um caso muito interessante, que inspira uma reflexão: o dos folhetos de cordel.

            Trata-se de narrativas em verso, editadas em geral pelo próprio “versejador”, de tamanho que varia de 8 a 32 páginas (sempre em múltiplos de 4), pois resultam de folhas tamanho ofício divididas em 4 partes). Este é um caso de objetos que são “não-livros”, ou seja, apesar de todas as suas características (autor, texto, leitor), não recebem a chancela de “livros” tal como o compreende o mercado livreiro. No máximo, usa-se o diminutivo “livreto” de cordel, para designá-los.

            Estão catalogados e classificados mais de 30 mil folhetos e mais de 2 mil autores. Alguns deles são verdadeiros best sellers, como o Romance do Pavão Misterioso, de João Melquíades Ferreira, com centenas de milhares de cópias vendidas. Segundo o maior estudioso do assunto, Raymond Cantel “a literatura popular existe em outros países, mas nenhuma é tão relevante quanto a do Nordeste[...]. Aqui, no Nordeste, ela resiste e se transforma cada vez mais.” (in: Patativa do Assaré, 2000)

            Entretanto, essa riqueza literária não faz parte dos catálogos de livros brasileiros. Países como México e Argentina valorizam sua produção literária popular. Em função disso, “poemas como ‘La Cucaracha’ são cantados no mundo inteiro e o herói do cordel argentino, Martín Fierro, se tornou símbolo da nacionalidade platina.” No Brasil, ao contrário, a literatura de cordel continua em grande parte desconhecida do grande público.

            Não por acaso, é um tipo de literatura identificada com um segmento da população “sem-poder” no contexto da cultura erudita ou do mercado editorial. Os folhetos de cordel são escritos por pessoas com pouca escolarização (Patativa do Assaré e J. Borges alegam ter tido menos de um ano de escolarização formal), em geral nordestinas; são impressos de maneira tosca, em produções artesanais, ilustradas pelo próprio autor, que, às vezes, é também um gravurista; são lidas por pessoas comuns, em geral com pouca escolarização. Essas são algumas das razões pelas quais o cordel não figura no universo do “livro” como tal, segundo o concebe o mercado editorial. Ou seja, o cordel não é configurado como o objeto cultural livro por estar associado a grupos populares sem poder econômico, sem poder sobre a cultura erudita, sem poder sobre o mercado, pois o que determina o que é e o que não é um livro é o mercado editorial.

            Do mesmo modo, o que determina o que é e o que não é um “autor” literário é o mercado editorial. Nascido em 1905, Patativa do Assaré já havia escrito dezenas de folhetos antes da a Editora Vozes editar o seu Cante lá que eu canto cá, em 1978. Estudado pelos pesquisadores, referendado pela academia e, mais recentemente (1995), até condecorado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, Patativa se tornou um “autor”. Um autor desses de figurar em estantes de livrarias e ter sua obra em bibliotecas.

            Recentemente, a Editora Hedra iniciou a publicação das obras de 50 cordelistas brasileiros, confeccionando simpáticas brochuras de pouco mais de 100 páginas cada. Para cada um dos 50 autores foi escolhido um especialista para fazer um ensaio que introduz a obra do artista. Quer dizer, uma vez sacramentados pelos críticos, comentaristas e acadêmicos, o poeta popular passa a figurar como “autor”.

            Constitui o cordel uma manifestação popular das mais autênticas, no dizer de um dos maiores especialistas no assunto, o holandês Joseph M. Luyten, que já foi professor da Escola de Comunicação da Universidade de São Paulo - USP, e que, ultimamente, tem dado aulas no Japão como especialista em cultura e literatura popular do Brasil. Não se pretende aqui fazer uma apologia dessa literatura, mas apenas demonstrar, com um exemplo gritante, a vinculação do “livro” com os estamentos de poder econômico e político.

            Por sua vez, esse exemplo traz também um indicador de uma estratégia de valorização do “local” como forma de se contrapor ao global. É isso que está sendo feito na Paraíba10. Há dez anos, Albanita Guerra, coordenadora do Proler na Paraíba, vem fazendo um trabalho de incentivo à leitura, que inclui a constituição de uma biblioteca de 12 mil folhetos de cordel. Desde outubro de 2000, a Secretaria Municipal de Educação de Campina Grande desenvolve o projeto Cordel na Escola, em parceria com a Associação de Repentistas de Campina Grande. Seis artistas populares percorrem as escolas municipais, fazendo apresentações e incentivando os alunos a escrever e apresentar seus cordéis.

            Ressalto que, neste caso, não se compreende uma política de valorização do local e de recusa do que vem de fora, até mesmo porque a literatura oferecida aos estudantes pelo mercado editorial tradicional já é bastante forte e não precisa de defensores ou de políticas protecionistas. Mas essa não deixa de ser uma oportunidade para associar livreiros, editores locais, educadores, artistas, cantadores e leitores (ouvintes) de um tipo de arte local. Essa modalidade de arte, por sua vez, resulta da adaptação de uma manifestação européia (global) para cá trazida e adaptada à cultura local. Basta lembrar que a literatura de cordel já existia na Idade Média na Europa e foi trazida pelo colonizador ibérico. Existe no México (com o nome de corridos), na Argentina e Uruguai (payadas) e no Chile (poesía criolla).

            E a literatura de cordel tem representado uma forma de identidade, de identificação e de resistência cultural de um povo sofrido e oprimido.

            VII. AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS PARA O MERCADO LIVREIRO

            As indagações mais recentes têm considerado a possibilidade de o meio físico dos “livros” passar do papel para os meios eletrônicos. A par de todas as implicações disso, pelo menos para o Brasil e para as próximas décadas, essa questão não assume relevância. Por três razões: primeiro, o mercado livreiro ainda não tem um “acervo” eletrônico capaz de ser colocado à disposição do público consumidor. Segundo, porque o suporte físico (hardware) ainda é caro e demorará a chegar a preços acessíveis ao grande público. Terceiro, porque o livro (em papel) está configurado como objeto cultural no imaginário da população, tendo em vista a longa convivência da humanidade com ele.

            Não se pode predizer que o livro de papel, tal como o conhecemos, será substituído em breve (uma ou duas décadas) pelos livros eletrônicos. Devemos levar em conta a possibilidade de acesso, pois o e-book (o aparato para receber o livro digitalizado) ainda tem um custo alto nos Estados Unidos, que dirá no Brasil.

            Não se trata de vantagem ou desvantagem, de avanço tecnológico ou não. Trata-se de uma barreira econômica. Quantos brasileiros possuem, hoje, computadores pessoais? Não eram mais que 10 milhões, em 2000. Dos que possuem, quantos os utilizam? Dos que têm ligação com a Internet, quantos, de fato a acessam? As estatísticas dão conta de que não mais de 20 milhões de brasileiros têm acesso à Internet.

            Assim sendo, essa questão não afeta, pelo menos de pronto, as livrarias independentes. Por outro lado, as novas tecnologias da informação podem significar uma oportunidade de negócios. Os chamados cybercafés são espaços que reúnem aficcionados da informática (navegação na Internet) em espaços que podem ser associados a livrarias, como já ocorre em algumas grandes cidades.

            VIII. A LIVRARIA NO CEARÁ

            O Ceará é o quarto pólo consumidor de livros no Brasil, com destaque para o livro universitário, segundo o diretor das Livrarias Educativa, Oscar Nogueira. Entretanto, o mercado livreiro se ressente da pouca quantidade de lojas no Estado. São cerca de 200 lojas (entre livrarias exclusivas e livrarias/papelarias), sendo que 130 delas estariam localizadas em Fortaleza. Considerando-se os 183 municípios cearenses, esse é um número proporcionalmente bem reduzido de livrarias.

            Embora as lojas de grande porte tenham tido um crescimento de até 30% nas vendas em 2000, as pequenas livrarias passam por dificuldades. A La Selva tem contabilizado um crescimento de 20% ao ano, desde 1998, quando instalou três lojas no Aeroporto Pinto Martins. Mas a rede local de livrarias ao Livro Técnico acusa uma queda de 2,1% em suas vendas, de 1999 para 2000. Para seu proprietário, a implantação de 10 lojas da rede Siciliano afetou o mercado tradicional.

            Como não poderia deixar de ser, o mercado livreiro no Ceará depende de fatores de natureza econômica. Deixando-se de lado mitos como o de que “brasileiro não lê”, não há como comprar livros se faltam recursos aos consumidores. Uma pesquisa sobre o perfil do leitor detectou que, fora o livro didático, a média de leitura anual do brasileiro não passa de um livro.

            O mercado universitário, um dos mais fortes, se ressente dos preços altos e da pouca disponibilidade de títulos. Desse modo, a fotocópia, ilegal, ganha terreno. O Sindicato do Comércio Varejista de Livros do Estado do Ceará - SINDILIVROS, tem feito campanhas públicas combatendo a fotocópia, mas não tem meios legais para evitar que isso ocorra.

            Por outro lado, existência de um comércio paralelo de livros escolares indica a existência de uma demanda por parte dos consumidores de menor poder aquisitivo. Em 1998, inquérito da Delegacia de Defraudações concluiu que haviam sido comercializados cerca de 10.000 “livros do professor”, no “mercado paralelo” de sebos e de ambulantes. Isso indica a necessidade de se proverem de recursos as famílias sem condições de adquirir o livro didático legal ou de se baratear o custo desse.

            Para a presidente do Sindilivros, Maria do Socorro Sampaio Flores, embora se observe uma demanda pelo conhecimento carreado pelos livros, isso não se reflete nas vendas das lojas regulares. O mercado paralelo (sebos, ambulantes, livros do professor vendidos ilegalmente) e a fotocópia seriam responsáveis por essa “sangria” de consumidores.

            Entretanto, há mostras de um potencial de mercado bem maior. O maior sinal disso foi a freqüência à 4ª Bienal Internacional do Livro, realizada em 2000 (17 a 22 de outubro). Estiveram presentes 200 editoras, 15 delas internacionais, com 113 estandes. A ela compareceram 212 mil pessoas e o faturamento foi de R$ 1,5 milhão.

            CONCLUSÕES

            O futuro da livraria independente não é diferente, em muitos pontos, do próprio futuro do Brasil, no que diz respeito à redistribuição de renda e de acesso à educação. Ou seja, como a aquisição de livros está associada diretamente à renda e à escolaridade, enquanto esses dois fatores não se alterarem, serão poucas as chances de crescer o universo de consumidores de livros.

            Entretanto, podem ser adotadas políticas sociais para enfrentar o problema. Uma política social pode ser patrocinada tanto pelo governo quanto por qualquer instância organizada da sociedade. Assim, não caberia apenas às instâncias governamentais, mas também aos segmentos da sociedade (escolas, faculdades, entidades culturais, livreiros, editores) implementar políticas sociais de incremento da leitura.

            As políticas governamentais do setor (Proler, Programa Nacional do Livro Didático, Programa Nacional da Biblioteca Escolar) têm investido na ampliação do número de bibliotecas e no provimento de livros aos leitores/escolares e bibliotecas. Particularmente com relação ao PNLD, o governo tem desconsiderado os comerciantes locais de livros, deixando de beneficiar esse segmento com o investimento público feito na área. Assim, há uma possibilidade a ser aberta, para incluir a intermediação do livreiro na aquisição do livro didático.

            A política educacional, por sua vez, deveria passar por uma profunda reavaliação e redirecionamento, de modo a valorizar mais o conteúdo literário dos livros estudados e menos as explorações de outra natureza (pretexto para estudar gramática, entre eles). Para tanto, é indispensável a existência de programas de formação de professores.

            Estados e Municípios têm muito mais poder nesse campo que o Governo Federal, visto que a cultura local deveria ser mais valorizada em qualquer política de fomento à leitura.

            Do ponto de vista do mercado, o segmento varejista, como o mais prejudicado e o mais próximo à realidade local, deve patrocinar políticas de valorização da leitura e da cultura local. A associação em câmaras do livro (livreiros, distribuidores, editoras) parece indicar um bom caminho para a resolução dos problemas locais.

            Enfim, qualquer política (patrocinada pelo Estado ou por segmentos da sociedade) para o livro deve ter como foco o leitor em seus diversos aspectos: a formação de um leitor crítico e não simplesmente de um “consumidor” de livros; o aumento do poder de compra do leitor (mesmo que seja por meio de mecanismos como o cheque-livro); formação do hábito de freqüentar livrarias e comprar livros; aumento da convivência leitor-livro, seja por meio de bibliotecas abertas ao público, seja por criação de feiras de livros localizadas em bairros ou em pequenas cidades, ou seja, levando o livro a quem não vem a ele.

 

            BIBLIOGRAFIA

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ZILBERMAN, Regina. Fim do livro, fim dos leitores? S. Paulo. Editora Senac São Paulo, 2001.


1 Estudo apresentado ao Fórum de Debates: O FUTURO DAS LIVRARIAS (INDEPENDENTES) NUM MUNDO GLOBALIZADO. Sindicato do Comércio Varejista de Livros do Estado do Ceará - SINDILIVROS. Fortaleza(Ce), 17 de agosto de 2001.


2 Eleito Senador da República (1995 - 2003). Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal (2001 - 2003).


3 Revista Abigraf março/abril 2001.


4 CartaCapital, 28 de maio de 2001.


5 Revista Época 16-7-2001.


6 Diagnóstico do Setor Editorial Brasileiro ano 2000, da Câmara Brasileira do Livro.


7 Jornal do Comércio do Rio de Janeiro 29-5-2001.


8 Informativo ANL, março 2001, ano 1 n. 3.


9 Citado por Zilberman (2001).


10 Folha de S. Paulo 1º-3-2001 (Paraíba e Pernambuco investem na formação de leitores).



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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/2001 - Página 17670